Encontros em comunidades do Baixo Sul da Bahia debatem estratégias de enfrentamento à violência contra Meninas e Mulheres Quilombolas
“Como era ser mulher no tempo de nossas avós? Quais as memórias das mulheres mais velhas da sua família? Quais são os ditados que elas diziam? Quais são as suas lembranças sobre elas?” Foi a partir de provocações como essas que na sexta-feira (13), mulheres dos municípios de Maraú e Ituberá, no Baixo Sul e Litoral Sul da Bahia, se reuniram durante a “Jornada Quilomba: Encontro de Meninas e Mulheres Quilombolas” para debaterem estratégias de fortalecimento de mulheres e meninas quilombolas, na luta por participação política e enfrentamento às diversas formas de violência que atingem suas vidas, como a violência política, doméstica, familiar e o feminicídio.
As Jornadas são parte da programação e metodologia de trabalho do Odara – Instituto da Mulher Negra, através dos projetos “Quilomba – Pela Vida das Mulheres Negras” e “Pretas no Poder: Participação Política, Representatividade e Segurança de Ativistas Negras”, em parceria com mulheres lideranças quilombolas e organizações de quilombos de diversos territórios da Bahia.
Na cidade de Maraú, a atividade aconteceu na Sede do Coletivo Mulheres Presentes, e foi um espaço acolhedor para que as mulheres compartilhassem suas memórias, experiências e histórias de vida, com destaque para os relatos de violências que enfrentaram.
Estiveram presentes mulheres das comunidades quilombolas de Ilha do Tanque, Saquaíra, Tremembé, Maraú, Algodões, Barra Grande, Santa Maria, Minério e Saleiro. A roda também ficou marcada pela presença de homens das comunidades, que foram provocados a contribuírem na luta pelo enfrentamento à violência doméstica.
Durante o espaço, Claudiane Duarte, moradora de Maraú, fez relatos sobre os procedimentos que precisou para romper com uma relação marcada por violência doméstica. Para ela, é urgente que sejam criados mecanismos de denúncia e proteção mais eficientes em Maraú, para que mais mulheres não precisem passar pelo mesmo, ou situações mais agravantes.
“Uma roda dessas mostra o quanto o assunto é comum para muitas moradoras de Maraú. Muitas mulheres não conseguem sair dos relacionamentos abusivos. Por isso é importante uma não soltar a mão da outra, e ser rede de apoio para as mulheres que sofrem violências, para que consigam sair dessas situações ainda com vida”, disse Claudiene.
Sandra Santos, professora do município, reforçou a necessidade de mobilização da gestão pública municipal na criação de mecanismos de enfrentamento à violência contra a mulher. “As mulheres do nosso município não tem acesso às políticas públicas que garantam cuidado e bem viver, e que garantam seus direitos. Quando trazemos a público essa discussão fazemos com que o tema circule entre a comunidade e ganhamos peso na exigência de que políticas públicas para as mulheres sejam implementadas e aplicadas em Maraú”, destacou Sandra.
Aos pés de Xangô pedimos Justiça
A segunda roda da “Jornada Quilomba: Encontro de Meninas e Mulheres Quilombolas” aconteceu no Terreiro de Xangô, no bairro do Luís, no município de Ituberá. E contou com a participação da comunidade religiosa e também das mulheres do Samba de Roda Raízes Afro, que fizeram uma apresentação de samba de roda para iniciar a atividade.
Durante o evento, Joyce Souza, coordenadora dos Projetos Quilomba e Pretas no Poder, do Instituto Odara, destacou a importância de construir espaços seguros para compartilhar experiências e refletir sobre diferentes tipos de violência.
“A cada roda de conversa que realizamos com as mulheres, identificamos que a violência física, de modo geral, é reconhecida com facilidade e as pessoas relatam formas mais imediatas de enfrentamento ou denúncia. Mas os tantos outros tipos de violência contra mulher não são dimensionadas ou são pormenorizadas, como o estupro marital e violência psicológica, que são sempre reiteradas entre os casos narrados com bastante familiaridade”, destacou Joyce.
O encontro contou com diversos relatos das trajetórias das mulheres presentes e também uma discussão intensa sobre a violência contra crianças no seio familiar. A ativista Odara enfatizou que, além de cobrar o Estado, é necessário fortalecer as comunidades para enfrentar as diversas formas de violência.
“Temos dito que é papel do Estado, da comunidade e da família, proteger as meninas e mulheres ao nosso redor. Ao passo que cobramos e fazemos o controle social frente ao Estado, também temos apostado no fortalecimento de nossas comunidades para superação do quadro geral de violência contra nós, população negra”, declarou Joyce.
Adelaide Santos, moradora de Ituberá e ex-professora no município, foi a mobilizadora do encontro e também destacou a importância da participação ativa da comunidade na roda de conversa. “Foi um momento importante que nos encorajou a continuar com essas atividades. Só assim percebemos a importância da mulher, quanto elas estão preocupadas com a questão da violência. Precisamos ocupar esses espaços, não apenas como falantes, mas também como ouvintes, para que as coisas aconteçam da melhor forma possível”.
Segundo o senhor Crispim Gomes, babalorixá do Terreiro de Xangô, espaços como esse são sempre bem-vindos para o acesso à educação e informações sobre a construção de relações mais respeitosas entre homens e mulheres, sem perdermos de vista os valores ancestrais que preservaram nossas comunidades, como o reconhecimento e o devido cuidado e proteção aos mais velhos, as crianças e as mulheres.
O terceiro encontro desta edição da “Jornada Quilomba: Encontro de Meninas e Mulheres Quilombolas” seria realizado no sábado (14) na Comunidade Quilombola da Matinha, em Ituberá (BA), mas foi cancelado devido às fortes chuvas que tornaram a estrada de barro intransitável, isolando a área, sem sinal de telefone ou internet. A falta de infraestrutura e de políticas públicas voltadas para acessibilidade expõe o descaso com as comunidades quilombolas, limitando seu acesso à cidade e a serviços essenciais, o que reforça a exclusão dessas populações no exercício de seus direitos.
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