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Descriminalização das drogas na Bahia e desmilitarização da Polícia Militar: O verdadeiro alvo da “guerra às drogas” são os corpos negros

Por: Redação Odara

O Dia Estadual de Combate aos Homicídios deveria ser um momento de reafirmação do compromisso do poder público com a vida. No entanto, quando olhamos para a Bahia, a realidade é outra: segundo o Atlas da Violência 2025, o estado lidera em número absoluto de homicídios, com 6.616 mortes em 2023, e mantém uma das taxas mais altas do país, 40,6 mortes por 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional. Mais do que números, estamos diante de uma política de segurança que falha sistematicamente em proteger a população, enquanto insiste na retórica da “guerra às drogas”. Uma guerra que nunca foi contra drogas, mas contra pessoas negras e periféricas.

Recentemente, uma série de investigações revelou núcleos inteiros de PMs envolvidos no abastecimento do Comando Vermelho, e confirma o que se tenta esconder sob o rótulo de “guerra às drogas”. Mais uma vez, as manchetes escancaram aquilo que comunidades periféricas já sabem há muito tempo: não existe tráfico de drogas e de armas sem a participação direta de agentes do Estado e do mercado. 

Essa chamada “guerra” nunca foi contra as drogas em si. É uma guerra contra gente negra e pobre, contra territórios historicamente marginalizados, enquanto os verdadeiros beneficiários, os donos das armas, os atravessadores protegidos por farda, os que lucram com a economia subterrânea, seguem blindados. Não se trata de descontrole, mas de um projeto estruturado, onde a corrupção policial é peça-chave de uma engrenagem que mantém a desigualdade e a violência. A guerra, portanto, não é contra o tráfico; é uma estratégia de controle social e, ao mesmo tempo, uma cortina de fumaça para manter viva uma economia paralela altamente lucrativa.

É importante destacar que essa lógica proibicionista não combate a violência, mas a reproduz. Enquanto se criminaliza o usuário e se militarizam os territórios negros e empobrecidos, bilhões circulam de forma clandestina, sustentando os poderes paralelos em seus esquemas de corrupção que fortalecem quem já detém poder político e econômico. Não há inocência nisso: é um projeto que perpetua desigualdades e legitima o genocídio da população negra.

Os dados mostram que essa violência não é mero acaso, mas resultado direto de escolhas políticas. Segundo o FogoCruzado, em Salvador e região metropolitana, do dia 1° de janeiro a 12 de agosto de 2025, foram registrados 1.023 tiroteios, e é alarmante que 43% dos tiroteios tenham ocorrido em operações e/ou ações policiais. Nesse sentido, as chacinas policiais mais que triplicaram em relação ao ano anterior, e o número de adolescentes baleados pela polícia aumentou drasticamente. Esses números revelam uma polícia estruturada sob a lógica da guerra, que vê territórios e seu próprio povo como inimigos a serem eliminados.

É impossível discutir a redução dos homicídios sem enfrentar dois pontos centrais: a descriminalização e a desmilitarização.

Nesse cenário, a descriminalização das drogas se apresenta não como uma pauta periférica, mas como eixo central para qualquer projeto sério de combate aos homicídios. O proibicionismo não reduz o consumo nem enfraquece o crime organizado; ao contrário, alimenta um mercado clandestino bilionário que fortalece facções e corrompe agentes do Estado. Como mostram experiências de Portugal e Uruguai, descriminalizar não significa liberar indiscriminadamente, mas tirar das mãos do crime e da polícia corrupta o controle de uma economia que se sustenta pela proibição.

Paralelamente, a desmilitarização da polícia é uma urgência inadiável. A militarização organiza a segurança pública como guerra interna, criando um exército que não protege, mas ocupa comunidades. Não por acaso, em 2024, 82% das vítimas de homicídios na Bahia foram negros, e mais de 73,8% foram mortos por armas de fogo. A estrutura militarizada legitima esse genocídio, travestindo-o de combate ao crime. Desmilitarizar é criar uma força civil de proteção cidadã, transparente e responsável diante da sociedade, rompendo com a lógica de confronto permanente.

Não é possível falar em combate aos homicídios na Bahia sem dizer a verdade nua e crua: o Estado escolheu quem pode viver e quem pode morrer. Quando a violência tem cor, território e classe social tão bem definidos, não estamos diante de um problema de segurança, mas de um projeto político de extermínio. Cada chacina, cada operação policial travestida de “guerra ao tráfico”, cada jovem ceifado em vielas e becos, não são acidentes: são o funcionamento regular de uma engrenagem que alimenta poder e riqueza para poucos.

A descriminalização das drogas e a desmilitarização da polícia não são luxos ou bandeiras ideológicas, mas condições de sobrevivência. Enquanto o proibicionismo mantiver o mercado ilegal nas mãos de facções e de setores corrompidos do Estado, e enquanto a polícia continuar treinada para matar e não para proteger, o ciclo de sangue vai se repetir. O discurso oficial fala em segurança; mas a prática cotidiana é genocídio.

Neste 26 de agosto, reafirmamos: não aceitaremos que a vida do nosso povo siga sendo moeda de troca na economia do crime e da repressão. A Bahia ocupa o topo da violência nacional não por acaso, mas porque se insiste num modelo que já nasceu fracassado, ou rompemos com essa lógica agora, com coragem e justiça, ou continuaremos a enterrar gerações inteiras. Que tenhamos coragem política para desmontar esse sistema e reconstruir a segurança pública sobre novas bases: prevenção geral, saúde, educação, cidadania e justiça social. Só assim poderemos, de fato, honrar este dia como um marco de defesa da vida.

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