#OpiniãoOdara – Filhos sem pais: Paternidades Negras interrompidas por um Estado que tem homens negros como alvo preferencial

Quem paga a conta das paternidades interrompidas pelo Estado?
Por: Redação Odara
Nas periferias, comunidades negras e quilombolas, o Dia dos Pais costuma ser tempo de reunir a família, preparar aquele almoço caprichado, ouvir música alta, contar histórias e dividir risadas. É dia de abraço apertado, lembrança viva e comida partilhada. Para muitos, é momento de festa, churrasco, presença. Mas nem todo mundo pode comemorar.
Para milhares de crianças negras, essa data traz o peso da ausência de pais que tiveram suas vidas ceifadas pela violência do Estado. São filhos e filhas que não verão o pai chegar da rua com um saco de pão ou um sorriso no rosto. Que não poderão esperar os pais ansiosamente para brincar no final do dia. Crescem sem o colo, sem a voz, sem a proteção de pais que foram impedidos de exercer sua paternidade com dignidade.
Marcus Vinicius Silva Cidreira Santos, por exemplo, foi assassinado pela Polícia Militar da Bahia em 24 de abril de 2020. Tinha apenas 21 anos e saiu de casa para descartar o lixo e comprar itens para o café da manhã comemorativo do primeiro mês de vida do seu filho. Foi alvejado pelas costas no bairro de Santa Cruz, no Complexo do Nordeste de Amaralina, sem oferecer qualquer resistência.
Carlos Alberto Júnior, de 22 anos, pai de uma criança, foi morto durante uma operação policial em junho de 2013, na comunidade de Olaria, também no Nordeste de Amaralina. Carlos esperava um primo para ir à praia. Se escondeu quando ouviu tiros. Mesmo desarmado e rendido, foi executado com tiros à queima-roupa por policiais militares.
Esses homens não estavam ausentes. Estavam cuidando, resistindo, sonhando com o futuro ao lado de seus filhos. Suas vidas desmentem o estigma cruel que recai sobre a paternidade negra, aquela narrativa que insiste em universalizar o estigma do homem negro como irresponsável ou violento. A realidade é outra: muitos homens negros querem estar presentes, mas não têm sequer o direito de permanecer vivos.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas destacou que o “Brasil tem mais de 11 milhões de mães que criam os filhos sozinhas”. O estudo também aponta que 90% dessas mães são negras. Esse dado, que escancara mais uma face do racismo patriarcal nas maternidades e infâncias negras e de periferias, demonstra o abandono paterno, mas não só. Parte significativa dessa realidade se relaciona com a letalidade da violência letal nesses territórios, que invariavelmente resulta na orfandade de crianças e adolescentes negros..
Neste Dia dos Pais, é preciso lembrar daqueles que tiveram sua paternidade interrompida, não por escolha, mas por alguma face do genocídio. É preciso olhar para os filhos e filhas que carregam o luto em silêncio. Para as mães negras que seguram sozinhas o peso da ausência imposta. Para as famílias que resistem com memória.
Falar sobre isso também é um gesto de cuidado. É dizer que Marcus, Carlos e tantos outros não serão esquecidos. Que seus filhos merecem crescer com dignidade, e seus pais mereciam estar aqui. E que o direito à paternidade negra não pode mais ser negado. Não pode mais ser interrompido. Não pode mais ser silenciado.
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