Em webinário internacional, Instituto Odara promove discussão sobre genocídio das populações negras e reparação
A atividade integrou a agenda coletiva da 12ª edição do Julho das Pretas – Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver
Redação Odara
Entre os dias 9 e 11 de julho, o Odara – Instituto da Mulher Negra realizou o webinário “Enfrentar para Reparar: Encontro Internacional para Enfrentamento ao Genocídio de Populações Negras e Lutas por Reparação”. A atividade foi realizada através do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar e integrou a agenda coletiva da 12ª edição do Julho das Pretas – Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver.
O encontro abordou os aspectos do genocídio de populações negras em diversas regiões do mundo, especialmente nas Américas, apresentando os contextos, as ações e movimentos de resistência e as possibilidades de articulação de uma incidência política internacional entre ativistas da região.
No dia 9 de julho, a discussão girou em torno da “Violência policial na América Latina e Estados Unidos: contextos e movimentos de resistência”, com as participações de: Dayana Blanco Acendra, diretora geral da ILEX Acción Jurídica; Nadijane Macedo, mãe de vítima da violência do Estado e articuladora do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar; Mari Cortez, mãe de vítima da violência do Estado e diretora da Corporação Mulheres Afro Diaspóricas; Joel Castro, pai de vítima da violência do Estado; e mediação de Daiane Ribeiro, assessora jurídica do Instituto Odara.
O webinário começou com uma fala de Gabriela Ramos, coordenadora do projeto Minha Mãe Não Dorme, que apresentou o Instituto Odara, falou sobre o projeto e a importância de fortalecer redes para enfrentar o genocídio em nível internacional. “Lidar com as instituições brasileiras é insuficiente pra enfrentar essa violência, porque o Estado brasileiro é o maior algoz do povo preto, então precisamos pensar ações transnacionais para enfrentar o genocídio”, explicou. “Essa não é uma agenda exclusivamente do Odara, é do movimento de mulheres negras no Brasil e no mundo”, completou Gabriela.
Nadijane Macedo trouxe uma crítica aos altos investimentos feitos pela Polícia Militar da Bahia para comprar armas e viaturas e apontou a necessidade de realizar testes toxicológicos em policiais a serviço do Estado, além de investigar mais a fundo o envolvimento da corporação com o tráfico de drogas. Ela criticou ainda a impunidade e a lentidão do sistema judiciário baiano para tratar de casos de mortes provocadas pela polícia. “Estamos gritando por socorro, mas parece que as autoridades não nos ouvem. É preciso reparação, porque se houve uma morte, significa que o Estado falhou”, destacou.
Durante sua fala, Dayana Blanco abordou a falta de dados sobre violações dos direitos humanos no seu país, a Colômbia, e denunciou a criminalização de territórios habitados por pessoas negras e pobres. “Existe uma fragilidade do Estado em coletar e disponibilizar dados sobre as violações específicas contra a população afrodescendente. A informação está subregistrada”, afirmou. Ela falou um pouco sobre o sistema de reparação voltado para vítimas dos conflitos armados na Colômbia e se colocou à disposição para dialogar e se aprofundar no tema em uma outra ocasião. Dayana também apontou o desafio das ativistas e juristas de seu país para demarcar o racismo como um fator intrínseco à ação letal da polícia.
A chilena Mari Cortez comentou que em seu país existe um movimento de ultradireita muito forte que, inclusive, chegou a queimar um memorial feito em homenagem ao seu filho morto pela polícia. Destacou ainda as violações sistemáticas dos direitos humanos existentes no Chile e a impunidade dos governantes que fomentam essas violações. Segundo ela, as organizações internacionais de direitos humanos foram fundamentais para levar o caso do seu filho adiante. “A bala da polícia chilena só mata o negro, não atinge os demais”, afirmou revoltada.
Já no segundo dia, o webinário trouxe o tema “Incidência internacional para proteção de direitos da população negra: possibilidades e articulações”, com as participações de: Yvette Modestin, Coordenadora da Diáspora da Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora; Lígia Batista, Diretora executiva do Instituto Marielle Franco e mestranda em Políticas Públicas e Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e mediação de Lorena Pacheco, assessora jurídica do Instituto Odara.
Yvette Modestin discutiu os desafios enfrentados pela população negra na América Latina, destacando questões de identidade e acesso a recursos. Ela enfatizou a importância do termo “afrolatino” como um posicionamento político dentro dos espaços que ocupam. Além disso, Yvette criticou abordagens simbólicas em detrimento de ações concretas de reparação histórica para o povo negro. “Não há dinheiro capaz de reparar o que o povo negro viveu, mas a reparação não pode vir somente através de um ato simbólico, ou de um discurso. Só discurso não faz reparação histórica. Reparação é um conjunto de ações”, afirmou.
Lígia Batista, com sua vasta experiência na incidência política em organizações internacionais, enfatizou a importância de levar as denúncias aos órgãos internacionais. Ela destacou, no entanto, as barreiras linguísticas e burocráticas no debate global sobre direitos humanos. Para Lígia, as mulheres negras organizadas desempenham um papel crucial na conscientização global sobre a realidade e os desafios enfrentados pela população negra no Brasil. “O mundo só sabe que existe racismo neste país por conta das mulheres negras organizadas, que continuam denunciando o que o Estado fez e continua fazendo conosco”, disse.
O terceiro e último dia do webinário trouxe o mote “Por uma agenda global de reparação: análises e possibilidades”, com participação de Eric M Phillip, Vice-presidente da Comissão de Reparações da Caricom e presidente do Comitê de Reparações da Guiana, e mediação de Gabriela Ramos.
Em uma verdadeira aula sobre reparação, Eric apresentou um panorama do debate a nível global e regional nas Américas e destacou que muitos pedidos de desculpas vem sendo feitos ao povo negro ao redor do mundo como resultado das movimentações em torno da Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024, que traz o tema “Povos Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. “Isso está acontecendo porque agora [o tema da] reparação é global e as nações europeias não podem mais esconder isso”, explicou.
Eric afirmou ainda que “reparação significa liberdade, significa soberania sobre nós mesmos e sobre nossas vidas. Significa desenvolvimento comunitário, onde mulheres e homens são iguais”. Ao final, ele sugeriu a criação de comitês estaduais para debater e iniciar o processo de implementação de ações de reparação no Brasil, se colocando à disposição para contribuir com a estruturação desses comitês. “A gente precisa se unir para reescrever essa história”, finalizou.
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