Instituto Odara realiza atividades em comunidades quilombolas na Chapada Diamantina (BA)
Ativistas do Odara estiveram nos municípios de Boninal e Seabra, entre os dias 27 e 30 de setembro, para ações dos projetos Ayomide Odara e de Enfrentamento às Violências contra Mulheres e Meninas quilombolas.
“Só a presença contínua na comunidade pode nos ajudar a nos manter coerentes com a nossa luta, e alimentar nosso sentido de porque escolhemos ser ativistas, porque dedicamos nossa vida à militância pelo povo negro, pelas mulheres negras”. A frase de nossa griot, Valdecir Nascimento, expressa um pouco do sentimento das sete ativistas do Odara – Instituto da Mulher Negra que atravessaram o estado da Bahia para encontrar meninas e mulheres quilombolas da região da Chapada Diamantina, entre os dias 26 de setembro e 1º de outubro.
Durante esses dias, vivemos uma programação intensa com mulheres e meninas quilombolas do Mulungu, Cutia e Olhos D’Aguinha, do município de Boninal; e dos quilombos do Agreste, Baixão Velho, Vazante, Serra do Queimadão e Cachoeira do Mocambo, do município de Seabra.
Estes encontros, tão ricos e inspiradores para cada uma de nós, foram motivados pelas ações do Projeto Ayomide Odara e pelo Projeto de Enfrentamento às Violências contra Mulheres Negras, do Instituto Odara. O Ayomide trabalha formação política com meninas e jovens negras de 9 a 19 anos, e conta com a participação de 35 meninas da região da Chapada Diamantina. Já o Projeto de Enfrentamento às Violências tem as mães das Ayomides e outras mulheres lideranças quilombolas como parceiras na região, e mobilizou cerca de 80 mulheres para as rodas de conversas que aconteceram ao longo destes dias.
A coordenadora executiva do Odara, Naiara Leite, descreveu a Jornada como um momento de grande importância para fortalecer nossas conexões com as mulheres e meninas quilombolas da região da Chapada, aprender com elas, compreender as demandas e agendas específicas de suas comunidades.
“Foi um momento de encontrar presencialmente as mulheres e as meninas negras quilombolas da região, com quem já trabalhamos e construímos parceria de lutas desde 2021. Foi também um momento de escuta, para entendermos qual o contexto das mulheres quilombolas do território da Chapada, em relação à educação, à saúde e às violências. E dialogar com as lideranças locais, sobre as incidências que a gente pode fazer para fortalecer e ampliar a luta delas nas comunidades”, afirmou Naiara.
A programação da Jornada começou no dia 27 de setembro, celebrando os santos gêmeos, São Cosme e São Damião, no Quilombo do Agreste, no município de Seabra (BA). A festa tem uma programação intensa que começa de manhã, dura o dia todo, e conta com muita alegria, fé, diversão, brincadeiras, fartura de doces e comidas gostosas, e tem a participação de crianças, jovens, adultos e idosos, do Agreste, e de visitantes de comunidades vizinhas.
“A celebração é quase um ‘feriado’ instituído pela comunidade”, comenta a professora quilombola Maria Elza dos Santos, moradora do Quilombo Vazante. “Aquele momento é algo que faz parte de mim. Porque minha mãe é do Agreste, o meu pai é da Vazante, mas quando eu era criança frequentava pouco a região, por ser uma comunidade muito extensa. Mas depois quando comecei a trabalhar como professora eu conheci o festejo. É tão importante para a região, que no dia de Cosme e Damião as aulas são suspensas, algumas pessoas não trabalham. Hoje em dia, quando eu não vou eu sinto falta, e quando posso eu estou lá”, relata.
Violências contra as mulheres é tema de diálogo intergeracional entre mulheres quilombolas
Uma das principais agendas estratégicas da Jornada Odara na Chapada foi o diálogo sobre o enfrentamento às violências contra as mulheres na região. As rodas de conversa sobre o tema reuniram aproximadamente 80 mulheres em dois momentos distintos: o primeiro aconteceu na quinta-feira (28) no Quilombo do Mulungu, em Boninal; e o segundo aconteceu no Quilombo do Agreste, no município de Seabra, no sábado (30).
