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7 de abril – Dia Mundial da Saúde: Direito à saúde para quem, se mulheres e crianças negras seguem sendo vítimas das injustiças reprodutivas?

Mortalidade materna, violência obstétrica e mortalidade infantil são algumas das consequências do racismo no campo da Saúde no Brasil

Em 1948, o dia 7 de abril foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o Dia Mundial da Saúde. Ano a ano, a data é um importante momento para refletir sobre as condições de saúde vivenciadas em diferentes lugares do mundo, além de estimular a criação e o fortalecimento de políticas que garantam o acesso pleno a este direito.

Quando pensamos o Direito à Saúde no Brasil, um dos principais desafios está no enfrentamento ao racismo institucional, que atinge a população negra diretamente nas suas condições de vida, através da falta de saneamento básico e de água potável, das moradias inadequadas, da insegurança alimentar e nutricional, da falta de acesso às informações, e se estendem às negligências e violências vivenciadas durante os atendimentos médicos.

Mesmo com a existência de uma Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), criada em 2009, os indicadores de saúde continuam, de forma crescente, denunciando falhas que custam milhares de vidas negras anualmente. 

A situação parece se agravar ainda mais quando se trata de enfermidades relacionadas à saúde sexual e reprodutiva das mulheres negras, como mostrou o Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra divulgado pelo Ministério da Saúde em outubro de 2023. O documento revela que, dentre as gestantes diagnosticadas com HIV em 2021, 67% eram negras e que 70% das crianças com sífilis congênita eram filhas de mães negras. 

Analisando o cenário da pandemia de Covid-19 no ano de 2020, o relatório registrou que, dentre os óbitos maternos causados pela doença, as mulheres negras representam 63% do total de vítimas. Mas não dá para culpar apenas a pandemia, já que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres negras somam 53% das mortes em decorrência da gestação no Brasil

Embora as condições de vida dessas tantas mulheres possa ser um fator que potencializa o risco de complicações e mortes durante a gravidez e o parto, há que se considerar ainda a violência obstétrica, caracterizada pelo tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda de autonomia e a capacidade de decidir sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres.

Desamparo às gestantes negras provoca partos em locais inadequados

Durante a última semana de março de 2024 veio a público mais um caso de violência obstétrica que chocou o país. Após horas de espera na Maternidade Municipal de Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias (RJ), Queli Santos Adorno, mulher negra de 35 anos, deu à luz no chão da recepção do local. Duas horas antes, enquanto a gestante se queixava de fortes dores, uma das médicas que estavam de plantão na unidade examinou Queli, se recusou a interná-la e a orientou a voltar para casa. 

“Ela foi muito grossa com a minha irmã, a tratou com deboche. Ela falou: ‘Você não deveria nem estar aqui, você deveria estar em casa, porque você está treinando’. Aí, minha irmã falou: ‘Essa aqui é minha quarta gestação, eu não estou treinando, essa criança vai nascer doutora, eu não posso ir pra casa’. E minha irmã se recusou a ir embora”, contou Carine Santos, irmã de Queli, ao Portal G1.

Além do descaso e violência sofridos durante o trabalho de parto, Queli não pôde contar com atendimento psicológico na maternidade, não pôde prestar queixa – pois a delegacia local se recusou a registrar um boletim de ocorrência -, não consegue amamentar sua criança e precisa tomar remédios para controlar a pressão arterial.

“Eu fui tratada como um bicho. É um sentimento de impotência. Quando olho para o meu filho, fico pensando que deveria ter gritado mais pelos meus direitos e os dele, e me sinto culpada por não ter feito isso”, desabafou Queli ao jornal Extra.

Queli com seu filho Azafe | Foto: Henrique Barbi

Antes mesmo da situação traumática vivenciada por ela no parto, Queli já não contava com as condições ideais para gestar, visto que, durante as enchentes provocadas por chuvas que atingiram o Rio de Janeiro no início do ano, sua família perdeu todos os móveis e, até o momento, ainda não recebeu o auxílio prometido pela Prefeitura de Duque de Caxias para reparar os danos da chuva.

“Tudo que tem na minha casa foi doado pelas pessoas. Hoje, não temos nem televisão. Recebo Bolsa Família, mas só paga o meu aluguel. A alimentação, eu pego na igreja”, contou Queli ao Extra.

