Juventudes negras do Odara encerram o ano formativo com arte e memória rumo à Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

Evento destacou a importância das formações e o protagonismo das juventudes negras na construção de um futuro coletivo
Por Adriane Rocha – Redação Odara
Encerrar o ano com esperança e compromisso político foi o objetivo do Encontro de Juventudes Negras do Odara em Marcha por Reparação e Bem Viver, realizado no último sábado (1º), no Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), em Salvador (BA). A atividade reuniu jovens de diferentes territórios e organizações, reafirmando o papel das juventudes negras na construção de um futuro e do presente.
O encontro contou com a presença das meninas, adolescente e jovens que fazem parte dos projetos do Instituto Odara – Ayomide Odara, Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento, Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar e do Núcleo de Juventudes Negras Odara. O evento marcou o encerramento das atividades de 2025, com partilhas, apresentações e reflexões sobre os desafios, vivências e sonhos das juventudes negras.
Para Iasmin Gonçalves, coordenadora da Escola Beatriz Nascimento, o encontro foi um momento de síntese das experiências vividas ao longo do ano. “Foi um espaço potente de escuta, acolhimento e articulação entre juventudes negras. Foi um momento de construção coletiva de estratégias de enfrentamento às violências e desigualdades, pautadas na ancestralidade, espiritualidade, educação e formação política.”
A programação trouxe diferentes expressões artísticas e políticas. Jovens apresentaram espetáculos de teatro, poesias, podcasts e escrevivências produzidas durante o ano, revelando o compromisso das juventudes com a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, um marco de mobilização e continuidade das formações.
Entre as vozes que ecoaram no encontro, a de Francielle Carvalho, 16 anos, cursista da Escola Beatriz Nascimento, destacou a importância da Marcha como símbolo de união e resistência: “A marcha é um símbolo da revolução. Marchamos por nós e por quem não poderá estar lá. Quero que o governo reconheça nossa história sem que a gente precise se humilhar por isso.”
Do Cabula ao Nordeste de Amaralina: Juventudes Negras constroem contranarrativas sobre seus territórios
As trocas também revelaram como os processos formativos têm impactado diretamente as trajetórias das participantes do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, que trouxeram reflexões sobre o extermínio da juventude negra e a urgência de sonhar o futuro com esperança.
Segundo Gabriela Ashanti, coordenadora do projeto, os resultados do processo formativo refletem o compromisso das juventudes negras em transformar suas vivências em instrumentos de denúncia e mobilização. “As produções desenvolvidas este ano revelam o quanto nossos jovens têm consciência do território e de suas lutas. Foram criados vídeos sobre violência contra as mulheres, materiais que relacionam educação e segurança pública e outras iniciativas que reafirmam o poder da comunicação como ferramenta de resistência e afirmação de vida”, destacou.
Para Gabriela, essas ações ganham ainda mais força diante do cenário de violência estatal que atravessa o país. “Ver sessenta jovens reunidos, apresentando seus trabalhos e reafirmando sua existência em meio a uma semana marcada por dor e truculência, foi um ato de resistência coletiva. Em tempos tão duros, saber que seguimos semeando vida, coragem e pensamento crítico é o que renova nossa esperança e nossa luta”, completou.
As vivências compartilhadas também ecoaram nas falas das participantes. Flávia Carolina, 28 anos, moradora do Nordeste de Amaralina, contou como o projeto transformou sua forma de enxergar o mundo: “Aprendi sobre meus direitos e sobre respeito. O Odara abriu meus olhos para uma realidade que eu já via, mas não compreendia. Queria que mais jovens tivessem acesso, porque o projeto transforma a gente por dentro.”
Do território do Cabula, Elie Espírito Santo, de 24 anos, destacou a importância de valorizar a cultura local na culminância do projeto: “Este ano trabalhamos com escrita criativa e pensamos em como trazer a narrativa do Cabula mostrando as coisas boas do nosso território, não a violência que já é tão escancarada.”
Meninas e adolescentes negras do Ayomide Odara e EBN tecendo o Bem Viver
No turno da tarde, as Ayomides, da turma 01 (com meninas de 08 a 13 anos) discutiram o conceito de Bem Viver, relacionando-o aos saberes das mulheres negras, mães, rezadeiras, vizinhas e trabalhadoras que sustentam a vida cotidiana. Já as jovens da turma 2 com idades entre 14 e 18 anos da Escola Beatriz Nascimento apresentaram projetos de intervenção comunitária, mostrando que a transformação social nasce das experiências e urgências dos territórios.
Segundo Débora Campelo, coordenadora do Ayomide Odara, o encontro também teve papel essencial de integração entre os projetos: “A proposta foi aproximar as linguagens e os conteúdos trabalhados em cada iniciativa. Esse diálogo mostra como nossos processos formativos se fortalecem quando se encontram.”
Além das formações artísticas e políticas, as turmas do Ayomide Odara também participaram da roda de conversa sobre saúde sexual e reprodutiva, desenvolvida pelo Programa de Saúde do Odara, com. Para Ayana Aláfia, de 10 anos esse aprendizado foi fundamental:
“Eu achei que esse ano foi muito legal, gostei muito das oficinas e dos encontros. Teve uma oficina sobre absorventes que me marcou, porque aprendemos sobre os componentes químicos dos absorventes descartáveis e também sobre o nosso corpo. A professora mostrou um livro que falava sobre a nossa primeira casa, que é o útero. Fiquei com vontade de aprender mais sobre isso e de fazer mais absorventes de novo, porque foi um aprendizado importante sobre cuidar de nós mesmas.”
O encerramento do dia também foi de celebração. A atriz e professora Liz Novaes, educadora das Ayomides, conduziu o “Manifesto pelo Cabelo”, atividade que trabalhou autoestima e ancestralidade. “As meninas entenderam que a força delas vem de quem lutou antes. No fechamento, contaram suas histórias dançando, cantando e declamando poesia. Isso é autonomia e altivez.”
O encontro marcou ainda a conclusão do curso de Espanhol Básico II, realizado em parceria com o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), cuja certificação das jovens da Turma 1 do Ayomide Odara ocorrerá no início de 2026.

Comentários