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#OpiniãoOdara – Por que o Plano Juventude Negra Viva ainda NÃO é o suficiente para garantir a Juventude Negra Viva?

Falta de estratégias concretas, ausência de articulação com as realidades locais e a confusão entre agendas de movimentos sociais e políticas públicas fazem com que o PJNV seja  mais uma proposta que não gera mudanças reais e duradouras para a população negra 

O mês de agosto, que celebra o Dia Nacional da Juventude, é um momento propício para refletir sobre o Plano Juventude Negra Viva (PJNV), lançado pelo Governo Federal em março deste ano. O Plano surgiu a partir de um processo de escuta das juventudes negras em diversos lugares do Brasil e, pelo menos teoricamente, tem como objetivo abordar as inquietações e urgências desta população, propondo soluções para problemas históricos.

Há de se destacar que o PJNV parece ter sido feito a partir da reedição de outro plano interministerial focado na juventude brasileira, o Plano Juventude Viva, lançado pelo Governo Federal em 2012, e que além do nome, carrega as semelhanças da falta de concretude de ações que garantam a vida da juventude negra brasileira.

Dividido em duas partes, o Plano de 2024 inicialmente destaca os problemas identificados pelas juventudes negras e, em seguida, apresenta eixos e metas que o Estado deve tratar. No entanto, embora o PJNV apresente várias metas e ações importantes, há lacunas significativas em sua abordagem. A falta de estratégias concretas, a ausência de articulação com as realidades locais e a confusão entre agendas de movimentos sociais e políticas públicas apontam para a ineficácia do Plano, que está dividido em eixos.

Vejamos abaixo alguns pontos de análise que destacamos nos eixos do Plano:

EIXO 1: Acesso à Justiça e Segurança Pública

O PJNV propõe cursos de Direitos Humanos para agentes de segurança, uma medida que, apesar de positiva, é insuficiente para enfrentar a violência policial, que resulta da estrutura militarizada das instituições. A meta 3, neste eixo, instituiu o retorno do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) como solução, programa que não foi eficaz em 2007. Além disso, a meta que pretende promover a atuação qualificada e cidadã dos agentes de segurança deveria abordar questões como erros de reconhecimento facial, falta de controle social sobre a corrupção policial e garantir a transparência na gestão dos dados das câmeras corporais.

EIXO 2: Promoção da Saúde

As metas deste eixo tratam de questões importantes, como educação em saúde e doenças específicas, mas negligenciam barreiras que afetam a juventude negra, como o acesso desigual aos serviços de saúde.

O plano também falha em abordar questões relacionadas à justiça reprodutiva e à educação sexual de forma adequada. A falta de uma abordagem estruturada para o acesso e a equidade em cuidados de saúde reprodutiva, bem como para a educação sexual, comprometem a capacidade dos jovens de obter informações essenciais sobre sexualidade, contracepção e prevenção de doenças. Sem um foco específico nesses temas, o plano não garante um desenvolvimento saudável e informado para todos os jovens, especialmente para aqueles em contextos mais vulneráveis.

EIXO 3: Geração de Trabalho, Emprego e Renda

O plano enfatiza o acesso ao mercado de trabalho como essencial para o bem-estar da juventude negra, mas essa abordagem é limitada, pois o acesso ao trabalho não garante condições dignas. A ênfase na geração de emprego e renda através do empreendedorismo é problemática, já que não é uma solução abrangente para a sustentabilidade financeira das famílias negras. Embora o incentivo ao afroempreendedorismo e eventos relacionados seja positivo, essas iniciativas sozinhas não asseguram uma vida digna para todos e impõe exclusivamente uma autorresponsabilidade nos jovens gerarem a renda. O incentivo ao empreendedorismo sem garantia de subsidio gera potenciais fracassos e endividamentos, desresponsabilizando o Estado da promoção de autonomia financeira para esses jovens e suas famílias, é uma armadilha.

