Na Chapada Diamantina, mulheres quilombolas usam espaço de audiência pública para denunciar falta de acesso à saúde e educação, e invasões às comunidades
Audiências foram provocadas pelo Instituto Odara e construídas em parceria com lideranças comunitárias das cidades de Boninal (BA) e Seabra (BA)
Redação Odara
Entre os dias 18 e 22 do último mês de julho, o Instituto Odara articulou e participou de audiências públicas em cinco municípios de três territórios do estado da Bahia. As audiências foram provocadas através do Projeto Quilomba Pela Vida das Mulheres Negras e articuladas por meio de diálogos com mulheres negras lideranças de comunidades quilombolas e periféricas.
No dia 22 de julho, a jornada foi finalizada com as audiências nos municípios de Boninal (BA) e Seabra (BA), com a participação de representações quilombolas, movimentos sociais e alguns representantes do poder público municipal. Em ambos os municípios, o acesso à educação, saúde e transporte público se apresentaram como reivindicações históricas das comunidades quilombolas.
“São três problemas que estão acontecendo em todos os quilombos aqui da região. Queremos acesso à saúde e educação de qualidade, queremos boas estradas e queremos transportes escolares e da área da saúde, que sejam adequados, com cintos de segurança e motoristas habilitados”, enfatizou Cleonice, presidente da Associação do Quilombo de Cachoeira e Mucambo, em Seabra. Ela denunciou ainda o fechamento de escolas das comunidades quilombolas: “Queremos que nossas crianças façam pelo menos os primeiros anos de estudo dentro das nossas comunidades”, completou.
A falta de creches, a necessidade de um cursinho pré-vestibular para as juventudes quilombolas, a importância de valorizar manifestações culturais dos quilombos – como o reisado – e a falta de canais de diálogos abertos com o poder público também estiveram entre as reivindicações de ambos os municípios. Em Seabra, outro ponto levantado foi a preocupação em relação à segurança das comunidades, que passaram a vivenciar episódios de invasão e intimidação após a chegada das empresas de produção de energia eólica na região.
Amanda Oliveira, jovem liderança da comunidade de Olhos D’Aguinha e integrante do Núcleo de Juventudes Odara, destaca o protagonismo das meninas e mulheres negras da sua comunidade no processo de mobilização da atividade e conta que a última audiência entre comunidades quilombolas e o poder público de Boninal aconteceu há 7 anos. “A presença do poder público é importante para que a gente entenda que o potencial do cidadão está para além do voto. Precisamos entender que poder público não faz favor para a gente. Ele está ali justamente para garantir que nossos direitos cheguem até a nossa comunidade”, ressaltou.
A presença das meninas, jovens e mulheres das comunidades quilombolas também foi marcante na audiência pública de Seabra. “90% do público foi de mulheres liderando aquele processo. Foi um evento marcante, onde juntas, discutimos assuntos relacionados à saúde, educação e infra-estrutura. Foi uma mobilização gigantesca e eu acredito que, sim, podemos fazer a diferença”, disse Marleide Rosa da Silva, jovem liderança quilombola da comunidade do Agreste.
Em Boninal, a audiência foi fruto da articulação de uma rede de mulheres quilombolas das comunidades da Cutia, Mulungu e Olhos D’ Aguinha. Já em Seabra, a articulação foi realizada por mulheres quilombolas das comunidades da Serra do Queimadão, Agreste, Baixão Velho, Olhos D’ Água do Basílio, Vazante, Cachoeira e Mucambo.
Nos dois municípios o poder público assinou cartas-compromissos se comprometendo com encaminhamento das pautas colocadas pelas comunidades.
Audiências Públicas em Defesa de Direitos e Pelo Bem Viver
A atividade tem como objetivo impulsionar a participação política e representatividade de mulheres negras quilombolas, potencializando a autonomia comunitária e os mecanismos de enfrentamento às violências reproduzidas em territórios que têm sido historicamente invisibilizados pelo poder público, nas regiões do Velho Chico, Sertão Produtivo e Chapada Diamantina.
Enquanto produto do processo de construção, a partir de encontros prévios, foram elaboradas cartas-compromisso a serem assinadas pelas representações do poder público municipal para formalizar a garantia da continuidade dos diálogos e encaminhamento das demandas apresentadas pelas comunidades.
“As audiências públicas são instrumentos muito potentes de promoção da participação política das mulheres negras e lideranças nos territórios. É frustrante sabermos que foi o primeiro canal de diálogo protagonizado por mulheres quilombolas em todas as cidades, depois de duas ou três décadas de reconhecimento dos territórios tradicionais”, afirma Joyce Lopes, ativista do Instituto Odara e coordenadora do Projeto Quilomba Pela Vida das Mulheres Negras.
As audiências foram construídas em parceria com lideranças quilombolas e atingiram um grande público, envolvendo a participação direta de cerca de 600 pessoas, no total das 5 audiências (Bom Jesus da Lapa, Boninal, Palmas de Monte Alto, Riacho de Santana e Seabra). Em todas as audiências, foram priorizados os momentos de fala e denúncia dessas lideranças. Dessa maneira, foi possível tratar de diferentes frentes de violências, violações e necessidades enfrentadas.
“Estamos quebrando o silenciamento e marginalização política, ouvindo muitas dessas lideranças traçando os próximos passos para as reivindicações de direitos e exigências de políticas públicas, mas também para a ocupação e qualificação dos mecanismos de representatividade”, conta Joyce.
As audiências permitiram ainda o fortalecimento dos vínculos entre as comunidades, que tinham em comum grande parte das demandas voltadas para a responsabilização do poder público em relação à garantia de direitos em seus territórios.
“No processo de construção das audiências alcançamos nosso objetivo de formação para interpelar o poder público municipal, bem como de fortalecimento da autonomia e articulação territorial de mulheres negras para o enfrentamento às violências sofridas e promoção da qualidade de vida em suas comunidades”, conclui a ativista.
As audiências funcionam também como uma estratégia de ampliação e fortalecimento das políticas públicas que beneficiem as mulheres negras e suas comunidades, com o objetivo de fortalecê-las para a prevenção e o enfrentamento às violências – especialmente a violência doméstica e familiar – dentro dos territórios.
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