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UM DEBATE SOBRE LÉSBICAS NEGRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA EM SALVADOR

A escrevivência de estarmos vivas, juntas e reelaborando a política

 

Por Alane Reis

Fotografias: Ana Paula Rosário

 

Mas se eu já fui trovão

Que nada desfez

Eu sei ser 

Trovão 

Que nada desfaz, nem… 

O capataz

Nem a solidão

Nem estupro corretivo contra

Sa-pa-tão

(y now, frágil – poesia de Tatiana Nascimento)

Poucas coisas que não sejam a universidade ou o trabalho mais pragmático tem me motivado a escrever. Assim, livremente, por necessidade subjetiva e entusiasmo. Mas esse 29 de agosto de 2019 (dia nacional da visibilidade lésbica) teve seus luxos. Nós, sapatonas do Odara, e outras companheiras lésbicas negras de Salvador, nos encontramos no Bar Caras e Bocas, de Rose e Alexandra, para debater nossas pautas inegociáveis nesse cenário político. Como vocês podem imaginar, aí chove…

As urgências são inúmeras: emprego, moradia, cuidados com a saúde física e psicológica, e por aí vai. As necessidades, outras tantas: escuta, afeto, reflexões, acesso a educação.

As violências que extrapolam o olhar, o riso, o abandono, as perguntas de “cadê o namoradinho?” – “vocês são amigas?”; as violências que transbordam a tortura psicológica e a invisibilidade, estas que ceifam as vidas como a ação racista e lesbofóbica da polícia – tal qual Luana Barbosa (2016); as que geram suicídio, tal qual Mayara Leão (2019); estupros corretivos, lesbocídios… não geram comoção, campanhas, protestos, nem mesmo na comunidade negra. Estas violências são reações de extrema letalidade aos nossos modos de ser, viver e amar, pela potência revolucionária de rompimento ao racismo patriarcal.

Nossas vivências, atravessadas por violências das mais diversas, mas também por felicidades insurgentes, urgem organização política. É o sentimento que ficou da noite da última quinta-feira (29), em nós sapatonas, que estivemos no Caras e Bocas.

O luxo motivacional da escrita – que citei, foi a diversidade do compartilhamento, da coerência e fazeres políticos, das risadas frouxas, de pensar o que seria uma cultura política lésbica, negra e decolonial. O luxo de ouvir sapatonas griôs com tantas décadas dedicadas a militância, que abriram os caminhos da luta e da visibilidade, como Valdecir Nascimento (do Odara) e Heliana Hemetério (da Rede de Mulheres Negras do Paraná ; Candaces); as mais jovens que trouxeram com tanta qualidade o ser lésbica, negra, no meio de tantas outras pluralidades como fez Flávia Nascimento (do blog Ibiri das Pretas), Jész Ipolito (ANJF ; blog Gorda&Sapatão), Milly Costa (Sapas Gordas ; Coletivo Elekô) e Danúbia Késsia (Coletivo Elekô); as que usam da arte como ferramenta de combate como Fabíola Silva (Cine Quebradas); as que se atrevem a disputar as estruturas da política institucional como Jandira Mawusi e Lívia Ferreira (Coletivo LesbiBahia ; Rede Sapatá); o luxo de estarmos vivas, juntas, socializando, desfrutando das artes e fazendo política.

Valdecir Nascimento (a esq) e Heliana Hemetério (a direit).

A experiência de ter vivido este momento, e que reflete nesse entusiasmo apaixonado pela política, só encontra a calma, em mim, na escrita. Nestas horas me lembro porque comecei a escrever em diários ainda criança, ou porque escrevia entre as crises existenciais adolescentes quando não conseguia conversar com ninguém, e só escrever me acalmava, porque resolvi ser jornalista. “Pois é pela poesia que nós damos nome àquelas ideias que estão – até o poema – inominadas e desformes, ainda por nascer, mas já sentidas”, nos ensinou Audre Lorde no texto Poesia Não é Luxo. Pois sim, Audre, se o luxo do sistema-mundo se configura na exorbitância do capital, nosso luxo sem valor de mercado é a integridade das nossas, empenhadas na construção do Bem Viver.

A noite terminou com o pacto: forjar mais espaços políticos e de socialização lésbica na cidade. Depois da roda de conversa, das performances, dos arrocha e boleros que dançamos, eis que chega Rai e Luci. Assim como Rose e Alexandra, o casal donas do Bar Caras e Bocas, Rai e Luci são as donas de outro bar LGBT – a famosa Laje da Rai, com mais de 20 anos funcionando no Centro de Salvador para o público LGBT, frequentado sobretudo por lésbicas e gays negres e periférices. O bar que gentilmente nos recebeu nas duas edições lotadas e inesquecíveis da Ocupação Sapatão.

Falar nisso, Aline, Paulinha, Jaque, Jesz, Lili, Naiara e Sheila, a festa Ocupação Sapatão – O Retorno é urgência!

No mais, só agradecer a cada uma de nós que estivemos juntas nesta noite celebrando nossa existência. Obrigada especialmente as minhas parceiras de luta Odara sapatonas: Val, Paulinha, e Naiara – que é minha parceira no amor e na vida, a Benilda, que não pode estar presente mas estava em nós. Obrigada pela oportunidade de impulsionarmos este encontro.

 

Que sejamos sempre Trovão!

 

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