Mulheres africanas surpreendem mercado mundial
Muitas vezes, a África é vista apenas como um continente que precisa de auxílios com os quais seus habitantes mal conseguem sobreviver e que maltrata e marginaliza as mulheres. Foi nesse mundo -e contra ele- que surgiu a fábrica de calçados SoleRebels, afirma sua proprietária, Bethlehem Tilahun. “Eu sempre escutei a expressão ‘alívio da pobreza’”, […]
Muitas vezes, a África é vista apenas como um continente que precisa de auxílios com os quais seus habitantes mal conseguem sobreviver e que maltrata e marginaliza as mulheres.
Foi nesse mundo -e contra ele- que surgiu a fábrica de calçados SoleRebels, afirma sua proprietária, Bethlehem Tilahun. “Eu sempre escutei a expressão ‘alívio da pobreza’”, diz a empreendedora, cuja fábrica faturou US$ 2 milhões em 2011. “A imprensa, preocupada com uma única narrativa a respeito da ‘África’, deixava de lado a história no continente, que possui um espectro maior de entidades que podem representar a imagem da África, nossa marca.”
Com a SoleRebels, diz ela orgulhosa, “invertemos o paradigma inteiro”. Tilahun, 33, é parte de uma onda de empreendedores africanos que participam da melhor fase econômica do continente em várias gerações. Num mundo em recessão, o Fundo Monetário Internacional prevê que a África terá nos próximos cinco anos o maior crescimento de todos os continentes.
Muitos desses novos empreendedores são mulheres. A SoleRebels -um trocadilho com “rebeldes da sola” e “rebeldes solitárias”- surgiu em 2004, quando Tilahun, recém-saída da faculdade na Etiópia, montou em um terreno da sua avó uma oficina onde artesãs do bairro produziam sandálias. Hoje, trata-se de uma companhia multimilionária, que fabrica calçados ambientalmente corretos -feitos manualmente-, vendidos no exterior a US$ 60 o par.
A empresa tem cerca de cem funcionários e recentemente abriu uma loja própria no centro de Adis Abeba, expondo sua fusão entre os gostos abissínios e ocidentais. Tilahun disse que, a cada par, busca mudar a mentalidade das pessoas sobre a África.
Segundo um relatório do Banco Mundial, mais de 20 países subsaarianos, com mais de 400 milhões de habitantes, já ascenderam ao status de “renda média”. O número de pessoas vivendo na pobreza caiu cerca de dez pontos percentuais na última década.
O índice de empreendedorismo feminino é maior na África do que em qualquer outra região do mundo, segundo o Banco Mundial. Até países africanos criticados por abusos aos direitos humanos e restrições às liberdades são progressistas na questão de gênero.
“As mulheres no setor privado representam uma poderosa fonte de crescimento econômico e oportunidades”, diz Marcelo Giugale, diretor do Banco Mundial para a redução da pobreza e a gestão econômica na África.
“Na África, você vê as mulheres trabalhando muito”, observa Markus Goldstein, economista do Departamento de Gênero do Banco Mundial, em Washington.
Segundo dados do Banco Mundial, quase dois terços das mulheres africanas participam da força de trabalho.
Na África do Sul, Sibongile Sambo foi uma pioneira da aviação feminina e hoje dirige uma empresa de voos fretados. No Quênia, Ory Okolloh, 23, participou da criação do Ushahidi, um software colaborativo para monitorar situações de emergência em tempo real, que é utilizado pelo Google.
Na Nigéria, Adenike Ogunlesi construiu do nada um império regional da moda infantil -ela começou vendendo pijamas no porta-malas do seu carro.
Em Uganda, país banhado por um grande lago, Lovin Kobusingya lançou uma salsicha de peixe. “Eu sempre soube que era uma empresária”, diz Kobusingya, 29, mãe de dois filhos. “Quando eu estava no colégio, já vendia doces. Eu ganhava dinheiro com isso.”
Sua empresa, a Kati Fish Farms, vende 500 kg de salsichas por dia e usa oito toneladas de peixe por semana. Ela se diz “muito feliz e orgulhosa” por ser uma empreendedora. “Quando eu era jovem, diziam: ‘Mulher é mulher -um homem deve cuidar de você’. Mas as mulheres na verdade estão contribuindo bem mais do que os homens. Sempre acabamos fazendo múltiplas tarefas”, disse ela, que se divide entre o trabalho e a família. “Se isso pudesse ser equacionado em termos de moeda, seria 80% da economia.”
Pode não ser coincidência que várias economias africanas que se destacam apesar da escassez de recursos -como Etiópia ou Ruanda- tenham governos austeros, ordeiros, patrióticos e eficientes no uso da ajuda externa, que desprezam a caridade e priorizam os investimentos e a iniciativa privada.
Em Ruanda, uma mudança nas leis permitiu que marido e mulher constem conjuntamente nas escrituras fundiárias, o que levou a um aumento de quase 20% no número de proprietárias rurais.
“Quando entrei na faculdade”, observou Tilahun, “já estava claro para mim que ‘alívio da pobreza’ é um mito. As pessoas não querem não ser pobres, elas querem alguma forma de prosperidade. Isso não significa ser milionário ou bilionário, mas próspero. Para criar prosperidade, você precisa criar algo de alto nível”. Ela diz que houve na Etiópia quem tentasse limitá-la devido ao seu gênero. “Mas nunca me limitei.”
Os produtos da SoleRebels agora são anunciados em revistas de Toronto e Berlim, e Tilahun foi citada pela revista “Forbes” como uma das cem mulheres a serem observadas em 2012.
Há uma “necessidade urgente”, segundo ela, de criação de mais marcas africanas que ofereçam produtos de alto nível no mercado mundial. Para Tilahun, isso sufocaria as organizações humanitárias que estão “vendendo mensagens e imagens da África”.
“Vamos encarar: é difícil convencer as pessoas a comprar o que você está vendendo quando essas organizações convencem os consumidores que os africanos estão apenas ocupados em espantar moscas do rosto.”
Fonte: CircuitoMT
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