Mais de 30% das parlamentares eleitas autodeclaradas negras no Nordeste, em 2022, já se declararam brancas em eleições anteriores, aponta relatório do Instituto Odara
Pesquisa também aponta que apenas 1 a cada 42 mulheres negras candidatas foram eleitas; entre homens brancos o número é de 1 a cada 6 candidatos
Redação Odara
O Odara – Instituto da Mulher Negra lançou nesta sexta-feira (10) o relatório “E eu não sou uma mulher”: Eleição de mulheres, fraudes raciais e racismo contra candidatas negras no Nordeste em 2022.
Com dados levantados entres os meses de novembro e dezembro de 2022, o relatório traz informações sobre os resultados das eleições na Região Nordeste, como número de votos, colocação da/os candidata/os, auto declaração racial e valores financiamento de campanha, com objetivo de analisar como as relações raciais e de gênero influenciam no resultado das eleições.
Segundo o relatório: a cada 6 homens brancos que se candidataram, 1 foi eleito; a cada 14 mulheres brancas, 1 foi eleita; a cada 16 homens negros , 1 foi eleito; e a cada 42 mulheres negras, 1 foi eleita. Número que revela a desvantagem e preterimento das mulheres negras no processo eleitoral.
Produzido através do Projeto Pretas no Poder: Participação Política, Representatividade e Segurança de Ativistas Negras, com apoio da Open Society Foundation, o relatório tem por objetivo fortalecer a representatividade através da participação política de mulheres negras candidatas, parlamentares e defensoras de Direitos Humanos no Nordeste brasileiro, sobretudo trans, lésbicas e bissexuais.
O arquivo está disponível para leitura e download abaixo:
Fraudes na autodeclaração
Das 90 parlamentares eleitas na região Nordeste, 36 se autodeclaram negras (30 pardas e 6 pretas). Entre as autodeclaradas “pardas”, 10 já se declararam “brancas” anteriormente; das 6 autodeclaradas “pretas”, 1 se declarou parda anteriormente e 1 já se declarou branca; ou seja, do total de parlamentares autodeclaradas negras, 30,56% já se consideram brancas em eleições anteriores.
Além do fator de mudança na autodeclaração racial, um quantitativo considerável está em condição de explícita discrepância entre a autodeclaração e o fenótipo. Das 30 autodeclaradas pardas, apenas 4 ou 5 apresentam um fenótipo pardo sem absurda discrepância.
Financiamento de campanha
Entre as deputadas estaduais eleitas no Nordeste, 15 das 61 declararam orçamento total maior de R$ 1 milhão de reais; e apenas 5 delas se autodeclararam negras. 80% das candidatas entre os maiores orçamentos declarados são filiadas a partidos de direita [UNIÃO; PL; PSD; PP; PATRIOTA; REPUBLICANOS]; 20% são filiadas a partidos de esquerda [PSB e PCdoB]. 10 delas receberam aportes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que contemplaram mais de 95% de seus orçamentos de campanha.
Os partidos de direita repassaram R$ 25.988.787,59 do FEFC para as 27 deputadas estaduais eleitas no Nordeste; os partidos de esquerda repassaram R$ 9.551.639,42 do FEFC para as 25 deputadas eleitas; os partidos de centro destinaram R$ 2.135.751,40 do FEFC para as 9 eleitas ao referido cargo.
Ativistas negras eleitas
De acordo com o levantamento, os estados da Bahia e Pernambuco se destacam por apresentarem expressivo número de candidaturas de mulheres negras defensoras de Direitos Humanos. Apenas 3 estados do Nordeste elegeram mulheres negras ativistas, todas para o cargo de deputada estadual. São elas: Olívia Santana [PCdoB/BA] – primeira mulher negra eleita deputada estadual na Bahia em 2018, após três mandatos de vereança em Salvador-BA; Dani Portela [PSOL/PE] – vereadora em Recife, pela primeira vez candidata a deputada estadual; Rosa Karina [PT/PE] – primeira candidatura, aos 26 anos; Divaneide [PT/RN] – a deputada estadual mais votada na capital pela segunda vez.
Não foram eleitas mulheres negras ativistas para o cargo de deputadas federais no Nordeste, no entanto, três candidatas tiveram votação expressiva em seus estados, alcançando a posição de primeira suplente – Robeyonce Lima [PSOL/PE], com 80.732 votos, após experiência de mandata coletiva na chapa “Juntas” de co-deputadas estaduais eleitas em 2018; terceira suplente – Vilma Reis [PT/BA], que conquistou 60.949 votos em sua primeira candidatura a cargo político-eleitoral; e quinta suplente – Marta Rodrigues [PT/BA], com 53.306 votos, em sua 6ª candidatura, eleita 4 vezes vereadora de Salvador.
Fátima Santiago [PV/AL] – 3 vezes eleita vereadora em Maceió, também classificou-se como suplente, porém os 9.841 votos que conquistou para o cargo de deputada federal não lhe possibilitaram uma colocação de provável nomeação.
Incidência Política do Projeto Pretas no Poder
Durante todo o ano de 2022, o projeto Pretas no Poder promoveu uma série de ações com objetivo de estimular a discussão e criar estratégias para fomentar a participação política das mulheres negras, seja nos espaços de política partidária ou por meio dos movimentos políticos e sociais. Nesse sentido, foi lançado em julho de 2022 o Mapa da Violência Política contra Mulheres Negras no Nordeste, disponível aqui, e a CARTA ABERTA À SOCIEDADE: Questões inegociáveis para Mulheres Negras e Indígenas na disputa por poder, disponível aqui.
A carta foi lançada como resultado do Encontro de Mulheres Negras Nordeste-Amazônia: Qual o nosso Projeto de Nação?, realizado entre os dias 7 e 9 de julho de 2022, em Salvador (BA). A atividade promoveu diálogos plurais sobre participação política, projeto político centrado no Bem Viver, estratégias e compromissos mútuos entre os movimentos de mulheres negras e indígenas. Além de ativistas dos Movimentos de Mulheres Negras e Indígenas, estiveram reunidas parlamentares e candidatas que disputaram cargos políticos nas eleições de 2022.
Outra ação protagonizada pelo Projeto Pretas no Poder em 2022 foi a Campanha Pretas no Poder, que divulgou, de forma ampla, informações sobre temas como voto e democracia; violência política; desigualdade nos recursos de campanha política direcionadas às mulheres negras; importância de eleger mulheres negras e visibilização de candidatas negras das regiões Norte e Nordeste do Brasil. A campanha alcançou mais de 100 mil usuários nas redes sociais.