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Blindagem das Fardas: Racismo e Corporativismo Militar sustentam a violência do Estado contra corpos negros

A absolvição dos policiais envolvidos nas mortes de Kathlen Romeu e Thainara Vitória revela o corporativismo e a impunidade que sustentam a violência do Estado contra corpos negros, legitimando execuções e revitimizando famílias

Por – Redação Odara

Kathlen Romeu tinha 24 anos e estava grávida de 13 semanas quando foi alvejada por um tiro de fuzil no tórax, num suposto confronto entre criminosos e policiais da Unidade de Polícia Pacificadora – UPP, no Complexo do Lins, zona norte do Rio de Janeiro.O crime aconteceu em 08 de junho de  2021 após deixar a casa da avó materna,  que havia visitado.

Na ocasião, a PM – RJ informou, em nota, que os agentes foram atacados a tiros, o que teria dado início a um confronto. Familiares e testemunhas contestaram a versão. O pai de Kathlen recebeu de um morador da comunidade, um vídeo em que é possível observar policiais recolhendo cartuchos de bala do chão, após Kathlen ser atingida. Segundo o Ministério Público do Estado, os policiais alteraram a cena do crime, colocando 12 cápsulas, além de terem mudado suas versões, em depoimento, após a repercussão do caso.

Acusados do crime de fraude processual e por terem prestado falso testemunho, o sargento Rafael Chaves Oliveira e os cabos Rodrigo Correia Frias e Marcos Felipe da Silva Saviano – os dois últimos são apontados e estão sendo processados como responsáveis pelos disparos que vitimaram Kathlen -, foram inocentados dia 05 de agosto de 2025, pelo Conselho Especial de Justiça da Auditoria da Polícia Militar, órgão colegiado de primeira instância responsável por julgar apenas militares.

As decisões no Conselho são tomadas a partir dos posicionamentos de 5 membros e, neste caso, dos 5 votos, 4 foram favoráveis à absolvição e não causa surpresa terem partido dos membros que são oficiais militares. O voto pela condenação partiu do juiz de Direito Leonardo Picanço – único civil que integra o colegiado -, revelando o corporativismo e falta de imparcialidade verificada em diversos casos onde o julgamento de policiais ficam a cargo de seus pares. O Ministério Público do Rio de Janeiro informou que já recorreu da decisão.

EM MINAS GERAIS,  THAINARA VITÓRIA É MORTA SOB CUSTÓDIA POLICIAL

Thainara Vitória, jovem negra de 18 anos, foi morta após abordagem da Polícia Militar ao  tentar defender seu irmão autista.  A jovem entrou viva na viatura, no dia 14 de novembro de 2024, em Governador Valadares – MG, mas chegou morta à unidade de saúde. Foram 11 os policiais envolvidos na abordagem que vitimou Thainara, e mesmo com um inquérito, conduzido pela Polícia Civil, apontando circunstâncias como asfixia, lesões aparentes e omissão de socorro, para a PM de Minas Gerais, os policiais não fizeram nada de errado.

Segundo o laudo necroscópico, a causa da morte de Thainara foi “asfixia por constrição extrínseca do pescoço”, ainda assim, a PM – MG alega parcialidade e inconclusão quanto à asfixia, e para justificarem seus pontos, citam pareceres feitos pela defesa dos acusados e por perito ligado ao Ministério Público, ambos não chegaram a examinar o corpo de Thainara. E embora o laudo do IML aponte que a jovem possuía lesões na região cervical, abdômen e dorso, compatíveis com agressões físicas, a PM aduz que não há como afirmar que houve uso excessivo de força.

Outros pontos levantados pelo inquérito da Polícia Civil chamam atenção, a exemplo da nítida demora na condução de Thainara à Unidade de Pronto Atendimento, que poderia caracterizar omissão de socorro e corrobora às alegações contidas nas investigações da Polícia Militar, em que os policiais admitem terem pensado que houve simulação por parte de Thainara, razão pela qual a viatura ficou parada quase 8 minutos, até a vítima ser conduzida para atendimento, onde, segundo o médico plantonista, já chegou sem vida.

Há, tanto nos votos do Conselho Especial de Justiça da Auditoria da Polícia Militar do Rio de Janeiro, no caso de Kahtlen, quanto nas conclusões a que se chegaram as investigações da Polícia Militar de Minas Gerais, no caso de Thainara Vitória, uma validação inconteste das versões apresentadas pelos agentes de segurança, mesmo quando as circunstâncias e até outras instâncias investigativas do Estado apontam para os abusos e violências que nortearam as ações policiais.

Tais práticas evidenciam o racismo no sistema de segurança pública e no sistema de justiça. Asinstituições militares desse país protegem a si e aos seus, ao passo em que, para tanto, mesmo após promoverem a mortede corpos negros, ainda os revitimizam e às suas famílias, não oferecendo investigações adequadas e/ou construindo narrativas que isentam os agentes de segurança e  buscam atacar a honra das vítimas, tentando associá-las a atividades ilícitas, como no caso de Thainara. 

No entanto, é importante ressaltar que, mesmo as instituições civis do sistema de segurança pública e sistema de justiça são atravessados pelo paradigma da militarização das vidas das pessoas negras e consequentemente pelo racismo institucional. A Polícia Técnica – responsável pela perícia -, os delegados e policiais civis – imbuídos do dever de investigar – e mesmo promotores e juízes não enfrentam de modo contundente as violências perpetradas por agentes do Estado às pessoas e comunidades negras. 

Em entrevista ao The Intercept Brasil, Reginaldo Faria, pai de Thainara, afirmou que sua filha “foi morta brutalmente, espancada pela Polícia Militar, só porque tentou defender seu irmão autista”. E, ainda que uma situação diversa não justificasse o tratamento dispensado pela PM à jovem, fez questão de declarar que sua filha “não usava drogas, não usava álcool, não tentou pegar arma nenhuma”, além disso, a respeito da versão defendida pela Polícia Militar, disse que “eles inventaram várias teses, mas todas foram desmentidas.”

Jacklline Lopes, mãe de Kathlen, revoltada, declarou ao Portal  Ponte Jornalismo que recebeu a decisão “como mais um tiro de fuzil, com muita tristeza”. Disse, ainda, que “não é nenhuma surpresa”, visto que “historicamente, esse tribunal concede a impunidade, porque onde já se viu militar julgar militar, PM julgar PM”. As manifestações dos familiares de Kathlen expõem a indignação e descrença nas instâncias militares de deliberação, em vista de um corporativismo observado frequentemente em casos similares, a exemplo do Caso Evaldo Rosa, em que o Superior Tribunal Militar inocentou os 8 militares responsáveis pelo assassinato, com mais de 80 tiros.

Conforme se observa em ambos os casos, há, nessas instâncias a responsabilidade de todas estas instituições pela barbáries perpetradas pelas forças de segurança do estado nas comunidades negras que, conforme apontado por Luciano Gonçalves, pai de Kahtlen, são cometidos sempre “no mesmo lugar” e vitimam pessoas “da mesma cor”, evidenciando mais uma face da necropolítica em curso, que, ancorada no racismo elemento fundante das instituições deste país, consuma-se com tiros e é ratificada por corporativismos e canetadas.

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