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Chacinas de Verão em Salvador: Mais uma para a conta da PM-BA e do Governo Petista no estado

Dessa vez, o massacre aconteceu em Fazenda Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador; escancarando, mais uma vez, a política de genocídio negro nas periferias da cidade

Há pouco mais de um mês publicamos um texto sobre dois casos emblemáticos de Chacinas de Verão em Salvador: Cabula, em fevereiro de 2015 e Gamboa, em março de 2022.  Infelizmente, o histórico da sina da segurança pública das periferias – enquanto a cidade vive o ápice do turismo e das festas – ganhou um novo episódio no bairro de Fazenda Coutos, no Subúrbio Ferroviário, no dia 4 de março de 2025.

Era terça-feira de Carnaval e fora dos holofotes da “Maior Festa Popular do Mundo”, uma operação policial foi mais uma vez operar terror e morte. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirma que ocorreram 12 vítimas letais, mas a comunidade contesta, afirmando que foram 14, pois as mortes de adolescentes não foram contabilizadas oficialmente.

Ainda segundo a própria SSP-BA, as vítimas da chacina eram adolescentes e jovens com idades entre 17  e 27 anos. Os agentes seguiram o mesmo padrão: a subnotificação de vítimas escancarando o histórico de apagamento de vidas negras e periféricas nos registros oficiais, onde a omissão de mortes em operações policiais é uma prática recorrente para encobrir a brutalidade do Estado. Enquanto as autoridades tentam minimizar a matança, as famílias enterram seus filhos e cobram justiça.

Os 12 mortos oficialmente declarados pela Secretaria de Segurança Pública são: Davi Costa dos Anjos, 17 anos; Paulo Ricardo Santos Pereira, 17 anos; João Cledison Santos Souza, 18 anos; Paulo Phelipe Rodrigues dos Santos, 18 anos; Félix de Oliveira Rodrigues, 19 anos; Uendel Vitor Rodrigues dos Reis, 20 anos; Jackson Vitor Araújo dos Santos, 20 anos; Wendel Henrique Nunes dos Santos, 20 anos; Samuel da Luz Nascimento de Sousa, 24 anos; Francisco Ariel Freire Santos, 27 anos; Douglas Campos da Silva Batista, 27 anos e; Leidson Maxwel da Costa Silva – 27 anos. 

O representante do 5º mandato consecutivo de gestão do PT no estado, o governador Jerônimo Rodrigues, por sua vez, relatou em entrevista coletiva que: “Infelizmente 12 tombaram”, como uma fatalidade inevitável. A PM baiana, instituição que completou 200 anos de atuação (sim, oficialmente fundada durante a escravidão), não tem condições técnicas e logísticas de fazer operações com uso de serviço de inteligência para realizar prisões ao invés de matar indiscriminadamente?  

Levantamentos realizados pelo Instituto Fogo Cruzado evidenciam a escalada da violência policial na Bahia. Segundo a organização, Salvador lidera o ranking de chacinas no estado, com 63 ocorrências registradas desde 2022, das quais 46 foram resultado de operações policiais. Na região metropolitana, Camaçari, Candeias, Lauro de Freitas e Simões Filho aparecem entre os municípios com os maiores índices de casos.

Entre os bairros mais atingidos pela violência policial em Salvador, Águas Claras lidera, com 4 chacinas executadas por operações policiais. Em seguida, está o Arenoso, com 3 chacinas policiais. Beiru/Tancredo Neves, Caroba (Candeias), Fazenda Coutos, Lobato, Pau Miúdo e Rio Sena também registram 3 chacinas cada, sendo 2 delas fruto da ação criminosa da polícia. Por último, em Cosme de Farias, das 3 chacinas, uma foi resultado da violência policial.

De acordo ainda com o Instituto, 373 pessoas foram vítimas dessas chacinas, sendo 93% homens. Além disso, a grande maioria das vítimas eram negras. Entre os mortos, estavam três idosos, 347 adultos, nove adolescentes e uma criança, além de 12 vítimas cujas idades não foram identificadas. O levantamento também indica que 39 pessoas foram assassinadas dentro de suas próprias casas, 19 em bares, oito dentro de veículos e cinco durante eventos públicos. Esse perfil reflete um padrão racial e social claro: as populações negras e periféricas são as mais afetadas pela violência policial, corroborando a narrativa do genocídio da população negra nas periferias das grandes cidades brasileiras.

E O QUE FAZ O ESTADO?

Em seus dois séculos de história, a Polícia Militar da Bahia jamais aprimorou sua atuação de modo a reduzir seu potencial letal, ao contrário, é hoje a polícia que mais mata no Brasil, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. A cada quatro mortes por intervenção policial no país, uma ocorre na Bahia. Além disso, o Estado possui cinco das dez cidades do Brasil em que os agentes de segurança pública mais mataram, a primeira delas é Salvador.  

A truculência policial não é episódica nem se restringe a ações letais como estas. O governador Jerônimo, em live que fez sobre o balanço do Carnaval de 2025, declarou orgulhoso que a festa momesca não teve nenhuma ocorrência de morte violenta nos circuitos. O que o governador não falou foi sobre o famoso comportamento violento e racialmente seletivo da Polícia Militar que é destacada pela viralização de vídeos e memes na internet, a exemplo da truculência com as “rodas” na pipoca de BaianaSystem e o comportamento amistoso com a pipoca de Saulo.

As cenas de violência policial registradas durante o Carnaval de Salvador em 2025, dentro e fora dos circuitos, reacenderam um debate urgente: a truculência da Polícia Militar na Bahia não é um episódio isolado, mas um padrão sistemático que se repete ao longo do ano em diferentes contextos. Embora as chacinas que ganham repercussão midiática sejam alarmantes, elas representam apenas a ponta de um iceberg muito mais profundo, revelando um histórico extenso de violência policial e da lógica militarizada que rege a segurança pública no Brasil.

Esses episódios não são incomuns em outros festejos e durante todo o ano na Bahia, o que evidencia que as chacinas que ganham repercussão são apenas a demonstração mais evidente do problema estrutural e fundante da segurança pública e das instituições policiais. A repressão exercida pela Polícia Militar sobre a população não se restringe a momentos de grande visibilidade, como o Carnaval, mas se manifesta cotidianamente, principalmente contra jovens negros das periferias. 

A resposta do governo da Bahia a essa escalada de violência tem sido, historicamente, a negação. Mesmo diante da comemoração do governador sobre a inocorrêncis de violência letal nos circuitos oficiais da festa, a declaração distorce a realidade uma vez que, mesmo que não tenha havido resultado morte,  um dos episódios mais graves registrados foi o disparo de arma de fogo contra quatro pessoas no Campo Grande, cometido por um sargento da reserva. O caso escancara a perpetuação da mentalidade militarizada, que não se limita à atuação da PM na ativa, mas se estende a ex-membros da corporação que permanecem armados e imersos na mesma lógica de combate, como se o próprio povo fosse o inimigo a ser abatido.

Esse modelo de policiamento se agrava durante eventos de grande porte, quando a ostensividade se transforma em repressão direta. A questão que se impõe, então, é: até quando a violência policial será normalizada e institucionalizada como parte da política de segurança pública no Brasil?

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