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Um olhar sobre a  Educação: Seminário reúne educadoras negras  para debater Reparação Histórica e Bem Viver, em Salvador (BA)

Encontro reuniu ativistas, gestoras e pesquisadoras de diferentes estados do país para refletir sobre o papel da educação na promoção da equidade e valorização das trajetórias negras

Por Adriane Rocha | Redação Odara 

Na última quinta-feira (30), aconteceu o seminário “Um Olhar sobre a Educação – Rumo à Marcha Global de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver” marcando mais uma etapa de mobilização de mulheres negras em defesa da educação como instrumento de justiça racial e de construção de uma sociedade pautada na dignidade e no Bem Viver.

Realizado no Auditório da Universidade do Estado da Bahia – Campus 1, de Salvador, o encontro reuniu mulheres negras de diferentes regiões do país em um espaço de troca e reflexão sobre os caminhos da educação. A atividade foi promovida pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, em parceria com o Fórum Levantes Negros pela Educação.

Durante a abertura do evento, a coordenadora do Projeto Ayomide Odara, Débora Campelo, conduziu o momento institucional e ressaltou a importância do diálogo entre os diversos saberes, além de destacar o papel central da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver como força motriz do movimento.

“A Marcha é um movimento que nasce da urgência de enfrentar os impactos históricos do racismo. É um movimento que propõe caminhos para uma educação crítica, emancipadora e contra o racismo. E é nesse caminho que estaremos juntas, reconhecendo a centralidade das mulheres negras na construção do direito à educação e do projeto de Bem Viver.”

A mesa de abertura reuniu a reitora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Adriana Marmori, a secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC), Zara Figueiredo Tripodi, a coordenadora de Educação e Relações Étnico-Raciais da Secretaria de Educação da Bahia (SEC-BA), Carla Nogueira, e a cofundadora e idealizadora do Instituto Odara, Valdecir Nascimento.

Para Zara Figueiredo Tripodi, o Movimento Negro Educador Feminino precisa escrever um novo capítulo do movimento educacional e pautar o Plano Nacional de Educação: “Não podemos negociar um conjunto de questões que dizem respeito à nossa dignidade”, afirmou. 

Carla Nogueira, da SEC-BA, questionou a aplicação da Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio.  “Mais do que implementar a lei, precisamos criar mecanismos de monitoramento que assegurem a sua aplicação. Sem isso, a política fica apenas no papel.”

Valdecir Nascimento, ativista do Odara,  encerrou a mesa refletindo sobre a importância histórica e política da luta das mulheres negras, que fundamenta o seminário. “O Estado brasileiro tem uma dívida histórica com as mulheres negras. Pensar em reparação é também pensar na redistribuição de poder e na valorização das nossas trajetórias. Uma educação sem racismo e de qualidade é reparação.”

O PAPEL DO ESTADO E A CONVOCAÇÃO ÉTICA E ANCESTRAL

A segunda mesa, “Trajetórias educacionais das mulheres negras e o papel do Estado”, foi mediada por Iasmin Gonçalves, ativista do Odara e coordenadora da Escola de Formação Política para Mulheres Negras Beatriz Nascimento (EBN). Iasmin lançou um convite à reflexão crítica e à responsabilização do Estado:

“É fundamental cobrar a responsabilização do Estado por essas desigualdades históricas. Este seminário é uma convocação ética, política e ancestral para repensarmos os fundamentos da educação brasileira a partir das experiências das mulheres negras. Ele escancara as feridas abertas pelo racismo: a exclusão, o epistemicídio, a violência simbólica e institucional, mas também aponta caminhos, como saberes ancestrais e práticas pedagógicas insurgentes, que podem servir de ferramentas para reconstruir uma educação que liberte, acolha e repare.”

O debate contou com a participação de nomes como Cândida Andrade de Moraes, professora e pesquisadora do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Norma Souza de Oliveira,  professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),  e Maria Malcher, ativista do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) e professora do  Instituto Federal do Pará  (IFPA), que trouxeram para o centro da discussão questões como financiamento público, a manutenção das cotas, e o enfrentamento às desigualdades salariais e estruturais na carreira do magistério.

EDUCAÇÃO COMO REPARAÇÃO: RECONHECIMENTO E DIGNIDADE

A terceira mesa, “Educação como reparação: caminhos para o Bem Viver da população negra”, mediada por Juliana Santana, pedagoga e ativista do Odara, trouxe uma reflexão sobre como a educação pode atuar como instrumento de reparação histórica, política e ancestral para as mulheres negras:

“Cada trajetória de mulher negra na educação é, em si, um ato de reparação. Precisamos pensar a educação como reparação a partir de três vias: a histórica, a política e a ancestral. Ou melhor, responsabilidade histórica, reconhecimento e reconstrução da dignidade.”

As convidadas reforçaram a necessidade de valorização das bases. Luciene Tavares, da  quilombola  Caiana dos Crioulos (PB), defendeu o fortalecimento das escolas quilombolas e a formação continuada. Já a professora e fundadora da  Associação Artístico-Cultural Odeart Janice de Sena Nicolin enfatizou que: “Reparação é reconhecer, valorizar e levar à frente o legado do povo negro. Pensar na educação é reconhecer que ainda vivemos sob estruturas de servidão neocolonial.”

Em um dos momentos mais emocionantes, Rita Santa Rita do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (Grumap) trouxe a voz da periferia de Salvador e a urgência da luta por autonomia. “Somos mulheres negras da periferia, investindo no território e na marcha, olhando nossa trajetória e enfrentando o Estado que insiste em nos dar migalhas. Não aceitamos doses homeopáticas de reconhecimento: queremos reparação econômica e social, derrubar estruturas racistas na educação e construir um projeto de autonomia e poder para nossas comunidades.”

O seminário foi encerrado com a reafirmação do compromisso com a luta e o futuro que está sendo construído a partir das escolas e das comunidades.

“Reafirmando que educação é reparação, é direito, é território de luta e de afeto. As trajetórias das mulheres negras nos mostram que o caminho do Bem Viver passa pelo reconhecimento, pela justiça e pela redistribuição do poder. Que sigamos em marcha, nas escolas, nas comunidades e nas ruas, rumo à Marcha Global de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver”, finalizou Debora Campelo. 

O seminário foi um chamado coletivo para repensar os fundamentos da educação brasileira a partir das vozes, das epistemologias e das práticas ancestrais negras. Em cada palavra ecoou a certeza de que não há justiça racial sem justiça educacional, nem futuro digno sem memória e reparação histórica.

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