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Encontro nacional reúne educadoras negras em Brasília para debater racismo e exigir avanços no Plano Nacional de Educação (PNE) 

O encontro foi uma forma de denunciar as  desigualdades, cobrar políticas efetivas e defender uma educação crítica como base da reparação histórica

Na segunda-feira, 24 de novembro, educadoras, quilombolas, pesquisadoras e ativistas  de todas as regiões do país se reuniram no Auditório do Ministério da Educação (MEC), em Brasília (DF), para o diálogo “Um Olhar sobre a Educação – Rumo à Marcha Global de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver”. O evento fez parte da programação da “Semana de Reparação e Bem Viver”, que reunia atividades de organizações, coletivos, comitês e lideranças que impulsionam a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que aconteceu no dia 25 de novembro, também em Brasília.

A atividade, organizada pelo Instituto Odara e pelo Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – Cedenpa, a partir do Fórum Levantes Negros pela Educação e reforçou a urgência da votação do Plano Nacional de Educação (PNE) e da implementação da Política Nacional de Educação para as Relações Étnico-Raciais e para a  Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (PENERC), consideradas fundamentais para enfrentar as desigualdades raciais no sistema educacional.

O encontro partiu de um entendimento que não há reparação possível enquanto a educação brasileira seguir reproduzindo o racismo. As participantes defenderam que a transformação profunda das formas de ensinar, aprender e produzir conhecimento é condição para que a educação deixe de ser um espaço de exclusão e passe a afirmar vidas negras. Nesse sentido, a valorização dos saberes das mulheres negras, a abertura para vozes historicamente silenciadas e o compromisso com políticas de bem viver apareceram como eixos centrais.

A professora Joana Carmen Machado, educadora do Pará, quilombola e ativista  do Cedenpa, denunciou o abandono histórico das escolas do campo.“Tem uma pesquisa da Universidade Federal do Pará sobre o financiamento da educação. Fazemos um consórcio com todas as universidades do Norte, e 89% das escolas rurais da região têm menos de 30 alunos. Como vai acessar o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)  se não tem unidade executora? Todas essas escolas estão organizadas em um setor”, afirmou.

A realidade da Região Amazônica, encontrou eco no Nordeste. A professora Luciene Tavares, quilombola da comunidade Caiana dos Crioulos (PB) e referência na luta por educação quilombola, destacou que o desafio não se limita ao acesso, mas envolve a permanência. Ela relatou a rotina inviável enfrentada pelos jovens que dependem de transporte precário para estudar em outras cidades: “A gente mora distante da cidade, numa estrada de terra. Só tem um ônibus. Os ônibus para o município chegam meia-noite e quinze. Como é que vai sair do quilombo? Se nem carro a gente tem? As pessoas desistem de estudar. Essa é a realidade apresentada para os nossos jovens.”

Iasmin Gonçalves, coordenadora da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras Beatriz Nascimento, do Instituto Odara. destacou que educação e reparação são dimensões inseparáveis: “Ao dialogar a educação a partir das pautas de reparação, afirmamos que não há justiça racial sem uma transformação profunda das formas de ensinar, aprender e produzir conhecimento. A Marcha Global de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver nos convoca a reconhecer que a escola precisa ser território de emancipação, não de reprodução de desigualdades.”

Iasmin reforçou ainda o caráter político das mudanças necessárias: “Educação crítica e emancipadora significa abrir espaço para as vozes silenciadas, valorizar os saberes das mulheres negras e construir políticas que não apenas denunciam, mas propõem alternativas concretas para o Bem Viver. Reparação não é apenas memória: é ação, mobilização e projeto coletivo.”

As educadoras presentes também denunciaram a falta de monitoramento das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 normas que deveriam orientar a transformação das relações raciais dentro das escolas públicas brasileiras. A primeira torna obrigatória a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira em todo o currículo escolar; a segunda amplia essa diretriz ao incluir também os conteúdos sobre história e cultura indígena. Sem fiscalização, financiamento e formação continuada, defenderam, essas legislações não chegam às escolas urbanas periféricas, rurais, ribeirinhas e quilombolas, perpetuando um currículo que ignora histórias e modos de vida negros e indígenas.

O seminário  evidenciou a necessidade de políticas que reconheçam as especificidades dos territórios racializados, distantes dos centros de poder e historicamente negligenciados pelo Estado brasileiro. Para as mulheres negras presentes, a Marcha Global por Reparação e Bem Viver reafirma a educação como área estratégica na disputa por direitos, memória, narrativa e projeto de país.

O encontro encerrou com a reafirmação de um compromisso coletivo: transformar a educação em instrumento de liberdade, emancipação, dignidade e futuro.

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