Ayomide Odara aprofunda discussões sobre sexualidade de meninas e adolescentes negras em encontros presenciais, em Salvador e na Chapada Diamantina
O projeto Ayomide Odara, uma iniciativa de formação política voltada para meninas e adolescentes negras de Salvador, Candeias, Lauro de Freitas, Recôncavo me Chapada Diamantina deu mais um passo importante em seu cronograma de 2024 ao aprofundar o eixo temático sobre sexualidade. O primeiro encontro aconteceu no dia 26 de outubro nas comunidades de Boninal e Seabra, onde as turmas dos quilombos puderam participar do encerramento do eixo em suas próprias localidades. Esse momento foi fundamental para as participantes dessas regiões, que refletiram sobre os temas abordados ao longo do eixo com direcionamento para as “estratégias de proteção e enfrentamento ao abuso sexual”.
Em Salvador, o encontro presencial ocorreu no último sábado (9) de outubro e contou com a presença das famílias das participantes. O evento teve o mesmo tema central, promovendo um espaço de diálogo e fortalecimento as estratégias de cuidado e enfrentamento ao abuso sexual, além de reforçar o compromisso com o empoderamento e a formação política das jovens envolvidas.
A iniciativa Ayomide realizada pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, busca promover um ambiente de aprendizado seguro e acolhedor. Por isso, a instituição organiza as formações em turmas divididas por faixa etária, a turma 1 contém meninas de 9 a 13 anos, e a turma 2 de 14 a 19 anos – permitindo que as questões relacionadas ao corpo, saúde e sexualidade fossem abordadas de maneira específica para cada fase do desenvolvimento.
Tendo em vista os dados alarmantes sobre abuso sexual infantil, torna-se indispensável a discussão sobre o tema. O Comitê Nacional de Direitos Humanos mapeou, entre janeiro e 13 de maio de 2024, 663 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, com 202 registros de estupro e 93 de exploração sexual. Além disso, a Bahia é o quinto estado com mais notificações de crimes sexuais, que englobam diversos tipos de violência, como estupro, exploração sexual, importunação sexual e violência sexual mediante fraude. Neste contexto, a proposta pedagógica do Ayomide Odara se destaca ao respeitar e valorizar o desenvolvimento de cada faixa etária considerando que o projeto oferece informações claras e acessíveis sobre as transformações físicas que ocorrem da infância até a puberdade, além de promover debates mais amplos sobre temas como consentimento, privacidade corporal e o respeito aos limites individuais.
A Chapada Diamantina abriu a programação e também encerrou o módulo com um encontro presencial que proporcionou uma reflexão profunda sobre a importância da educação sexual. Para Zenilza Grigoria Alves, 19 anos, moradora do Quilombo do Agreste, em Seabra (BA), o momento foi um verdadeiro marco: a educação sexual, segundo ela, representou um aprendizado transformador.
“A educação sexual me ajudou a entender melhor meu corpo e os meus relacionamentos. Aprendi sobre consentimento, a importância da prevenção de doenças e a responsabilidade de ter informações claras sobre sexualidade e relacionamentos saudáveis. Também passei a respeitar mais as diferentes orientações sexuais. Esses conhecimentos contribuem para que eu tenha relacionamentos mais saudáveis e seja mais respeitosa com os outros.”
Em Salvador, o encontro também abriu espaço para debates importantes com as crianças e adolescentes. Para Verônica Santos, psicóloga, ativista do Odara e coordenadora do Nós por Nós – Observatório da Justiça Reprodutiva no Nordeste, o encerramento do eixo trabalhado foi de extrema importância para a formação das participantes. Ela destacou:
“Este é um momento muito importante para ver a consolidação do entendimento delas sobre os direitos sexuais e reprodutivos para meninas negras. A questão do posicionamento foi trazida de forma muito forte por elas: o direito de falar, o direito de se posicionar, o direito de dizer não. É a partir desse momento que elas começam a entender as situações de violações de direitos, as situações de importunação sexual e a importância da rede de suporte — uma rede atenta, vigilante e posicionada na garantia da proteção das nossas meninas.”
