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Marcha das Mulheres Negras da Bahia por Reparação e Bem Viver toma as ruas de Salvador

Ato fez parte das 17 mobilizações estaduais esta semana que marcam a pré marcha nacional de mulheres negras, marcada para novembro deste ano

Por Brenda Gomes

Na tarde da última sexta-feira (25), o centro de Salvador foi palco de uma mobilização histórica em homenagem ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e ao Dia Nacional de Tereza de Benguela. A marcha, que integra a 13ª edição do Julho das Pretas, uniu mulheres negras de diversas partes da cidade em um ato por Reparação Histórica e Bem Viver, com o objetivo de fortalecer a luta e pavimentar o caminho para a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que acontecerá em novembro de 2025, em Brasília.

O evento, que teve início na Praça da Piedade, seguiu até a Prefeitura de Salvador, no Pelourinho. A programação se iniciou com uma oficina de percussão para mulheres negras, um resgate da cultura popular e ancestralidade. 

Andréa Gomes, maestrina e idealizadora do grupo Mulheres Percurssivas, da cidade de Santo Amaro, destaca a importância da participação na Marcha em Salvador. “Esta oficina e toda essa mobilização é um marco na busca por reparação histórica.  É um espaço de aprendizado coletivo, onde a troca de saberes com mulheres fortalece nossa luta. Elas, com suas trajetórias e experiência, nos ensinam e nos inspiram a seguir em frente.”

Para Viviam Caroline, idealizadora do grupo Yaya Muxima e professora da oficina, a presença do tambor na abertura da Marcha é “potência viva”.

“Acreditamos que o ritmo, o tambor e a percussão, especialmente o samba reggae, são tecnologias que fortalecem as mulheres negras. O tambor projeta nossas ideias, nossa existência, nossa presença no mundo. Quando ele fala, nenhuma outra voz consegue silenciar o que temos a dizer”, declarou Viviam.

O ato contou com a importante adesão das professoras de Salvador, que, após 74 dias de greve, se uniram ao movimento, evidenciando a conexão entre a luta por melhores condições de trabalho na educação e a reivindicação por direitos fundamentais das mulheres negras.

Entre elas, estava a professora Taiana Lemos, da rede municipal de ensino, que apontou a precarização da educação como uma forma sistemática de violência contra mulheres e crianças negras na cidade:

“Existem várias formas de extermínio na cidade de Salvador e uma delas é o aniquilamento das possibilidades de dignidade por meio da educação. A precarização da rede municipal de ensino, que se arrasta há anos, é uma dessas expressões. Uma rede composta majoritariamente por mulheres negras, que são historicamente negligenciadas por uma gestão municipal que não cuida nem das suas profissionais, nem das crianças e famílias que atende” destacou Taiana.

O FUTURO É ANCESTRAL 

Além de um espaço de protesto e reivindicação, a marcha foi também um momento de celebração da ancestralidade e da cultura negra. A presença das Matriarcas Guardiãs da Pedra de Xangô, com sua poderosa bênção, trouxe uma energia de força e união, reafirmando o caráter ancestral da luta por direitos.

Ao lado dessas mulheres de sabedoria, caminharam também as novas gerações. A Marcha contou com a participação expressiva de meninas e adolescentes negras de diferentes idades, grupos e territórios, reafirmando o caráter intergeracional da mobilização. Para Suane Miranda, de 17 anos, integrante do projeto Ayomide Odara, estar nas ruas é uma forma de colocar em prática tudo o que têm aprendido sobre identidade, direitos e resistência.
“Hoje a gente mostra para a cidade inteira o que aprendemos sobre resistência, identidade e direitos. A Marcha é isso: levar para as ruas a força das meninas e mulheres negras, para que outras pessoas vejam, se conscientizem e venham lutar ao nosso lado.”

DE SALVADOR À BRASÍLIA 

A mobilização em Salvador foi também um ensaio potente para a Marcha Nacional de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, marcada para o dia 25 de novembro de 2025, em Brasília. Articulada por mulheres negras de todos os estados brasileiros e de mais de 30 países, a Marcha pretende reunir um milhão de mulheres nas ruas da capital federal. A construção coletiva tem sido um chamado à ação internacional e intergeracional, afirmando que a luta por justiça, dignidade e Bem Viver para as mulheres negras ultrapassa fronteiras e exige reparação histórica. 

De acordo com Alane Reis, ativista do Instituto Odara, organização idealizadora do Julho das Pretas, o ato é uma forma de reafirmar a resistência das mulheres negras, um grito por justiça, direitos e políticas públicas efetivas. 

“A Marcha das Mulheres Negras é um grande momento de visibilidade de uma luta que já acontece de maneira cotidiana em vários cantos do Brasil e do mundo, em todos os lugares que têm mulheres negras mobilizadas em torno do acesso a direitos, das violências que acometem não só a nós, mas também as nossas famílias, as nossas comunidades, e da construção de uma sociedade melhor para todas as pessoas, ganham projeção nacional. A marcha é, portanto, o nosso grito coletivo dessas resistências diárias.”

Para Rita Santa Rita, do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (Grumap), a luta por Reparação Histórica e Bem Viver é romper com a lógica de silenciamento e abandono que sempre marcou a relação do Estado com a população negra. “Reparação não é favor e não se limita a uma compensação financeira. É o reconhecimento dos crimes cometidos contra o nosso povo, do sequestro e escravização até o racismo institucional que segue nos matando todos os dias. É preciso enfrentar esse passado e esse presente com políticas públicas concretas, que garantam dignidade, justiça e igualdade de condições para o povo negro. O Bem Viver é a nossa resposta política e ancestral a esse sistema de morte. É sobre reconstruir nossas formas de viver, cuidando das pessoas, dos territórios e da natureza.”

O dia de manifestações, intervenções culturais e articulação política protagonizado pelas mulheres negras em Salvador marcou mais um capítulo na luta por reparação histórica, direito à educação e construção de uma sociedade baseada no Bem Viver.  

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