Coluna Beatriz Nascimento #14 – 2ª Temporada: Flávia Pedroso
Desde maio, temos visto por aqui, a 2ª edição da Coluna Beatriz Nascimento: uma exposição de produtos e pensamentos das mulheres participantes da 4ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento.
Hoje (7), concluímos esta temporada, com o último produto, produzido pela cursista Flávia Pedroso: uma carta para Beatriz Nascimento.
A seguir, leia a carta na íntegra.
Cachoeira – BA, dezembro de 2022.
Oi Beatriz, como estão as coisas? Espero que esta carta lhe encontre bem!
Por aqui estamos bem, Cachoeira continua bela, encantadora e misteriosa, o Rio Paraguaçu brilha ainda mais com o Sol de Verão, mostrando como Oxum é bela. Escrevo pra te contar que voltei a dançar e isso tem feito um bem danado, sentir o corpo por dentro é maravilhoso pra lembrarmos que merecemos cuidado e que carregamos um universo de riquezas e não nascemos apenas para ser tratadas como o objeto que esse sistema racista quer.
Não é à toa que nossos Deuses e Deusas dançam, não é mesmo? Tenho dançado com novas amigas, mulheres negras incríveis e Insubmissas vindas de diferentes lugares do Nordeste, com os mais diversos corpos, trajetórias e visões de mundo, mas estamos conectadas pelo desejo de nos mover. E, sabe… isso tem me ajudado não apenas a mover o corpo, mas também a enxergar e construir a possibilidade de mover estruturas!
Aprendi com elas que nós mulheres negras nos organizamos há muito tempo, criamos irmandades, redes e comunicações super eficientes, como revistas e portais. Diálogos estes que se materializaram em lutas, políticas públicas ou leis. Viver essa escola me ajuda a lembrar a mulher que eu era antes de ser mãe e a construir a mulher, mãe e educadora que sou.
Para mim, “tornar-se negra”, é um processo constante que se inicia na pele, passa pelo sangue, suor e espírito. Se constrói com palavras, escutas e união, chegando à ação de nós pra nós.
Onira está crescendo e eu quero que ela cresça forte, com suas raízes bem adubadas e regadas. Por ela e outras crianças vou crescendo e me deleitando em aprender mais, alguns estudos e questionamentos de gênero e sexualidade atravessaram em mim desejos de construir ou possibilitar uma realidade ao menos um pouco diferente.
Este ano não foi fácil, foram muitas perdas e mudanças repentinas no sentido da vida, mas também foi muito enriquecedor e fundante e por isso tudo… lhe digo: obrigada, agradecida por todo incentivo e oportunidade, me sinto firme para seguir. No início do mês assumi minha vaga como professora de Artes da cidade de Cachoeira. Serei a primeira professora efetiva formada na área no município, senti aquele frio na barriga da responsabilidade e também felicidade por ser uma pessoa dançante, formada pela UFRB de Cachoeira, pelo Núcleo Akofena, pela Escola de Capoeira Angola, os Angoleiros do Sertão, por alguns tombos da vida, pelo Lobanekum Neto, pelas conversas no tabuleiro de Gilvânia, pelos sambas e carurus de Dona Dalva e hoje pela Escola de Ativismo e Formação Política Para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento.
Com as falas ancestrais de Alice, a assertividade de Lindinalva, as canções de Bianca, a suavidade de Gilcélia, o sorriso de Alane, entre muitas outras qualidades que levarei pra sala de aula… Eu sou porque nós somos.
Asé.
Flavia Pedroso
Quem é Flávia Pedroso?
Artista do Corpo, Dançarina e Educadora, nascida em São Roque, interior de São Paulo, em uma família onde o samba era costume de fundo de quintal. Em janeiro de 2010 viajei para Salvador para conhecer a Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB, junto à minhas grandes referências da Dança Afro, além do intuito de visitar os lugares cantados nas ladainhas e corridos da capoeira…. e não fui mais embora.
Hoje moro em Cachoeira – BA, sou professora da rede Municipal de ensino, integrante do Grupo Angoleiros do Sertão, do Coletivo Catarinas e do Coletivo Lucas da Feira. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB e Especialista em Dança pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Mãe de uma garota de 5 anos e sigo acreditando no corpo, na arte e na educação como os grandes lugares da revolução, resistência e autoconhecimento.