Coluna Beatriz Nascimento #3 – 2ª temporada: Erica Oliveira
Durante os meses de maio a julho, veremos por aqui, a 2ª edição da Coluna Beatriz Nascimento: uma exposição de produtos e pensamentos das mulheres participantes da 4ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento. E o terceiro produto, é uma carta para Beatriz Nascimento, produzida por Erica Oliveira.
A seguir, veja a carta na íntegra.
Salvador, 4 de dezembro de 2022
À Maria Beatriz Nascimento
Olá Beatriz,
Sou Erica Oliveira Santos, filha de Ecia e Uilson, mãe de dois que não pari, porque existem laços maiores que o sanguíneo, tenho uma família linda, sou moradora de Tubarão – Subúrbio Ferroviário de Salvador, sou pedagoga, estou como supervisora e coordenadora pedagógica em projetos sociais, atuo em minha comunidade enquanto voluntária em ações e eventos culturais, bem como atividades de educação ambiental para preservação da nossa maré e manguezal.
Essa sou eu e foi uma grande satisfação te conhecer e saber sobre essa grande mulher que você foi, seus feitos, sua dedicação e militância ao movimento negro neste país são importantíssimos, estes registros não serão apagados, seu legado será levado para as próximas gerações como modelo de resistência e grande referência.
Foi uma honra participar da Escola Beatriz Nascimento, realizada pelo Instituto Odara, para além de uma escola, é um movimento entre grandes mulheres, mulheres que fazem e acontecem dentro de suas realidades, demandas e comunidades. Aprendi muito com as mentoras e entre as colegas… não sou a mesma, ninguém será, com certeza.
A partir dos conteúdos abordados, percebi a relevância da necessidade do ativismo e formação política enquanto assunto obrigatório nas escolas, a educação formal deveria ser responsável por trabalhar esse conhecimento, as verdadeiras história sobre a diáspora africana, os registros acadêmicos e de luta das que vieram antes de nós, fomentar a autoestima, o empoderamento, o lugar de falar e o posicionamento político enquanto escolhas diárias e não apenas politicagem durante eleições para representantes governamentais.
Mas diante de todo esse processo, muitas inquietações surgiram dentro de mim, dentre elas, a paciência para a escuta e coragem para falar. Compreendi que diante das exigências e demandas do dia a dia, onde tudo é imediato, tudo precisa ser contabilizado e agregado, porém, o conhecimento trabalhado na EBN foi diferente.
Ter que escutar as falas das colegas, para além apenas do conteúdo técnico/acadêmico apresentado pelas mediadoras, as experiências de cada uma, foi essencial para o entendimento de fato, do que é ativismo e formação política para e entre mulheres negras, formamos uma rede, laços, vínculos que irão para além do contato físico, estes registros ficarão para sempre em nossas memórias, trabalhos, atuação, por onde quer que passemos nossas atitudes serão influenciadas por essa experiência.
Em relação a coragem para falar o que penso e sei, diante das minhas vivências, sempre foi um desafio muito grande, e diante de tudo que foi dialogado durante esse período de aulas, percebi e entendi melhor sobre o silenciamento social da mulher negra e as consequências dessas estruturas colonizadoras sobre mim, sobre nós, pois, eu não era a única. Escrever esta parte, inclusive, está sendo difícil, procuro por palavras, mas me esforço pois entendo a importância e a necessidade de expor essa demanda, para que outras assim como eu perceba que não está sozinha.
Além da relevância de nos colocarmos nesses espaços, entre nós e naqueles espaços que não querem nossa presença. Muitas vezes não fui entendida, tenho um tom de voz grave e alto, e isso assusta, fui colocada como “grossa” ou “impositiva” muitas vezes quando não tive intenção. Sem contar com as inúmeras vezes o medo de falar “besteira” ou de não me entenderem. Enfim, ver tantas mulheres maravilhosas se colocando nas aulas mexeu comigo e independente da fala, nunca será “besteira”. Agradeço imensamente a professora Silvana Bispo pela atenção, suas palavras ficarão marcadas “respeite o seu processo” ela disse, nada paga e/ou recompensa o sentimento de acolhimento e pertencimento com a turma.
O bloqueio/silenciamento não é apenas com a minha fala oral, a dificuldade de escrever também é grande, principalmente após o período de graduação na universidade. Neste processo, aprendi que muitas passaram e passam por isso, inclusive nas grandes produções acadêmicas de mulheres negras que são negadas até hoje, até mesmo produções como a sua, Beatriz Nascimento. Me questionei, e muitas vezes me senti envergonhada por não conhecê-la antes, assim como Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Neusa Souza Santos e tantas outras que foram apresentadas durante as aulas que anteriormente nunca tive a oportunidade de saber sobre suas existências, resistências e escrevivências, porém quando entendo que somos roubadas e silenciadas, não me envergonho mais, apenas crio mais confiança, reconhecimento e coragem para falar sobre mim e sobre elas, e o quanto minha trajetórias e de outras mulheres, muitas vezes “anônimas”, são importantes e influenciaram também na vida de outras pessoas.
Como existimos e resistimos desde os primórdios enquanto protagonistas/genitoras para a existência da civilização, os diálogos durante o curso trouxeram reflexões acerca da história e do papel da Mulher Negra e suas contribuições que sempre nos foram negligenciadas e omitidas, todos os módulos foram trabalhados sem deixar a desejar, gerando expectativas, inquietações, contribuições e troca a partir das vivências individuais que foram compartilhadas e agregadas a riqueza de cada aula.
Gratidão a Escola Beatriz Nascimento, pois foi a partir disso, das trocas em sala de aula, que consegui traduzir meus sentimentos em palavras, ser uma Mulher Preta é AMOR, AFETO, ORGANIZAÇÃO, RESISTÊNCIA E AQUILOMBAMENTO. Somos coletivas e somos individuais/particulares em nossas demandas, e todas precisam ser vistas e ouvidas, somos uma intersecção entre gênero, raça, orientação sexual e classe, somos um mundo, somos a base que pariu e estrutura a sociedade, estaremos onde desejaremos estar e seremos o que quisermos ser.
Quem é Erica Oliveira?
Erica Oliveira é formada em Pedagogia (UFBA) e pós graduada em Gestão de Projetos (MBA – Universidade Estácio de Sá), atualmente é supervisora pedagógica no Centro de Formação Artesanal Sesc – BA. (Elaboração, execução e supervisão do Projeto Cursos de Valorização Social e Cursos de Desenvolvimento em Comunidades; organização de eventos como Jornadas pedagógicas, workshops de artes, palestras e feiras de artesanato).
Ela também é coordenadora na Eumelanina Produções (Planejamento estratégico, coordenação administrativa/pedagógica, produção cultural e captação de recursos – inscrições em editais). Em 2016, foi Coordenadora Social (Cadastro e Pesquisa Socioeconômica e Elaboração de projetos sociais nas áreas de habitação extensiva, requalificação urbana, educação ambiental e urbanismo), em 2015, desenvolveu trabalhos como técnica social (Elaboração de projetos sociais nas áreas de habitação extensiva, requalificação urbana, educação ambiental e urbanismo. Cadastro socioeconômico e capacitação em elaboração de Projetos).
Desde 2007 atua em ações e trabalhos voluntários ou de liderança (Recuperação do mangue de Tubarão Paripe, com o objetivo de limpar o mangue e confeccionar placas com o intuito de conscientizar a população local / Realização de Saraus, Cinema para crianças, oficina de poesia, escrita criativa nas escolas como Coletivo Cabeça).
A Escola Beatriz Nascimento é, realmente, instrumento de libertação.