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Em Audiências Públicas no Velho Chico, mulheres quilombolas e periféricas denunciam violações de direitos sofridas no território

Audiências foram provocadas pelo Instituto Odara e construídas em parceria com lideranças comunitárias das cidades de Bom Jesus da Lapa (BA) e Riacho de Santana (BA)

Redação Odara

Durante os dias 18 e 22 de julho, o Odara – Instituto da Mulher Negra realizou audiências públicas em cinco municípios de três territórios do estado da Bahia.  As audiências foram provocadas através do Projeto Quilomba Pela Vida das Mulheres Negras e articuladas através de diálogos com mulheres negras lideranças de quilombos e comunidades periféricas. 

Com o objetivo de fortalecer mulheres negras na luta por participação política e enfrentamento às diversas formas de violência que afetam suas vidas e comunidades, os primeiros municípios a receberem as audiências foram Bom Jesus da Lapa (BA) e Riacho de Santana (BA), no território do Velho Chico, nos dias 18 e 19, respectivamente.

Bom Jesus da Lapa

Com o tema “Mulheres Negras Quilombolas e Periféricas em Defesa de Direitos e Pelo Bem Viver”, a audiência pública do município aconteceu no Centro de Treinamento de Líderes (CTL), às 14h do dia 18 de julho. A atividade reuniu uma rede de mulheres das comunidades da Araçá Cariacá, Lagoa do Peixe, Ilha da Canabrava, Rio das Rãs, Nova Batalhinha, Peroba, Bebedouro, Fortaleza, Araçá Volta, Voa Bandeira, Lagoa Grande, Fazenda Campos, Residencial Bom Jesus, Residencial Vale Verde, Residencial Primavera Um e Dois, Jurema, Vila Maia, Vila Nova, Nova Brasília , Cavalhada, Nossa Senhora da Soledade, Iraque, João Paulo II e Magalhães Neto.

A partir da escuta e diálogo, foi realizado um mapeamento das demandas sociais das mulheres quilombolas, periféricas, e de suas comunidades, para incidência junto ao poder público – que também foi convocado a participar da audiência.

Foram abordados temas em comum entre as comunidades, como o problema das estradas que se encontram em péssimo estado e as más condições dos transportes escolares. “Precisamos ter estradas de qualidade, para que possamos ir e vir, e facilite a ida dos nossos filhos para as escolas, além da venda dos nossos produtos agrícolas na cidade com mais facilidade”, denunciou Camila Duarte, presidente da Associação Quilombola Nova Batalhinha.

Também foi pontuado pelas representantes das comunidades a falta de alternativas educacionais e culturais para as crianças e juventudes, bem como a falta de acesso a cursos pré-vestibular, reforço escolar, escolas integrais, creches e cursos técnicos. “Aqui, nós colocamos as nossas angústias e o que está nos ferindo. Nós tivemos um retrocesso terrível com a retirada do ensino médio da nossa comunidade e com muita luta acabou retornando, mas ainda tememos que alguém possa interferir e tirar novamente. Queremos que a Defensoria Pública nos ouça e fique atenta para sanar essas dificuldades”, ressaltou Ilana Arcanjo, da comunidade quilombola de Rio das Rãs.

A falta de água nas comunidades, os conflitos com fazendeiros armados, a falta de suporte a mulheres gestantes e a falta de estímulo à autonomia e renda de mulheres quilombolas também foram demandas apresentadas na audiência.

Houve ainda a participação de movimentos sociais e representações do poder público e dos Institutos Federais. Embora nem todas as presenças confirmadas tenham comparecido, os representantes presentes se colocaram solícitos às demandas colocadas e assinaram uma carta de compromisso para encaminhar as soluções possíveis para as reivindicações.

“Com essa audiência pública eu consegui falar um pouco do que a minha comunidade precisa, consegui escutar o que os outros bairros também precisam e conseguimos começar a mobilizar os órgãos públicos, que são os responsáveis por fazer essas mudanças. Eu acredito que a sementinha foi plantada e só tende a florescer”, avaliou Kamilla Lopes, representante da comunidade Residencial Vale Verde.

Riacho de Santana

A audiência pública “Mulheres Quilombolas de Riacho de Santana em Defesa de Direitos e pelo Bem Viver”, ocorreu na Sede da Associação de Remanescentes do Quilombo Urbano Largo da Vitória, na sexta-feira, 19 de Julho, às 14h. 

A atividade contou com a participação de lideranças quilombolas das comunidades do Agreste,  Largo da Vitória, Paus Preto de Vesperina, Duas Lagoas, Gatos de Vesperina, Agrestinho, Mata de Sapé, Rio do Tanque e Sambaíba. O poder público do município também foi convocado a participar, mas a maior parte dos representantes não se fez presente e não justificou a ausência.