Mirella Souza, de 12 anos, integrante da turma 1 do Ayomidê, e moradora de Salvador, ressaltou a importância de entender como lidar com situações de violações do corpo, afirmando que esse tipo de assunto precisa ser discutido desde cedo:
“Precisamos aprender desde pequenas sobre nossos direitos e como identificar e lidar com situações de violência, como abuso sexual e assédio. Isso nos ajuda a comunicar a um responsável caso algo aconteça. Acredito que a parte mais importante foi quando falamos sobre o que nos incomodava, tanto no nosso corpo quanto fora dele. Muitas meninas compartilharam suas experiências, o que foi fundamental para entender o que nos causa desconforto e saber como lidar com essas situações. Foi uma conversa muito importante e útil para todas nós”, conta a Ayo.
Além de discutir a importância do alerta sobre a violência sexual contra meninas e adolescentes negras, os encontros também abordaram questões essenciais sobre cuidados com a saúde. As participantes aprenderam sobre prevenção de doenças, cuidados com a higiene íntima e a importância do autoexame, além de refletirem sobre o conceito de consentimento e sobre como denunciar casos de violência.
A adolescente Endi Kethlen, de 16 anos e moradora da cidade de São Félix (BA) também compartilhou sua visão sobre sexualidade, destacando a relevância do tema, especialmente a discussão sobre as leis que protegem os direitos reprodutivos e a dignidade humana:
“O mais importante para mim foi aprender sobre as leis que garantem nossos direitos em relação à reprodução e à dignidade humana. Esse é um assunto considerado tabu na sociedade, então poder debater abertamente sobre isso, especialmente em um espaço criado para meninas negras, foi uma oportunidade valiosa. Foi muito importante compartilhar experiências e trocar conhecimentos nesse momento de conversa.”
As famílias, como parte essencial no processo de criação e desenvolvimento das suas filhas, também estiveram presentes no evento e compartilharam suas percepções sobre o Ayomide Odara e sobre o crescimento cognitivo das jovens. Kátia Maria, mãe e professora, destacou a importância dos temas abordados, como raça, política e sexualidade, para a formação de meninas negras. Ela acredita que a consciência racial, política e o conhecimento do próprio corpo são fundamentais para a vivência na sociedade. Além disso, ela ressalta a relevância da aplicação da Lei 10.639, especialmente no que diz respeito ao módulo sobre sexualidade. Em relação à sua filha, Liz, que integra a turma 1 do Ayomide, Kátia observou uma mudança significativa em seu comportamento:
“Desde que Liz entrou no projeto, eu senti que ela começou a falar mais sobre si, sobre o seu corpo, o olhar dela em relação ao seu corpo. Acho que isso é fundamental: esse processo de socializar, entender como ela se vê e como o outro também a vê, e os cuidados que a gente precisa ter com o nosso corpo. Acho que o sucesso desse projeto foi ela poder socializar, falar mais, se sentir mais livre nesse processo de compartilhar o que ela pensa”, afirma Kátia.
Esse é apenas um dos passos dentro da estrutura do projeto, que se inspira no legado africano e fundamenta suas ações na pedagogia do Sankofa. Essa abordagem, que valoriza o olhar para o passado como forma de construir um futuro mais forte, reflete a missão do Ayomide Odara: conectar as meninas e adolescentes negras com suas raízes culturais e capacitá-las para enfrentar os desafios contemporâneos com autonomia e conhecimento.
No mês de outubro também aconteceu o encontro com as famílias das participantes, estreitando laços e reforçando o compromisso coletivo com a formação e o empoderamento das meninas. Essa aproximação entre projeto, família e comunidade é fundamental para criar um ambiente seguro e de apoio, que favoreça o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes atendidas.O Ayomide Odara segue seu trabalho em prol de uma educação transformadora, que respeita e promove a identidade, os direitos e a saúde das meninas e adolescentes negras, com o objetivo de garantir a elas as ferramentas necessárias para se tornarem protagonistas de suas próprias histórias.
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