Além disso, as propostas para ampliar o crédito rural e apoiar a agricultura familiar falham em atender às necessidades específicas das comunidades quilombolas e não garantem a autonomia dos jovens nesses territórios. A proposta de cursos técnico-profissionalizantes com bolsas é repetitiva e não garante uma inserção efetiva dos jovens no mercado de trabalho, deixando lacunas na solução dos problemas de desemprego e subemprego.

EIXO 4: Educação

O eixo não aborda estratégias para garantir o acesso e a permanência dos estudantes negros na educação básica, nem vê a escola como um espaço de acolhimento. A meta de fortalecer cursinhos em áreas do PRONASCI Juventude, que terá como público apenas jovens egressos ou em cumprimento de medidas socioeducativas, reproduz uma visão reducionista da população negra apenas sob a ótica da violência, desconsiderando a necessidade de abordagens mais amplas e integradas. Além disso, a falta de crítica à reforma do Novo Ensino Médio, que reduz a carga horária em disciplinas essenciais para a universidade, e o foco restrito aos Institutos Federais, limitam as opções educacionais para os jovens negros.

A assistência estudantil é abordada de forma superficial, restringida a repasses financeiros sem estratégias adequadas para garantir a permanência e o acolhimento integral dos estudantes negros nas universidades, especialmente o enfrentamento ao racismo institucional, garantia de reserva de vagas em todos os níveis e dimensões das Universidadws Públicas (graduação, pós, extensão, pesquisa e acesso à docência).

A proposta de formar educadores quilombolas para intercambistas também falha em enfrentar os desafios do racismo e da evasão nas escolas brasileiras. Apesar dessas falhas, o plano alinha-se com as pautas históricas do Movimento Negro ao monitorar políticas de reserva de vagas, a implementação da Lei 10.639/03, e a necessidade de formação continuada em Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), além de promover o financiamento de escolas quilombolas.

EIXO 5: Cultura

O aumento do Vale-Cultura e a criação de Pontos de Cultura são medidas positivas, mas não garantem um suporte duradouro para a produção cultural e acesso à cultura para os jovens negros. Embora o incentivo ao movimento hip hop e programas para literatura e audiovisual sejam importantes, é necessário implementar políticas afirmativas reais e garantir acesso a recursos adequados, com transparência e distribuição equânime tanto no que diz respeito ao aspecto racial, quanto regional/geopolítico. O plano também não menciona outras práticas culturais importantes para os territórios ouvidos, limitando a cobertura das expressões culturais negras.

EIXO 6: Ciência e Tecnologia

Apesar de reconhecer a importância da formação de pessoas negras na área, falta uma abordagem direta para regulamentar e combater práticas discriminatórias, como o racismo algorítmico e o uso problemático do reconhecimento facial. O plano não menciona ações concretas para enfrentar a estigmatização causada pela publicação de dados sensíveis de jovens negros suspeitos de conflito com a lei, e não aborda o impacto psicológico desta exposição na vida das pessoas afetadas.

Além disso, a proposta de ampliar a conectividade e oferecer educação digital é limitada e não aponta a regulamentação necessária para garantir um acesso de qualidade e o combate às fake news. Embora o plano mencione a importância de incentivar a inserção de jovens negros na ciência e tecnologia, as ações são superficiais e não contemplam a necessidade de uma infraestrutura básica adequada nas escolas e em outros equipamentos públicos nas comunidades periféricas.

Falta também um foco no enfrentamento do racismo algorítmico, na inclusão de Pessoas com Deficiência (PCDs) e na valorização das tecnologias desenvolvidas por comunidades tradicionais.

EIXO 7: Esporte

O eixo Esporte do PJNV reflete a necessidade de melhorar a infraestrutura e o acesso ao esporte para jovens negros. A falta de estrutura adequada nas escolas, especialmente em regiões periféricas, limita a prática esportiva, como evidenciado por pesquisas que mostram disparidades significativas entre escolas em áreas mais favorecidas e aquelas em comunidades negras.

Os jovens negros frequentemente enfrentam barreiras para alcançar destaque no esporte profissional, com oportunidades muitas vezes dominadas por jovens brancos. Propostas como fomentar um circuito nacional de capoeira e estabelecer escolinhas com diversas modalidades esportivas nas comunidades quilombolas são passos importantes. Contudo, é imprescindível tratar a capoeira como uma prática ancestral essencial e garantir o apoio devido aos esportes comunitários já existentes.

