Textos de Carolina de Jesus inspiram oficina sobre saneamento, zika e racismo
Atividade ocorreu na Escola Luísa Mahin, no bairro do Uruguai, em Salvador, através do projeto “Comunica Salvador” da Reprotai, no âmbito da iniciativa “Mais Direitos, Menos Zika”.
Manhã de sábado, 30 de Julho e dia de formação no âmbito da iniciativa “Mais Direitos, Menos Zika”. O local? A Escola Comunitária Luísa Mahin. Espaço símbolo de resistência na Cidade Baixa de Salvador, que leva o nome da heroína africana envolvida em parte das revoltas de quilombolas e negros escravizados na Bahia no século XIX. Assim como a mãe do abolucionista Luiz Gama, as mulheres participantes da atividade são heroínas, pois mesmo sendo as mais prejudicadas pela epidemia, ainda conseguem se organizar e bolar estratégias de sobrevivência nesses tempos de zika.
Selma Bonfim, liderança comunitária e integrante da Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe (Reprotai) fez uma fala de apresentação sobre o projeto “Comunica Salvador” e seus objetivos. “A mulher está sendo cobrada por conta do zika. A culpa é dela se pegou o vírus. A culpa é dela se não limpou a casa ou se o quintal está sujo. E isso é errado. Fazemos essas ações para ajudar as mulheres que não possuem esse entendimento. Já estamos nas ruas há dois meses, com caminhadas, entrevistas, panfletagens, gincanas. Não há culpa. Todos e todas nós temos um pouco da responsabilidade de combater o vetor e apoiar as mulheres com as informações adequadas”.
Assim como no Calafate, no projeto “Se tem mulher, tem luta: todos contra o zika”, a pessoa responsável pela oficina de Racismo no bairro do Uruguai foi Valdecir Nascimento. Nascida e criada no local, a familiaridade e conhecimento da comunidade foi um elemento que facilitou ainda mais a troca de conteúdos. Após a roda de apresentações das cerca de 25 mulheres participantes, da Península de Itapagipe, mas também de Águas Claras e Cajazeiras, a coordenadora do Odara – Instituto da Mulher Negra aproveitou a oportunidade para propor um minuto de silêncio pela memória de Luiza Bairros e fazer um apelo para que as mulheres, sobretudo negras, passem a cuidar mais das suas saúdes. Na sequência, exibiu o vídeo da ACMUN “Eu posso tocar no seu cabelo?” para discutir as questões de corpo, identidade e relações raciais.
“Eu não gosto que peguem no meu cabelo”, “Gosto quando fazem carinho”, “Depende da forma que pega”, foram algumas das opiniões compartilhadas, que repercutiram em outras sobre aceitação e pertencimento, como: “eu amo meu cabelo black”, “prefiro alisar”, “cabelo é uma questão política”. Troca importante, segundo Valdecir, para entendermos que “o cabelo faz parte do corpo e que a curiosidade sobre nossos cabelos tem relação com a ideia racista de que nosso cabelo [das mulheres negras] é duro” e como isso está conectado ao processo da escravidão no Brasil, dado a partir do corpo desumanizado, reforçado em ditos populares como “nariz que o boi pisou” e “beiço de mula”.
A facilitadora destacou os seguintes pontos: o aumento da violência contra a mulher negra de cerca de 54%, o lugar que o racismo coloca as mulheres negras – ou dão conta de tudo sozinha, ou são vítimas, ficando ou na solidão ou na violência – a importância da identidade e do pertencimento nas comunidades, a invisibilidade ou visibilidade deturpada e negativa dos bairros na mídia e, também, como é fundamental a construção de novas narrativas para esses locais.
A partir de textos da escritora Carolina Maria de Jesus, Valdecir orientou que fossem formados seis grupos com quatro mulheres, para a leitura e interpretação dos trechos e compartilhamento com todas. Vinte minutos foram suficientes para que elas elaborassem encenações teatrais, análises críticas e um “mini-sarau”, com a declamação de trechos e a escuta de canções relacionadas a discussão.
Carolina nasceu em 1914 e era semi-analfabeta. Ela preferiu ser catadora de lixo a ser doméstica, por ter mais ‘liberdade’ na época. Nos livros que encontrava na rua, começou a escrever. Um exemplo de mulher negra que na escrita encontrava um escape para lidar com as dificuldades da vida e seu cotidiano com a falta de saneamento básico. “As comunidades pobres serão as mais afetadas com o zika. Aqui é o Quarto de Despejo de Carolina. O que vai acontecer em 6, 5, 4 anos com as crianças nascidas com microcefalia e outras más-formações? Onde irão parar as mulheres negras no meio de tudo isso?”, questionou Valdecir, finalizando com uma reflexão sobre a necessidade do país “acordar” para essa realidade o quanto antes e como a morosidade para a questão está relacionada as questões raciais.
As atividades promovidas pelo Odara integram a iniciativa “Mais Direitos, Menos Zika”, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que inclui nove organizações da sociedade civil em Bahia e Pernambuco em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Corpo de Resposta Civil Internacional (CANADEM), e recursos dos Governos do Japão e Reino Unido, e do Fundo de Emergência Global do UNFPA.
Midiã Santana / Odara – Instituto da Mulher Negra
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