Joyce Lopes, coordenadora do Projeto de Enfrentamento às Violências contra as Mulheres Negras e Quilombolas, do Instituto Odara, enfatizou que esses dois encontros foram uma grande oportunidade para ouvir e compreender a realidade local. A metodologia adotada permitiu uma reflexão abrangente que abordou o passado, o presente e o futuro dessas comunidades, a partir da visão das mulheres.
“É devastador a série de violências sofridas historicamente pelas mulheres nestas comunidades, mas é revigorante o reconhecimento das conquistas femininas e mudanças através da articulação comunitária e poder de decisão das mulheres sobre seus corpos, suas casas e seus territórios. Numa perspectiva de rede, firmamos nosso compromisso de trocas e continuidade junto a essas mulheres que nos ensinam muito sobre superação e resistência. Já nos comprometemos em voltarmos, pois continuidade é um dos princípios de nossa organização e queremos construir com essas mulheres o bem viver no tempo presente”, declarou Joyce.
Ao ver a movimentação das atividades no Mulungu, Olívia Alves, ou Dona Olívia como é conhecida no Quilombo, chamou a nossa equipe para conversar e destacar a necessidade de tratar sobre o tema no território. “Por aqui vemos muitos casos de filho que não respeita mãe, marido batendo em mulheres, aquela falta de respeito que não é normal. Tem que falar sobre o assunto mesmo, para ver se muda”, desabafou.
Valdenice da Silva, conhecida como Kena, do Quilombo do Agreste, afirmou que a visita do Odara representou uma oportunidade significativa de fortalecimento para as mulheres da comunidade. “Acho que a gente sempre está buscando fortalecimento para as mulheres, e quando a gente tem pessoas de fora da comunidade com a gente, podemos ver que tem uma participação maior das mulheres do território, que se sentem convidadas a falar, e a gente precisa muito desse espaço para empoderá-las. Foi muito importante essa atividade, e eu espero que aconteça mais vezes para nos ajudar no combate às violências”. Kena é uma liderança comunitária parceira do Odara e também é mãe e tia de meninas do quilombo que participam do projeto Ayomide Odara.
Oficina de Comunicação e Memória com as Ayomides Quilombolas
Os dias 29 e 30 de setembro também foram de alegrias, cuidado, formação, aprendizado e cultivo de sonhos e esperanças partilhados em quatro encontros promovidos pelo projeto Ayomide Odara. Ao todo, 35 meninas e jovens quilombolas dos municípios de Boninal e Seabra, que fazem parte do Ayomide, participaram durante esses dias de uma oficina sobre Comunicação e Memória, facilitada pelas Odaras Alane Reis e Joanna Bennus.
Alane, que coordena o Programa de Comunicação do Instituto Odara, comentou que o principal objetivo das oficinas com as meninas foi incentivar a reflexão sobre a importância da Memória para as Comunidades Negras e Quilombolas, e a partir daí instrumentalizar o grupo com técnicas básicas de fotografia com celular, combinando momentos teóricos e práticos. O resultado foi muita troca, reflexões, emoções e registros bonitos.
Durante os encontros com as meninas, Alane e Joanna apresentaram a ativista e pensadora Beatriz Nascimento e sua importância para os estudos sobre quilombos; fizeram dinâmicas de cultivo de memórias de lutas e afetos familiares e comunitários; pensaram e fizeram a fotografia de instrumento de registro e cuidado com a Memória.
“É uma alegria muito grande perceber o nível de compreensão coletiva, compromisso e afeto que essas meninas têm com suas comunidades. Pedimos para elas trazerem objetos e imagens que representassem boas memórias de suas famílias e comunidades, e elas deram um show falando sobre todo esforço e luta de suas mães, avós, tias, e lideranças mais velhas em geral. E ao mesmo tempo que fomos lá para ajudar elas a se organizarem para preservar e contar essas histórias, voltamos contagiadas com uma verdadeira injeção de ânimo na nossa militância”, comenta Alane.
