Mulheres Quilombolas reivindicam acesso à educação, saúde e transporte em Audiência Pública na cidade de Palmas de Monte Alto (BA)
Audiência foi provocada pelo Instituto Odara e construída em parceria com lideranças quilombolas do município
Redação Odara
A audiência pública “Mulher Negra Quilombola, Políticas Públicas e Direitos Negados”, aconteceu no Auditório Jorge Amado, em Palmas do Monte Alto (BA), território do Sertão Produtivo, no último dia 20 de julho. A iniciativa foi fruto da articulação de uma rede de mulheres quilombolas das comunidades da Barra, Juazeirinho, Aroeira, Vargem Alta, Angico, Cedro, Curral Novo, Sítio Canjirana, Lagoa Seca, Jurema, Rancho das Mães, Vargem Comprida, Leão, Poço do Saco e Lagoa do Canudo, em parceria com o Odara – Instituto da Mulher Negra, através do Projeto Quilomba Pela Vida das Mulheres Negras.
O principal objetivo da audiência pública foi o fortalecimento da incidência política de mulheres quilombolas da região na luta por participação política, garantia de direitos e combate às violências contra mulheres, criando um canal de diálogo direto com o poder público local.
As dificuldades do acesso à educação e à saúde, e falta de transporte público para atender as comunidades, estiveram entre as principais reivindicações colocadas por representantes dos quilombos durante a audiência.
A jovem estudante quilombola Otavia Lopes, da comunidade de Lagoa Seca contou que precisou trancar um semestre da graduação por conta da dificuldade com os custos do transporte, já que não conseguiu auxílio da prefeitura para custear seu deslocamento até a faculdade. “Palmas do Monte Alto não tem transporte público para nos levar até a faculdade. Isso nos deixa tristes. Esperamos que o poder público veja o nosso lado como universitários e estudantes. Isso afeta a nossa comunidade e o nosso futuro”, ressaltou.
Cleidmar Brito, presidente da Associação Quilombola de Aroeira, contou que sua comunidade luta há anos para ter uma unidade de saúde e que nem mesmo um carro é disponibilizado pelo município para atendimentos de urgência. Ela denunciou também a situação das estradas, que dificultam o acesso e transporte de pessoas doentes até a sede do município. “Tá muito difícil. Quando alguém adoece e precisa vir no hospital, pagamos entre R$250,00 e R$300,00. Quando a gente liga e o SAMU chega, muitas vezes a pessoa já veio a óbito, porque as estradas estão péssimas”, contou Cleidmar.
Iara Oliveira, da comunidade Quilombola de Jurema, pontuou que existe um processo de êxodo rural, que acontece por falta de acesso à educação e oportunidades de emprego. “Nossos quilombos ficam cada vez mais vazios. Nossos talentos acabam indo embora e só voltam para visitar. Isso faz com que a gente nos afaste da nossa ancestralidade, dos nossos valores e das nossas famílias, e isso impacta na realização dos nossos sonhos”, disse. Ela destacou ainda que a audiência permitiu um espaço importante de troca entre as comunidades quilombolas: “Nossas dores são muito parecidas e, quando a gente fala da nossa dor para alguém que entende, temos uma luz no fim do túnel para buscar novas perspectivas”.
Nelci Santos, liderança quilombola da comunidade de Aroeira, também falou sobre a importância da audiência e denunciou a ausência dos representantes do poder público que foram convocados. “É triste porque o povo estava sedento de ouvidoria, de escuta e construção coletiva. Mas a luta continua. Saímos daqui com novos horizontes e sugestões para que possamos alcançar os nossos objetivos, como a ocupação das ruas e outros movimentos”, pontuou Nelci, que disse ainda estar esperançosa com a força demonstrada pelas comunidades para seguir reivindicando seus direitos.
Audiências Públicas em Defesa de Direitos e Pelo Bem Viver
A atividade tem como objetivo impulsionar a participação política e representatividade de mulheres negras quilombolas, potencializando a autonomia comunitária e os mecanismos de enfrentamento às violências reproduzidas em territórios que têm sido historicamente invisibilizados pelo poder público, nas regiões do Velho Chico, Sertão Produtivo e Chapada Diamantina.
Enquanto produto do processo de construção, a partir de encontros prévios, foram elaboradas cartas-compromisso a serem assinadas pelas representações do poder público municipal para formalizar a garantia da continuidade dos diálogos e encaminhamento das demandas apresentadas pelas comunidades.
“As audiências públicas são instrumentos muito potentes de promoção da participação política das mulheres negras e lideranças nos territórios. É frustrante sabermos que foi o primeiro canal de diálogo protagonizado por mulheres quilombolas em todas as cidades, depois de duas ou três décadas de reconhecimento dos territórios tradicionais”, afirma Joyce Lopes, ativista do Instituto Odara e coordenadora do Projeto Quilomba Pela Vida das Mulheres Negras.
As audiências foram construídas em parceria com lideranças quilombolas e atingiram um grande público, envolvendo a participação direta de cerca de 600 pessoas, no total das 5 audiências (Bom Jesus da Lapa, Boninal, Palmas de Monte Alto, Riacho de Santana e Seabra). Em todas as audiências, foram priorizados os momentos de fala e denúncia dessas lideranças. Dessa maneira, foi possível tratar de diferentes frentes de violências, violações e necessidades enfrentadas.
“Estamos quebrando o silenciamento e marginalização política, ouvindo muitas dessas lideranças traçando os próximos passos para as reivindicações de direitos e exigências de políticas públicas, mas também para a ocupação e qualificação dos mecanismos de representatividade”, conta Joyce.
As audiências permitiram ainda o fortalecimento dos vínculos entre as comunidades, que tinham em comum grande parte das demandas voltadas para a responsabilização do poder público em relação à garantia de direitos em seus territórios.
“No processo de construção das audiências alcançamos nosso objetivo de formação para interpelar o poder público municipal, bem como de fortalecimento da autonomia e articulação territorial de mulheres negras para o enfrentamento às violências sofridas e promoção da qualidade de vida em suas comunidades”, conclui a ativista.
As audiências funcionam também como uma estratégia de ampliação e fortalecimento das políticas públicas que beneficiem as mulheres negras e suas comunidades, com o objetivo de fortalecê-las para a prevenção e o enfrentamento às violências – especialmente a violência doméstica e familiar – dentro dos territórios.
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