Seis anos da Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver: Para onde marchamos?
Impactos políticos e desdobramentos da marcha que reuniu cerca de 100 mil pessoas em Brasília no ano de 2015
Por Alane Reis e Jamile Novaes / Redação Odara
Há seis anos, em 18 de novembro de 2015, cerca de 100 mil mulheres negras de todos os cantos do Brasil se encontravam em Brasília, na primeira Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. A ideia de marchar pelos direitos de mulheres, e população negra como um todo, foi apresentada por Nilma Bentes, ativista do Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA), em 2011, durante o Encontro Ibero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes (Afro XXI), realizado em Salvador.
Em 2013, durante o III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), em Brasília, foi lançado o Comitê Impulsor Nacional da Marcha, formado pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Agentes de Pastoral Negros (APNs), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq), Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN), Movimento Negro Unificado (MNU) e União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro).
Comprometidas com a denúncia unificada das diversas opressões que se interseccionam e afetam de forma significativa as condições de vida e existência do povo negro – sobretudo das mulheres negras -, diversas organizacões se reuniram para marchar e marcar um dos momentos mais significativos na história recente do Brasil, no que diz respeito à mobilizacão e organizacão política. “A Marcha foi uma demonstração da força política secularmente empenhada por mulheres negras na luta pela promoção da garantia de direitos e reparação de desigualdades históricas enfrentadas pela população negra do país”, comenta Naiara Leite, coordenadora executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra, que em 2015 morou seis meses em Brasília, compondo a coordenação do Comitê Impulsor da Marcha.
Segundo Valéria Porto, liderança quilombola do oeste baiano, “a marcha impactou em expressão popular, mostrou em números, fala e documentos a real necessidade de processos inclusivos de forma institucional”. Desde então, as mulheres negras seguem marchando para ocupar os lugares que lhes são de direito, sobretudo nas instituições de tomadas de decisões políticas.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente as mulheres negras ainda ocupam apenas 2% das cadeiras do Congresso Nacional e 1% na Câmara dos Deputados. Nas eleições municipais de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contabilizou 90.753 candidaturas de mulheres negras, 23% a mais que em 2016. O site Nexo apontou que 6,3% dos vereadores eleitos foram mulheres negras e, segundo pesquisa da ONU Mulheres Brasil em parceria com a Revista Gênero e Número, o número de prefeitas negras eleitas em 2020 atingiu o percentual de 8%.
Em Salvador, o pleito eleitoral de 2020 registrou um momento histórico com a eleição da primeira candidatura coletiva do município, as Pretas por Salvador, formada pelas co-vereadoras Cleide Coutinho, Laina Crisóstomo e Gleida Davis. Eleita com 3.635 votos, a mandata coletiva pauta em sua atuação política, projetos que dialogam com a garantia de moradia, diversidade religiosa, combate à gordofobia e LGBTfobia e promoção de melhores condições de vida para mulheres trabalhadoras e mães.
Naiara Leite, que também integra a coordenação da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), comenta que a marcha foi o divisor de águas nas disputas de projeto de sociedade para o Brasil. “A marcha demarcou o que queremos enquanto projeto político e revelou um conjunto de lideranças e de projetos coletivos que há muito tempo estávamos construindo. Tudo isso foi potencializado no processo da Marcha quando reforçamos a importância e a potência da nossa força política enquanto mulheres negras. Todo esse processo de fortalecimento dessa luta vai impactar nas eleições seguintes e em todos os setores da sociedade”.
No espaço universitário, o Censo da Educação Superior de 2016 demonstrou que apenas 3% dos professores doutores nos cursos de pós-graduação do país são mulheres negras. Apesar da baixa representação na docência universitária, há motivos para acreditar que essa realidade está caminhando para um cenário mais favorável: a pesquisa mais recente do Pnad (2019) apontou um crescimento de 8% da presença de mulheres negras entre acadêmicos brasileiros em relação ao ano de 2001 – antes da implementação da política de cotas raciais – atingindo o percentual de 27% do total de estudantes.
Por outro lado, o cenário de violências e injustiças praticadas contra mulheres negras ainda tem se apresentado como uma problemática urgente que precisa ser fortemente discutida e combatida de forma coletiva. Desde 2015, perdemos Marielle Franco, Elitânia Souza e tantas outras mulheres negras anônimas que se tornaram, para o Estado, apenas números nas macabras estatísticas de mortes violentas por motivações políticas, racistas e sexistas. Assistimos a inúmeros crimes de transfobia que vitimaram as nossas irmãs, mulheres negras trans, no auge da sua juventude. Mas não estivemos caladas: gritamos, denunciamos, nos organizamos e marchamos para que saibam que não vamos mais aceitar. A Marcha Nacional das Mulheres Negras em 2015 serviu para mostrar que estamos atentas, articuladas e em luta pela vida do nosso povo. “Fortalecemos nossa agenda e com isso potencializamos o campo de incidência e denuncia em torno das perda de direitos e das demais violências”, afirma Naiara Leite.
Michely Ribeiro, integrante da Rede de Mulheres Negras do Paraná, avalia que seis anos depois, o debate sobre as mulheres negras mudou muito: “Não há iniciativa do movimento social, que não apresente as demandas das mulheres negras. Ainda há muito a caminhar, sobretudo para que esses mesmos movimentos reconheçam suas práticas racistas, mas é um fato que as demandas das mulheres estão postas para a sociedade como um todo”, afirma.
Nós, mulheres negras, seguiremos resistindo a todas as investidas daqueles que atentarem contra os nossos direitos e contra as vidas dos nossos, pois, como disse Conceição Evaristo, “eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.
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