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Coluna Beatriz Nascimento #1 Patrícia Quele

Durante os meses de agosto e setembro, veremos por aqui, a escrita insubmissa de mulheres negras na Coluna Beatriz Nascimento, uma exposição dos produtos das mulheres participantes da 3ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento e o primeiro deles é uma carta destinada à própria Beatriz e escrita pelas mãos da Patrícia Quele.

A seguir, leia a carta na íntegra.

Salvador, 26 de julho de 2022

Querida Beatriz,

Quanta saudade! Faz muito tempo desde a sua partida. Sinto sua falta entre nós e mal consigo lidar com o barulho estridente do teu silêncio. Espero que no orún esteja reunida a nossa ancestralidade e nossos mais velhos, observando e guiando o nosso caminhar.

Por cá seguimos tentando acompanhar a velocidade da informação e o tanto de transformação que ela causou. Tenho certeza que seu espírito inquieto adoraria observar tudo isso. Mas apesar disso, estamos tão orgulhosos de todo o seu esforço e das conquistas produzidas até aqui.

Desde que partiu muita coisa mudou, mas o que não mudou mesmo foi a violência sofrida por nós, mulheres. Você lembra o quanto nos alertou sobre isso?!

Ficaria chocada, ao ver como a desigualdade nas relações de gênero, aliado ao patriarcalismo, criou uma espécie de naturalização para as violências; e fez com que múltiplas estratégias fossem criadas; e as mulheres fossem inseridas num ciclo ininterrupto de sofrimento, subjugação e subordinação da condição de existência feminina. E a coisa só piora quando se trata de nós, mulheres negras.

A impunidade também é de entristecer. Apesar de termos a lei Maria da Penha, que é um dispositivo legal a ser acionado sempre que uma mulher se sentir violada; e para impedir a banalização dessas violências, nem sempre este é eficaz, pois, aqui no país, os índices de violências de gênero estão sempre altíssimos. Sempre penso em quanto nos alertou para a necessidade do cuidado comunitário, do aquilombamento e da importância da resistência.

Isso é o que fazemos. Dia após dia, baseados no que nos deixou de lição. Hoje eles sabem e reconhecem que erraram com você. Não a admiraram, nem tão pouco perceberam o seu brilhantismo. São uns tolos. Deveriam ter se prostrado diante da sua militância.

Ahhhh querida! Hoje eles sabem… o quanto foi importante para o entendimento das práticas discriminatórias que pesaram e pesam sobre os corpos de nós, mulheres negras. Seu feminismo foi fundamental. Foi referência. E se eles não ligam, eu ligo. Eu te agradeço. E mais que isso, eu te reverencio.

A tua força, tua coragem e nobreza em não ceder um passo sequer. Acho que até você estaria apaixonada por si mesma e o legado que construiu. Você, Beatriz, foi heroína. Digna da nossa herança ancestral.

Hoje eles perceberam. Soube até que tem projeto de lei (PL 614/2022) na Câmara dos deputados pra te colocar no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Ahhh e outra coisa… Sabia que já tens título de Doutora honoris causa?!?

Ah pois… Tem sim! Concedido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em agradecimento por ter mudado a compreensão sobre a cultura negra no país, estudar e ressignificar a história dos quilombos. Uma iniciativa bem bacana, né?!? Mesmo diante de todas as tentativas de apagamento por parte da branquitude desses país. Você CONTINUA aqui.

Ahhhh querida, como iria gostar de ver a negritude forte e orgulhosa, ocupando muitos espaços e reintegrando várias posses. Não é fácil. Mas nós estamos aqui. A sua luta permanece aqui. E seguimos lutando pela preservação da nossa memória e dos nossos.

Acho que ficaria orgulhosa da nossa comunidade resgatando e transmitindo o que é nosso. A caminhada ainda é longa, mas seguimos, na certeza de que nossos (seus, meus e de tantos outros) vieram e irão muito longe. Por vocês e por nós! Aqui me despeço, dizendo “muito obrigada” por tudo e juntando-me ao meu quilombo, que no momento em que lhe escrevo se faz representado pela minha egbé, em culto e louvação ao nosso sagrado, mas acima de qualquer coisa,

fortalecendo e disseminando entre nós, as nossas práticas de resistência!

Um xêro grande, cheio de afeto e saudade.

Patrícia Quele do Rosário Cabral.

Sobre Patricia Quele

Mulher Preta e Yiabè de Oyá. Feminista preta interseccional, Historiadora e bacharela em Direito. Professora da rede básica de ensino, Educadora social e militante em defesa da Educação descolonizadora. Defensora do resgate ancestral e da transmissão dos saberes pretos.

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