Ana Caroline Oliveira Cerqueira, jovem de 17 anos, da comunidade quilombola de Agreste, pontuou a precariedade das estradas, que causa problemas de saúde aos moradores, por conta do barro e poeira, e danifica os transportes. Ela denunciou também a situação da feirinha local, cujo projeto foi iniciado a alguns anos, mas após entrar em reforma não voltou a funcionar. “A comunidade sofre muito com a falta de renda. As pessoas saem para trabalhar fora e a comunidade fica sem jovens e sem força de trabalho para crescer. Essa audiência foi muito importante porque as demandas que a gente tem são de muito tempo e há muito tempo não negligenciadas”, contou Ana Caroline.

Ananias Joana de Jesus, moradora do quilombo urbano Largo da Vitória, reivindicou maior atenção do poder público em relação às políticas públicas voltadas para as mulheres, a melhoria do saneamento básico e das condições de atendimento e infraestrutura das unidades de saúde de Riacho de Santana. “Os nossos idosos acamados não estão tendo a visita dos médicos há muito tempo”, denunciou.

Helena Domingas de Almeida, da comunidade quilombola de Agrestinho, afirmou que a audiência foi um espaço importante de escuta: “Às vezes nós vamos em reuniões e não somos ouvidas, mas hoje a gente falou sobre as nossas demandas”, disse. Ela contou ainda que as pessoas da sua comunidade enfrentam dificuldades em relação ao atendimento médico, precisando percorrer uma longa distância para acessar uma unidade de saúde. “A gente não tem transporte, tem gente doente, pessoas acamadas, que não têm condição de ir. Eu trouxe da comunidade a demanda de termos um posto de saúde ou um médico que vá até lá para nos atender.

Dentre todas as demandas apresentadas pelas comunidades, as que mais apareceram foram a falta de estímulo à autonomia das mulheres e oportunidades para juventudes, falta de acesso à cultura, esporte e educação. “Foi um momento importante de escuta para apresentar todas as problemáticas da comunidade ao poder público e espero que todas as questões levantadas sejam solucionadas”, disse Marinalva Maria dos Santos, da comunidade quilombola de Mata do Sapé.

Audiências Públicas em Defesa de Direitos e Pelo Bem Viver

A atividade tem como objetivo impulsionar a participação política e representatividade de mulheres negras quilombolas, potencializando a autonomia comunitária e os mecanismos de enfrentamento às violências reproduzidas em territórios que têm sido historicamente invisibilizados pelo poder público, nas regiões do Velho Chico, Sertão Produtivo e Chapada Diamantina. 

Enquanto produto do processo de construção, a partir de encontros prévios, foram elaboradas cartas-compromisso a serem assinadas pelas representações do poder público municipal para formalizar a garantia da continuidade dos diálogos e encaminhamento das demandas apresentadas pelas comunidades.

“As audiências públicas são instrumentos muito potentes de promoção da participação política das mulheres negras e lideranças nos territórios. É frustrante sabermos que foi o primeiro canal de diálogo protagonizado por mulheres quilombolas em todas as cidades, depois de duas ou três décadas de reconhecimento dos territórios tradicionais”, afirma Joyce Lopes, ativista do Instituto Odara e coordenadora do Projeto Quilomba Pela Vida das Mulheres Negras.

As audiências foram construídas em parceria com lideranças quilombolas e atingiram um grande público, envolvendo a participação direta de cerca de 600 pessoas, no total das 5 audiências (Bom Jesus da Lapa, Boninal, Palmas de Monte Alto, Riacho de Santana e Seabra). Em todas as audiências, foram priorizados os momentos de fala e denúncia dessas lideranças. Dessa maneira, foi possível tratar de diferentes frentes de violências, violações e necessidades enfrentadas.

“Estamos quebrando o silenciamento e marginalização política, ouvindo muitas dessas lideranças traçando os próximos passos para as reivindicações de direitos e exigências de políticas públicas, mas também para a ocupação e qualificação dos mecanismos de representatividade”, conta Joyce.

As audiências permitiram ainda o fortalecimento dos vínculos entre as comunidades, que tinham em comum grande parte das demandas voltadas para a responsabilização do poder público em relação à garantia de direitos em seus territórios. 

“No processo de construção das audiências alcançamos nosso objetivo de formação para interpelar o poder público municipal, bem como de fortalecimento da autonomia e articulação territorial de mulheres negras para o enfrentamento às violências sofridas e promoção da qualidade de vida em suas comunidades”, conclui a ativista.

As audiências funcionam também como uma estratégia de ampliação e fortalecimento das políticas públicas que beneficiem as mulheres negras e suas comunidades, com o objetivo de fortalecê-las para a prevenção e o enfrentamento às violências – especialmente a violência doméstica e familiar – dentro dos territórios.

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