Embora absurda, revoltante e desumana, a experiência da gestante não é um caso isolado no Brasil. Na reportagem especial “A Peregrinação do Parto: No Ceará, casos de mulheres que deram à luz em calçadas despertam para o problema da violência obstétrica no estado”, produzida para o Nós por Nós – Observatório de Justiça Reprodutiva do Nordeste, abordamos a frequência de casos como este no estado do Ceará, onde três partos foram realizados em calçadas somente em 2022.

Mortalidade infantil é maior entre crianças negras

Além da violência obstétrica e de todo o conjunto de violações de direitos que causam efeitos devastadores – quando não a morte – em gestantes negras, as problemáticas relacionadas ao acesso à saúde para a população negra atingem também o desenvolvimento de suas crianças e contribuem para as altas taxas de mortalidade de crianças negras – muitas vezes por causas evitáveis.

Um estudo da FioCruz, que procurou medir o impacto das desigualdades raciais sobre as taxas de  mortalidade infantil no Brasil (2019), identificou que crianças negras têm duas vezes mais chances de morrer por má nutrição, 72% a mais de risco de morrer em decorrência da diarreia e 78% a mais de risco de morrer por pneumonia, se comparado às crianças brancas. As causas podem estar relacionadas ao acesso à informação, à alimentação adequada, ao processo do pré-natal e ao acompanhamento médico inadequado.

No caso da pequena Alicya Alves Machado, criança negra de apenas 11 meses, assim que seus pais perceberam os primeiros sintomas de febre, começaram uma peregrinação de cerca de 20 dias entre o Hospital Teresa de Lisieux, da Rede HapVida, e outra unidade hospitalar do mesmo plano de saúde no bairro do Uruguai, na cidade de Salvador (BA), em busca de atendimento médico para a criança.

Embora Alicya tenha sido atendida 5 vezes nas duas unidades e seus pais tenham insistido em uma abordagem mais cuidadosa por conta da febre alta que se arrastava por dias, os profissionais de saúde apenas indicaram medicações e mandaram a garota de volta para casa. Nenhum exame foi realizado para averiguar o quadro clínico e tratar a causa da febre persistente.

Alicya teve febre por cerca de 20 dias, mas nenhum exame foi recomendado.

“Acredito que houve negligência, porque ninguém procurou ver o que houve com ela, não fez um exame e mandou minha filha para casa”, afirmou Lívia Maria Ferreira, mãe de Alicya, em vídeo compartilhado nas redes sociais. 

Alycia faleceu na manhã da última quarta-feira (03/04), vítima de uma parada respiratória. “Com a presença da ausência, seguiremos! Cientes que houve interferência  nessa partida imatura, cientes que houve negligência. Revolta, dor e incapacidade são os tons que nos cercam, mas a crença, a unidade e o amor são o  amparo para seguir e, exigir Justiça por Alicya”, desabafou Eduardo Machado, tio da garota.

Precisamos falar sobre Justiça Reprodutiva

Embora no campo da saúde muito se fale sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos, existe uma perspectiva mais ampla e coletiva para dar conta das desigualdades que atingem sobremaneira as mulheres negras (e racializadas em geral) e suas crianças: a Justiça Reprodutiva.

A Justiça Reprodutiva é um conceito e incidência política protagonizado pelas ativistas negras, que diz respeito à comunidade em geral, aos nossos corpos, nossas vidas, nossa presença no mundo com acesso a direitos sexuais, direitos reprodutivos e justiça social. Direito à maternidade digna, parto humanizado e acesso aos serviços de saúde é Justiça  Reprodutiva. Em outras palavras, é pensar a saúde e os direitos reprodutivos a partir dos marcadores sociais de raça, gênero, classe social, sexualidade e dos diferentes fatores culturais que influenciam determinadas populações.

Apenas refletindo esses fatores de maneira articulada será possível propor e construir políticas públicas eficazes para eliminar todas as iniquidades que operam no campo da saúde e impedem que o direito seja plenamente garantido.

Conheça o Nós por Nós – Observatório de Justiça Reprodutiva do Nordeste e junte-se a nós nessa luta!

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