Semana Elitânia de Souza: Mulheres negras da Bahia constroem agenda coletiva de enfrentamento à violência e à garantia de seus direitos
Por Brenda Gomes e Lídia Souza | Redação Odara
Entre 2017 e 2023 a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) registrou 672 feminicídios, sendo que mais de 90% dos casos envolvem parceiros íntimos das vítimas. Em 2023, 108 mulheres foram vítimas de feminicídio, o que representou um aumento de 0,9% em relação ao ano anterior. Desses casos, 63,6% eram mulheres negras, evidenciando o impacto devastador do racismo combinado à desigualdade de gênero. Essa realidade atinge de forma mais intensa mulheres negras, especialmente aquelas que vivem em comunidades quilombolas e em áreas rurais, onde as condições de vulnerabilidade se agravam.
Nesses contextos, a violência contra as mulheres torna-se ainda mais difícil de ser denunciada. A subnotificação é uma realidade amplificada pela falta de acesso a serviços de apoio e pela distância dos centros urbanos. Muitas mulheres evitam buscar ajuda por medo de represálias ou pela ausência de infraestrutura básica, como delegacias especializadas e serviços de acolhimento.
Diante desse cenário, em 2019, nasceu a Semana Elitânia Souza – Pela Vida das Mulheres Negras, em resposta ao assassinato brutal de Elitânia de Souza, jovem liderança quilombola de 25 anos, morta pelo ex-namorado enquanto saía da universidade. A iniciativa de mobilização visa não apenas manter viva a memória de Elitânia, mas também cobrar justiça para ela e para todas as mulheres negras que são vítimas de violências.
Em sua quinta edição, a Semana Elitânia Souza abordou o tema “Acesso à Justiça: Enfrentamento à Violência Familiar e ao Feminicídio no Nordeste”, aconteceu entre os dias 22 e 29 de novembro e contou com a participação de 25 organizações sociais. A cada ano, a ação cresce e se espalha por mais territórios da Bahia. Neste ano, aconteceram ações na Região Metropolitana, Chapada de Diamantina, Baixo Sul, Oeste, Recôncavo, Sertão Produtivo e em Salvador.
Joyce Lopes, coordenadora do projeto Quilomba – Pela Vida das Mulheres Negras, do Instituto Odara, destaca a importância da expansão das ações realizadas durante a Semana Elitânia de Souza ao longo dos anos. “São cinco anos de Semana Elitânia de Souza, e temos investido em estratégias diversas de prevenção e enfrentamento à violência doméstica, familiar e feminicídio em muitos territórios da Bahia, em especial a partir da estruturação do Projeto Quilomba.”
Na primeira e segunda edição da Semana Elitânia de Souza foram realizadas ocupações virtuais, em pleno período da pandemia; já em 2022 ocorreu um seminário no auditório do Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB); no ano seguinte foi realizada uma audiência pública em Cachoeira (BA), buscando pressionar as instâncias municipais responsáveis pelo combate à violência no município.
“Avaliamos a importância de expandirmos nossa agenda de construção coletiva e trazer para esfera do Governo do Estado a cobrança e responsabilização em relação ao cumprimento da Lei Maria da Penha e instituição de medidas específicas para proteção de mulheres negras na capital e interior da Bahia, considerando também que temos feito uma incidência a nível estadual com a mobilização de diversos coletivos de mulheres negras de toda Bahia a partir da inscrição de atividades na agenda coletiva, que a cada ano se torna maior em quantidade e capilaridade”, avalia Joyce.
Neste ano as atividades, que incluíram palestras, rodas de conversa e atendimentos de instituições, foram essenciais para conscientizar e empoderar as mulheres, permitindo-lhes conhecer seus direitos e dar visibilidade à sua luta. Como afirmou Nelci Conceição, coordenadora do grupo de mulheres Mãos Aroeira, do município de Palmas de Monte Alto, (BA) “a participação nessas atividades tem mostrado para as mulheres que elas podem e devem se unir, entender seus direitos e reivindicá-los”.