Mariah Santos, 11 anos, Ayomide da comunidade da Cutia, em Boninal, relatou com alegria a participação na oficina. “Gostei muito do encontro, foi muito criativo. Eu me identifiquei bastante. Gostei muito porque tinha algumas professoras que eu não conhecia pessoalmente e também as meninas novas, que eu só conhecia por videochamada. Eu gostei muito mesmo, queria que tivesse mais encontros destes”.
Gabrielly Pereira, 14 anos, Ayo também da comunidade da Cutia, expressou sua gratidão em relação às oficinas: “Achei as oficinas super necessárias, porque a gente teve a oportunidade de ter contato com a câmera e com as instruções que as tias passaram para a gente. Elas foram muito carinhosas conosco”.
As Famílias das Ayomides Quilombolas
Enquanto as oficinas de comunicação estavam acontecendo, Érika Francisca, coordenadora do Projeto Ayomide, com as demais Odaras presentes, facilitavam uma roda de conversa com as mães (e um pai) das meninas, para refletirem sobre educação, infância e juventude, direitos e projetos de vidas para as Ayomides.
Para Érika o encontro com as mães foi fortalecedor, um momento de muito aprendizado e escuta. “É nesses momentos que a gente pode compreender como as mães das Ayos enxergam as meninas, como são as relações entre elas, se têm o hábito de trocarem elogios e palavras de incentivo, e como isso acontece no interior da família. É nosso momento também de entender a maternidade delas, né? O que elas querem para as filhas. Como as meninas e as mães se sentem com o projeto, e como elas se comprometem com o projeto. E de modo geral, percebemos que com as formações que as filhas passam, as mães também aprendem se sentem curiosas com o que discutimos, nossos direitos, nossas lutas, e nossa vontade de que todas as meninas negras vivam com segurança e felicidade”, declarou.
Érika também destaca que o momento foi importante para colher informações para o aprimoramento do projeto Ayomide Odara e o fortalecimento das meninas ao longo dos próximos anos.
Valdelice Rosa da Silva Alves, mãe da Ayo Manuela Alves, da comunidade do Agreste, avaliou o encontro positivamente. “Tivemos nossa primeira reunião presencial com as mães das Ayomides dos quilombos, e foi um momento muito especial. A gente trocou experiências e também tivemos a oportunidade de relembrar a nossa infância. Foi uma experiência muito marcante”.
Maria José Silva, mãe da Ayomide Mariah Silva, também destacou a potência deste encontro. “Um momento único, de muita troca de experiências, de reflexão. A gente sai cheia de aprendizados positivos. Vai ser algo que ficará marcado em nossas vidas. A gente acaba se emocionando com o relato das mulheres. Foi muito bom. A gente só tem a agradecer ao Odara e às meninas”.
Para Naiara Leite, o encontro com as Ayomides e suas mães foi necessário para avaliar os impactos do projeto nas famílias e comunidades, além de possibilitar fazer projeções dos próximos passos do projeto dentro dos quilombos, para fortalecer e agregar na formação de meninas negras. “Foi muito interessante ouvir a narrativa das mães sobre o impacto do projeto nas meninas com relação à escola; do ponto de vista do diálogo com a comunidade, das relações com as mães. Um momento que revelou a necessidade de continuidade do trabalho com as meninas e com as mães do território”.
A Jornada Odara na Chapada foi um grande marco para o Projeto Ayomide Odara e para o Projetos de Enfrentamento às Violências contra as Mulheres Negras. Nestes dias, as nossas Odaras viveram um período de muito aprendizado, escuta atenta e compartilhamento, que deixa um legado valioso para as próximas ações que serão desenvolvidas pelo Instituto.
*Seu Jaime Cupertino, ilumina nossa nossa luta de outro plano
Enquanto relembrávamos destes dias para escrever esta reportagem, fomos surpreendidas com a notícia do falecimento de Jaime Cupertino, liderança quilombola da comunidade de Vazante, no município de Boninal, na Chapada Diamantina. Seu Jaime deixa boas lembranças e um legado de luta em defesa da garantia da terra e do território, sendo referência enquanto articulador comunitário. Que ele possa descansar em paz. E a nós, resta cuidar para que sua memória seja mantida e passada às próximas gerações.
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