Opinião Odara: No novembro negro da Bahia, celebrações viram cortina de fumaça e invisibilizam o genocídio contra a comunidade “homenageada”
Desde o início de novembro uma extensa programação cultural foi anunciada pelo Governo do Estado em alusão ao mês da consciência negra no Brasil. Encontros, shows, festas e eventos internacionais já vêm acontecendo e seguem até o final do mês.
Enquanto isso, uma cortina de fumaça se sobrepõe aos fatos que vêm sendo denunciados por ativistas e movimentos sociais durante os últimos meses: o acirramento da violência policial e crescimento da ação de facções criminosas; a responsabilidade do Estado na morte brutal da líder religiosa e quilombola Bernadete Souza, e do seu filho Binho do Quilombo; as mais de 5 milhões de pessoas negras vivendo abaixo da linha da pobreza; e tantas outras problemáticas sociais históricas vivenciadas diariamente pela população negra deste estado.
Acontece, que infelizmente, o cenário de violações dos direitos básicos, inclusive da vida, à população negra baiana é deixado de lado em função de uma pífia celebração da consciência negra que só faz sentido no mundinho criado pela propaganda estatal. E não, não se trata de uma teoria conspiratória. Em um ato falho, o próprio Secretário de Cultura do estado, Bruno Monteiro, deixou escapar em suas redes quais são as reais prioridades da gestão da qual participa:
Que tipo de alegria é possível ter quando a vida de uma mulher negra tão importante para a sua comunidade é tirada de forma tão criminosa e cruel? Que tipo de celebração da consciência negra é possível para a comunidade que convive com as mazelas do racismo em absolutamente todos os aspectos da sua existência? Na Bahia, só em 2023, 14 crianças foram atingidas em trocas de tiros, 4 delas foram mortas. Quando não atingidas diretamente, a infância das nossas crianças são atravessadas pela falta de aula, pela impossibilidade de brincar, pelo racismo, pelo medo de não conseguir crescer.
Enquanto a extensa agenda de festivais e eventos movimenta os centros das cidades, o que se observa nas periferias é a carência e a insegurança no transporte público, tornando praticamente impossível o acesso a essa agenda que é tão excludente que nem mesmo a mobilidade para participar está garantida. Como se não bastasse, em Salvador a população mais uma vez se depara com o aumento da tarifa de ônibus, que agora se torna a mais alta entre as capitais do Nordeste.
É crucial questionar quem se beneficia com esses eventos, quem controla essas produções e como a cultura local é afetada. É evidente que muitas pessoas brancas lucram com essas pautas, enquanto a exploração da mão de obra intelectual da população negra persiste. Neste mês de luta, é inaceitável ver o desprezo pelos saberes e contribuições da maior população negra do Brasil.
Ressalta-se que esta crítica não é focada nos profissionais da cultura, que bem sabemos que nos anos mais graves da pandemia foi uma das classes mais afetadas, no entanto, é importante enfatizar que essa cortina de fumaça festiva serve para que o Estado brasileiro siga negando a existência do genocídio enquanto continuamos a contar os corpos de meninas e meninos negros que morrem em nossas periferias todos os dias.
A pretensa ideia de democracia racial se reconfigura para camuflar a realidade desta triste Bahia. Estamos no estado com o maior percentual de pessoas negras no Brasil, mas onde ser maioria não garante nosso lugar nos espaços de poder, direção e tomada de decisão. Onde a nossa identidade racial e cultural é negociada pela branquitude para servir aos seus interesses políticos e financeiros, enquanto o nosso sangue é derramado.
Diante desse cenário, é necessário questionar a validade de se autodenominar ativista em meio às celebrações como as do Novembro Negro na Bahia. Enquanto casos como o da Mãe Bernadete permanecem sem solução, enquanto crianças negras continuam perdendo suas vidas e enquanto inúmeras problemáticas sociais persistem, devemos nos perguntar: Estamos fazendo o suficiente?
A celebração da cultura e identidade negra é importante, mas não pode ser uma cortina de fumaça que impede que o Estado se debruce para escutar ativamente e pensar soluções para a realidade brutal que tantas pessoas negras enfrentam diariamente. O racismo, a violência policial, a falta de acesso à educação, a pobreza e o medo constante não podem ser esquecidos em nome de celebrações que, para a maioria do povo preto baiano, não têm significado real.
Então, neste Novembro Negro, parafraseando o poeta José Carlos Limeira, é hora de nos questionarmos: Faremos Palmares de novo? A luta pela justiça social e equidade racial não pode ser reduzida a uma agenda de festividades, mas sim uma busca contínua por mudanças reais e significativas em nossas comunidades e em nossa sociedade.
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