A agenda da Semana Elitânia de Souza deste ano, também contou com um Ato Público por Acesso à Justiça pela Vida das Mulheres Negras, construído por 14 organizações da sociedade civil, da Bahia, para denunciar casos de feminicídio e a violência doméstica e familiar, que vitimam desproporcionalmente mulheres negras no estado, que aconteceu em frente a Governadoria, no dia 26 de novembro.
Essas ações, que visam combater o feminicídio e a violência doméstica, têm sido fundamentais para ampliar as vozes das mulheres negras e quilombolas, que historicamente são as mais vulneráveis a essas formas de violência.
PELO DIREITO À VIDA
Dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e da Terra de Direitos indicam que a violência contra as mulheres quilombolas aumentou em 125% nos últimos anos, com uma escalada alarmante de feminicídios. Este aumento, que reflete a intensificação da violência de gênero, também está diretamente ligado à falta de acesso a serviços básicos e à violência institucional.
Valéria Porto, mobilizou a atividade “A Participação das Mulheres na Defesa dos Territórios e Garantia de Direitos”, na comunidade quilombola Pau d’Arco, em Malhada (BA) relatou a relevância da mobilização das mulheres para retomar a participação ativa nas questões comunitárias. “Durante o evento, ouvimos relatos de pessoas da comunidade que compartilharam suas experiências sobre a participação inicial no processo organizativo da luta fundiária. Também tivemos a oportunidade de ouvir depoimentos de pessoas de fora, que trouxeram uma perspectiva mais ampla sobre o papel das mulheres na comunidade e sua contribuição nos movimentos sociais e na luta coletiva.”
Tatiana Gonçalves, da Associação Quilombola Bateias, destacou a importância da união promovida pelas atividades, apesar da dureza dos debates sobre enfrentamento às violências. “A importância dessa atividade para nossa comunidade foi imensa. Ela nos proporcionou um momento de união, reacendendo o movimento em um lugar que estava sendo esquecido e enfraquecido. A atividade trouxe uma grande alegria, promovendo mais convivência e solidariedade entre nós.”
Cida Felix, ativista do Coletivo de Mulheres Presentes, da comunidade da Ilha do Tanque, em Maraú (BA), já participou de outras edições da Semana Elitânia de Souza, e destaca a iniciativa como um espaço de acolhimento para as mulheres das comunidades. “Após o início das rodas de conversas, e de outras atividades com o apoio do Odara, mulheres que a gente nem imaginava chegaram nas rodas de conversa para relatar tipos de violência, que vinham sofrendo ou que sofreram; com ameaças de morte, tentativas de morte, enfim. É importante para que essas mulheres saibam que existe uma rede de apoio aqui na comunidade.”
PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
A Semana Elitânia Souza, ao longo de suas edições, tem cumprido seu papel de mobilização e visibilização da luta contra o feminicídio e as violências sofridas pelas mulheres negras, mas também tem fortalecido as redes de apoio e cooperação entre as comunidades.
A agenda faz parte da programação da III Jornada Pela Vida das Mulheres Negras, que este ano teve como tema “Acesso à Justiça: Enfrentando a Violência Doméstica, Familiar e o Feminicídio no Nordeste”, e integra a pauta global “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres”.
As mulheres participantes afirmam que é necessário dar continuidade ao trabalho, com mais ações e parcerias para garantir a efetivação de direitos, especialmente no que diz respeito à prevenção da violência e ao acesso à justiça.
Neste contexto, a ação conjunta de diversas organizações e coletivos fortalece o movimento, permitindo uma maior visibilidade e possibilitando o desenvolvimento de propostas que possam transformar a realidade das mulheres negras, especialmente em regiões periféricas e quilombolas. A luta por justiça, pela memória de Elitânia e pela vida das mulheres negras segue firme, com a certeza de que a ação coletiva é o caminho para a mudança.
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