A falta de incentivos municipais para práticas tradicionais e a necessidade de diversificação e inclusão no esporte são aspectos que precisam de uma abordagem mais abrangente e integrada.

EIXO 8: Meio Ambiente, Garantia do Direito à Cidade e Valorização dos Territórios

A Meta 26, que visa enfrentar o racismo ambiental e as mudanças climáticas, foca principalmente na educação e formação de jovens e agentes públicos. No entanto, essa abordagem pode não ser suficiente para resolver questões mais profundas. A meta não aborda diretamente a responsabilidade das grandes empresas na poluição e degradação ambiental. Sem um plano claro para responsabilizar e regular as práticas prejudiciais dessas empresas, as iniciativas educacionais podem ser insuficientes para combater efetivamente o racismo ambiental e suas consequências. A falta de uma abordagem integrada que inclua medidas regulatórias e fiscalizadoras pode limitar a eficácia das ações propostas e deixar de lado a necessidade urgente de responsabilização das entidades que perpetuam o problema. Isso direciona a responsabilidade pelos problemas ambientais e climáticos aos sujeitos individualmente, sobretudo aqueles que são mais impactados pelas ações destas grandes empresas, a lógica é invertida. 

EIXO 9: Assistência Social

No eixo 9, as metas 32 e 33 visam melhorar o atendimento aos jovens negros, mas não contemplam a necessidade de uma fiscalização mais eficaz dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Esses centros frequentemente falham em atender adequadamente as comunidades quilombolas e jovens em situação de vulnerabilidade. Sem uma fiscalização intensificada e uma abordagem prática para enfrentar os desafios específicos enfrentados por essas populações, as ações propostas podem não alcançar a eficácia esperada. Além disso, a meta 34, que pretende qualificar as equipes, não detalha como o serviço será ajustado.

EIXO 10: Segurança Alimentar e Nutricional

A meta 35 busca fortalecer a segurança alimentar e nutricional para a juventude negra, com foco em pesquisa e desenvolvimento científico na área de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN). No entanto, essa abordagem não resolve as dificuldades enfrentadas pelas comunidades vulneráveis. O plano deveria incluir estratégias práticas para melhorar a distribuição e o acesso a alimentos nutritivos e fortalecer parcerias com organizações locais que compreendem as realidades específicas das comunidades negras. 

EIXO 11: Fortalecimento da Democracia

O Eixo 11 aborda o fortalecimento da democracia, tratando a juventude negra como um meio para restabelecer a cidadania, mas não apresenta estratégias claras para sua participação efetiva em decisões políticas e sociais. Isso sugere que a juventude pode ser usada para reforçar o status quo sem realmente influenciar os espaços de poder. Além disso, o plano parece misturar agendas de movimentos sociais com políticas públicas, indicando uma falta de compreensão sobre os papéis de agentes públicos e movimentos. A ausência de exigências para a implementação das ações pelos ministérios e a falta de articulação com estados e municípios revelam uma abordagem mais voltada a responder às críticas internacionais sobre violência contra jovens negros do que a criar mudanças efetivas.

O PJNV falha em apresentar estratégias concretas e soluções eficazes para seu principal público: a juventude negra. O que se observa são lacunas e uma falta de articulação real com as necessidades locais e as demandas históricas da juventude, mesmo sendo este um documento escrito após a escuta dos movimentos sociais. Este plano não pode ser um mero exercício de retórica ou um instrumento para acalmar críticas externas, não pode ser um “cala boca” para a falta de políticas públicas que garantam a juventude negra viva. 

O PJNV não apresenta nenhuma estratégia de monitoramento e nem estabelece prazos para desenvolvimento das metas presentes nos eixos. Não foi forjado um plano de comunicação e disseminação do material e não há obrigatoriedade do cumprimento por parte dos ministérios. 

Em um país com números crescentes de violências contra juventudes negras o que o Governo Federal precisa para desenvolver ações eficientes e concretas na garantia de nossas vidas?

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