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Jornada de Saúde mobiliza mulheres das comunidades quilombolas do Oeste da Bahia e Chapada Diamantina para pensar sobre Justiça Reprodutiva e Desmedicalização 

As jornadas aconteceram no mês de maio e contaram com rodas de conversas, debates e oficinas sobre a saúde das mulheres quilombolas 

*Por Adriane Rocha| Redação Odara

Durante o mês de maio, duas edições da Jornada de Saúde mobilizaram mulheres quilombolas em diferentes regiões da Bahia. As ações, realizadas pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, através do Programa de Saúde e do   Nós por Nós – Observatório de Justiça Reprodutiva do Nordeste, buscaram fortalecer os vínculos com os territórios e promover o diálogo sobre justiça reprodutiva, saúde integral e saberes ancestrais.

Além dos debates sobre saúde, a  Jornada também integrou a mobilização para a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, marcada para o dia 25 de novembro.

A primeira etapa aconteceu de 12 a 18 de maio nas comunidades quilombolas de Olhos D’Aguinha, Bateias, Cutia, Conceição e Mulungu, no município de Boninal, na Chapada Diamantina. Ao longo da semana, rodas de conversa e oficinas reuniram mulheres quilombolas para discutirem saúde sexual e reprodutiva, autocuidado e saberes ancestrais. A presença e o engajamento das mulheres revelaram uma sede coletiva por escuta, partilha, denúncias e afirmação dos saberes tradicionais.

Leila Rocha, ativista e técnica do Programa de Saúde do Instituto Odara, acompanhou de perto os encontros e ressaltou a potência dessas trocas:

“Falamos sobre participação popular, desmedicalização, saúde reprodutiva, o uso das plantas medicinais presentes nos territórios e, por fim, saúde da mulher. A adesão foi muito grande, especialmente por parte das mulheres. Foi importante entender como elas valorizam e utilizam as ervas medicinais no seu cotidiano.”

A Jornada de Saúde seguiu na semana seguinte, entre os dias 20 e 24 de maio, nas comunidades de Lagoa do Peixe, Pau D’Arco, Parateca, Araçá Cariacá e Rio das Rãs, nos municípios de Bom Jesus da Lapa e Malhada, no Velho Chico,  Oeste baiano. Essa continuidade evidenciou que, embora cada território tenha suas particularidades, os desafios enfrentados pelas mulheres quilombolas em relação à saúde são compartilhados.

Suliane Rodrigues Nunes, de 33 anos, moradora da comunidade quilombola de Araçá Cariacá, compartilhou como o encontro a tocou profundamente ao trazer reflexões sobre sua trajetória como mãe e mulher negra: “Esse momento me fez pensar sobre como tenho orientado minha filha. Ela tem 14 anos e, às vezes, sinto dificuldade de conversar com ela sobre saúde sexual e reprodutiva, porque minha mãe também não teve esse diálogo comigo.”

A experiência fez Suliane revisitar sua própria juventude, marcada pela ausência de informação: “Engravidei aos 19 anos sem nunca ter recebido nenhuma orientação. Hoje, aqui, vi muita coisa. Foi um alerta para mim mesma: não posso deixar que aconteça com minha filha o que aconteceu comigo.”

ROMPENDO SILÊNCIOS

Essa cadeia de silêncios e descobertas intergeracionais também apareceu nas falas de outras mulheres. Inês Dias de Brito, de 40 anos, moradora da comunidade quilombola de Tomé Nunes no município de Malhada, atua na produção coletiva de alimentos à frente da unidade Delícia do Quilombo e reforçou a importância do cuidado integral com o corpo e a mente:

“O encontro foi maravilhoso. Saber que o Instituto Odara também atua na área da saúde nos fortalece. Os casos de câncer de colo do útero aumentaram muito e as mulheres precisam de informação. Mesmo quando muitas ainda dependem do parceiro, ao menos saem com um alerta, com uma luz acesa na cabeça.”

Inês também trouxe à tona uma preocupação crescente: a saúde mental das mulheres quilombolas. O isolamento, o esgotamento emocional e a sobrecarga têm afastado muitas delas das atividades comunitárias: “Quando a mulher sai de casa, convive com outras, conversa, desabafa. Isso ajuda muito. Eu participo do grupo Negras Juremas, onde uma é psicóloga da outra.”

A força dessas redes de apoio entre mulheres está profundamente conectada aos saberes ancestrais. Para Inês, esses conhecimentos são pilares da vida quilombola: “Nossa comunidade sempre teve o chazinho caseiro. Tratamos de gripe, febre, machucados com plantas. Usamos raiz de açafrão, mastruz, folha da maravilha. Tudo é natural. E ensinamos isso às crianças. Meu avô dizia: ‘O que não sara, não mata’. O natural vem da natureza, como nosso corpo.”

No entanto, a sabedoria popular convive com a precariedade da rede pública de saúde, uma realidade que impõe desafios diários: “Moro a 12 km do hospital. Quem tem transporte consegue ir, quem não tem, sofre. Já levei minha neta com diarreia num domingo e a médica atendeu da porta. Deu a receita, mas não tinha remédio no posto. Tivemos que ir a outra cidade comprar. Isso é comum por aqui.”

Essa tensão entre autonomia e negligência foi um dos temas centrais trabalhados pelas técnicas do Odara durante a Jornada. Para Luana Souza, ativista e integrante do Programa de Saúde, os encontros foram espaços de profunda escuta e reconexão com o que é ancestral: 

“Realizamos rodas de conversa sobre saúde sexual e reprodutiva, criando espaços seguros para que as mulheres quilombolas compartilhassem suas vivências, dúvidas e, principalmente, suas estratégias de cuidado e resistência nos próprios territórios.”

Segundo Luana , as oficinas funcionaram como um chamado para pensar a desmedicalização das mulheres negras e resgatar saberes acessíveis e ancestrais, onde as folhas e a natureza são aliadas do cuidado. Os encontros reafirmaram que o conhecimento que cura já está presente nas comunidades.

“Foi um momento importante para reconhecer a necessidade de produzir informações que partam das próprias mulheres e retornem para elas. O cuidado precisa estar enraizado na comunidade, no afeto, na forma como elas nos recebem com alimento, beleza, troca. É um reconhecimento profundo da autonomia dessas mulheres nos seus processos de cuidado”, finalizou Luana.

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