#OpiniãoOdara – Mortalidade materna, doença falciforme, hipertensão e diabetes têm cor: a saúde das mulheres negras exige o direito inadiável do Bem Viver

No 27 de Outubro, Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra e Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doenças Falciformes, é urgente que o Estado reconheça e combata o racismo que se traduz em um genocídio silencioso, elevando a mortalidade materna e agravando doenças crônicas que matam a vida de mulheres negras no Brasil
Por – Redação Odara
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIIPN), instituída pelo Ministério da Saúde em 2009, destaca que o racismo é um determinante social da saúde. No entanto, na prática, essa diretriz ainda não se efetivou nas unidades de saúde, nas práticas clínicas e no acolhimento integral.
A discussão sobre a saúde da população negra precisa transcender a esfera puramente biológica ou genética. No que tange à saúde de mulheres e meninas negras, essa exigência é ainda mais crucial: nossas enfermidades não se originam apenas em nossos corpos, mas, sobretudo, nas estruturas racistas que moldam e constrangem nossas vidas.
As doenças genéticas, como a doença falciforme, continuam a afetar de forma desproporcional a população negra no Brasil. Entre 2012 e 2023, as internações por essa condição aumentaram 47%, sendo que 75% dos casos envolvem pessoas negras, de acordo com estudo da Cátedra Çarê-IEPS, parceria entre o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pesquisadores associados.
A pesquisa aponta ainda que a mortalidade entre pessoas negras com doença falciforme é quase cinco vezes maior do que entre pessoas brancas. Metade das internações envolve crianças e adolescentes, revelando que as desigualdades raciais em saúde se reproduzem desde a infância.
No entanto, outras condições também se tornam epidêmicas justamente por causa da violência estrutural do racismo. O diagnóstico é inadiável: diabetes, hipertensão, os altos índices de abortos inseguros e a elevadíssima mortalidade materna.
Os dados evidenciam um cenário alarmante. O painel “Cenário das Diabetes Mellitus” da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), divulgado em 2023, revela que a proporção de mortalidade por diabetes entre pessoas negras (75,7%) é drasticamente maior do que entre pessoas brancas (19,3%).
A hipertensão segue a mesma lógica da iniquidade. O Estudo Corações do Brasil indica que a porcentagem de sujeitos hipertensos é maior na população negra (34,8%). Mulheres e homens negros apresentam taxas de hipertensão de duas a quatro vezes maiores do que as encontradas entre pessoas brancas, além de demonstrarem um alto grau de lesão em órgãos-alvo como coração, cérebro e rins, o que potencializa complicações graves.
NO CAMPO DA SAÚDE REPRODUTIVA, O RACISMO SE TRADUZ EM MORTES EVITÁVEIS
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) a probabilidade de uma mulher negra recorrer a um aborto é 46% maior em todas as idades, em comparação com mulheres brancas. Para a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), isso significa, em termos práticos, que para cada 10 mulheres brancas que realizam o procedimento, haverá cerca de 15 mulheres negras.
Quando se constata que o aborto inseguro é a principal causa isolada de mortalidade materna em áreas como Salvador, que já registrou índices cinco vezes maiores do que o mínimo aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A mortalidade materna por aborto afeta desproporcionalmente as mulheres negras na Bahia.
As mulheres negras, nunca possuíram o direito de escolher de que forma iriam continuar vivas, afinal quem sempre datou foi o Estado, um reflexo direto da desigualdade que estrutura o país. O acesso precário à alimentação saudável, o transporte exaustivo, a sobrecarga de trabalho, a ausência de lazer, as moradias insalubres e a falta de segurança são o cotidiano que adoece e mata.
Quando acessam o sistema de saúde, as pacientes negras frequentemente enfrentam a violência e o racismo no atendimento. A experiência é marcada pela desconfiança, a negligência ou a pressa. Este tratamento diferenciado se manifesta em longas esperas, consultas superficiais, falta de explicações no diagnóstico e a desconsideração de saberes tradicionais, configurando uma prática de racismo. A ausência de profissionais negros no acolhimento é também um sintoma dessa estrutura.
Este conjunto de experiências configura o racismo na saúde, e ele é letal. Mata progressivamente, todos os dias, ao negar o acesso digno, ao subestimar dores, ao não escutar as queixas e, fundamentalmente, ao invisibilizar a vida das mulheres negras.
A reparação que o movimento de mulheres negras exige é urgente, cotidiana, e se inicia pela construção de condições de dignidade e pelo acesso à saúde como parte da sociedade de Bem Viver que queremos: um modo de existir em que o cuidado, o respeito, a natureza e a justiça são fundamentais.. Só haverá saúde para mulheres e meninas negras quando houver escuta qualificada, cuidado integral, respeito às nossas especificidades e, acima de tudo, o reconhecimento e o combate ao racismo como uma patologia social letal.
Enquanto isso não for realidade, seguiremos adoecendo, não por genética, mas por injustiça.

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