Abordagem truculenta da PRF termina com um homem negro morto por asfixia em Sergipe
A morte de Genivaldo de Jesus aconteceu no dia em que completa dois anos do assassinato de Geogre Floyd, homem negro que também foi asfixiado pela polícia nos EUA, em 2020
Por Jamile Novaes | Redação Odara
Na tarde da última quarta-feira (25), um homem negro identificado como Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, morreu após ser vítima de uma abordagem desastrosa e truculenta da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Sergipe, na cidade de Umbaúba (SE).
Segundo testemunhas, Genivaldo pilotava uma motocicleta quando foi abordado pelos policiais em um trecho da BR-101. Vídeos que circulam na internet mostram o momento em que Genivaldo estava com as mãos na cabeça passando por uma revista. Em seguida, ao tentar se desvencilhar dos agentes, a vítima aparece no chão sendo imobilizada pelos policiais.
Em outro vídeo, os policiais são filmados prendendo o homem no porta malas da viatura, de onde vaza uma fumaça branca. Na gravação, é possível ouvir os gritos de Genivaldo e as testemunhas comentando coisas como “vão matar o cara aí dentro”.
Wallyson de Jesus, sobrinho de Genivaldo, estava presente no local e conta tentou dialogar com os agentes da PRF, informando que o tio era portador de transtornos mentais:
“Eu estava próximo e vi tudo. Informei aos agentes que o meu tio tinha transtorno mental. Eles pediram para que ele levantasse as mãos e encontraram no bolso dele cartelas de medicamentos. Meu tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito. Eu pedi que ele se acalmasse e que me ouvisse”, informou Wallyson ao G1.
Wallyson contou também que os policiais levaram seu tio para a delegacia, mas que Genivaldo já estava desacordado ao chegar no local e foi levado para o hospital municipal de Umbaúba, onde veio a falecer.
O laudo do Instituto Médico Legal (IML) de Sergipe divulgado na manhã de hoje (26), apontou que a morte foi causada por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda.
A família de Genivaldo registrou um Boletim de Ocorrência (BO) junto à Polícia Civil, que está recolhendo depoimentos para encaminhar a investigação à Polícia Federal (PF).
A PRF se posicionou afirmando que Genivaldo resistiu à abordagem com agressividade e, diante disso, os policiais utilizaram técnicas de imobilização e “instrumentos de menor potencial ofensivo”. O órgão também afirmou que irá averiguar a conduta dos policiais envolvidos no caso.
Modus operandi
O caso de Genivaldo acontece exatamente no dia em que se completam dois anos do assassinato de George Floyd, em Minneapolis, estado de Minnesota (EUA). Floyd era um homem negro de 46 anos que também foi asfixiado durante uma abordagem policial, por ter, supostamente, tentado utilizar uma nota de vinte dólares falsificada em um supermercado.
Países diferentes, anos diferentes, polícias diferentes, mesma cor. A truculência e a letalidade configuram um modus operandi das ações policiais praticadas contra os corpos negros. E esse comportamento não se restringe à Polícia Militar.
“A gente cansa de ouvir o argumento de que os policiais estão cumprindo seu dever e agindo em legítima defesa. Mas o que tipo de ameaça este homem desarmado poderia ser para polícias armados e treinados? O trabalho virou improvisar câmera de gás?”, questiona Clarissa Miranda, Socióloga e integrante da Auto-organização de Mulheres Negras Rejane Maria, que atua no estado de Sergipe.
Clarissa aponta que Sergipe, apesar de ser um dos menores estados do Brasil, apresenta a segunda maior taxa de letalidade policial do país. Em 2020, segundo levantamento realizado pelo Monitor da Violência, foi registrada uma taxa de 8,5 mortes em decorrência de operações policiais para cada 100 mil habitantes.
“O caso do Genivaldo é mais um retrato da política de genocídio da população negra imprimida na história do nosso país”, explica Clarissa.
Abuso de poder
Segundo Maurício Conceição, advogado especialista em advocacia criminal, a Polícia Rodoviária Federal passou por um processo de reestruturação e tornou-se a polícia mais bem preparada administrativamente do Brasil, com bons salários e a maioria dos profissionais com ensino superior.
Mauricio aponta também que os policiais da PRF são, em sua grande maioria, pessoas brancas que fazem parte da elite e que não são treinadas para lidar com a maior parte do povo brasileiro.
“A gente sabe que o fato de você andar sem capacete não vai mudar o fato da lei proibir andar sem capacete. O problema é que nos interiores daqui de Sergipe, sempre se andou de moto sem capacete por motivo, inclusive, de segurança. Não tem como você estar andando no interior de dez mil habitantes, de capacete. Isso é lido como sinônimo de assalto”, explica o advogado.
Maurício explica que em casos como esse, onde a pessoa abordada está conduzindo um veículo sem capacete, pode-se gerar multa, apreensão do veículo, processo e uma possível condenação na justiça. Ele explicou ainda que o processo poderia ser encaminhado à justiça até mesmo sem a necessidade de levar o acusado até a delegacia. Porém, no caso de Genivaldo, o pagamento pela contravenção foi sua própria vida.
“Um homem de 38 anos, preto, pobre, periférico, doente, que o Estado não abraçou e que morreu por conta dessa atrocidade que o Brasil vive hoje, por conta de excessos. Foram três ou quatro patrulheiros rodoviários federais altamente treinados contra uma pessoa só e acabou em morte”, disse Maurício.
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