No dia da Consciência Negra, mulheres, crianças e adolescentes se reúnem para encerramento anual das atividades do projeto “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”
O reencontro aconteceu no Parque São Bartolomeu, após dois anos sem atividades presenciais por conta da pandemia da Covid-19
Por Jéssica Almeida / Redação Odara
Aconteceu no último sábado, dia 20, o encerramento das atividades anuais do projeto “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”. O reencontro ocorreu no Parque São Bartolomeu, em Salvador, e reuniu articuladoras, mulheres, crianças e adolescentes participantes do projeto. A atividade foi realizada pelo Odara – Instituto da Mulher Negra em parceria com o Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA), a Associação Artístico Cultural Odeart e o Grupo Mulheres na Luta.
Há seis anos, o “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar” desenvolve atividades com mulheres mães e familiares de vítimas da violência do Estado nos bairros do Nordeste de Amaralina, Uruguai e Cabula – bairros periféricos da cidade de Salvador – através de apoio psicossocial, jurídico, qualificação profissional e incentivo à organização política e autonomia financeira dessas mulheres. Andreia do Carmo, articuladora do CAMA, explica que “a parceria com o Odara é de extrema importância para o desenvolvimento do projeto e a continuidade da luta pelo povo negro”.
Rita de Cássia, moradora de Tancredo Neves/Arenoso, integrante da Odeart (Grupo Cabuleiras), é uma das mulheres que encontrou apoio e fortalecimento participando do projeto. “Eu dependia do pai de meus filhos para tudo: comprar uma calcinha, arrumar um cabelo, fazer uma unha. E eu me separei dele, mas hoje eu sou uma mulher empoderada. Eu tinha um desejo imenso de ser uma costureira, então eu achei essa porta aberta, me inscrevi no Odeart e hoje eu já sou uma costureira, já moro de aluguel, ajudo meus netos e estou sobrevivendo do meu próprio dinheiro”, contou ela.
Durante o evento, as participantes tiveram a oportunidade de falar abertamente sobre o projeto, seus sentimentos e impactos causados na vida de cada uma delas. “Para mim esse projeto veio como água com açúcar, que se mistura tudo e fica homogêneo. Esse projeto nos ajuda a ser mais fortes ainda e fortalecer as pessoas. Serve para fortalecer os outros.” afirmou Rita. A atividade contou com palestras, oficinas de autocuidado e dança, refeições comunitárias e dinâmicas em grupo, integrando líderes comunitárias, facilitadoras e ativistas do Odara.
Adilza, participante do Grupo Mulheres de Alagados, sentiu-se maravilhada com a experiência do encerramento após dois anos sem atividades presenciais. “Tô achando maravilhoso porque foi o ano que nós tivemos em casa, presas, sem ver ninguém, sem sair. Essa abertura agora pra mim foi uma maravilha. Eu acho que pra todas também, né? Nosso café da manhã, o almoço, estar aqui com vocês, batendo papo, que dia lindo! É uma maravilha”, contou ela.
Importância do Projeto
O “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar” tem sido uma porta aberta para mulheres vítimas de violência e invisibilizadas perante a sociedade. Para Márcia Nascimento, mobilizadora e integrante do coletivo Mulheres em Luta, o projeto se configura como um espaço de acolhimento, valorização e profissionalização. Ela aponta ainda a importância de sua continuidade.
“Essa parceria do Odara com as comunidades, principalmente nesse momento de retrocesso, é grandiosa. As violências não pararam nos bairros, as famílias sem amparo e o Odara dando esse suporte é fundamental. O projeto precisa continuar para dar suporte às famílias que vêm sofrendo com as negações de direitos e outras formas de violência”, explica Márcia.
Pandemia
Por conta da pandemia de Covid-19, em 2020 a maioria das atividades aconteceram de forma virtual e o encontro presencial foi marcado por bastante expectativa e emoção. “Quando a gente volta presencial, é que a gente vê a importância da existência do projeto. Ele abraça a todas, independente das deficiências que cada uma tenha. Então, voltar, estar junto e hoje tá aqui com participantes de outros bairros, fortalece a gente ainda mais”, é o que conta Rosana Santos, do Grupo Mulheres de Alagados.
Edvalda dos Santos, moradora do Nordeste de Amaralina e também integrante do “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”, tem o mesmo sentimento: “Essa pandemia veio como se fosse um furacão. Tudo que a gente estava construindo acabou parando no tempo”, explicou ela.
Edvalda afirmou ainda que o reencontro presencial é um grito de socorro. Uma oportunidade de denúncia e desabafo à violência que ela e outras mulheres têm sofrido por parte Estado. “O governo procura nos derrubar, mas somos mulheres fortes, guerreiras e vamos continuar nos empoderando para que essa luta não venha a morrer” afirmou ela.
Expectativas
Elza Cândida, diretora executiva do Grupo União e Consciência Negra (Grucon) e integrante do Coral Mulheres de Alagados, espera que o Odara se fortaleça ainda mais para apoiar outras comunidades e, principalmente, mulheres que, assim como ela, foram vítimas da violência.
“A gente vê pessoas novas, consegue conversar com pessoas novas. As pessoas conseguem se comunicar com a gente e expandir os seus problemas e isso é excelente. Você saber que uma pessoa que você nem conhecia tem o mesmo problema que você tem e aí você vai se fortalecer com essa pessoa. Isso se torna um abraço coletivo”, contou Elza.
A expectativa é de que em 2022 todas as atividades do grupo voltem a acontecer presencialmente para retomar e alinhar as articulações políticas protagonizadas por essas mulheres. No entanto, para que isso aconteça, é necessário haver um contexto sanitário em que os encontros sejam seguros para todas. “A incerteza se vamos sair do virtual é ruim, mas compreendemos que a saúde da gente é muito importante. Então, se for preciso, continuaremos no virtual, porque queremos garantir a vida de todes dentro desse processo de luta, enfrentamento ao racismo e às violações dos nossos direitos”, afirmou Ana Paula Rosário, articuladora do Instituto Odara.
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