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#OpiniãoOdara -10 anos sem Cláudia Silva Ferreira – Nós seguimos lutando pelas ausências!

Sempre que uma pessoa negra é assassinada pela polícia ela vira número, estatística, dado, porcentagem. Não contamos sua história, não sabemos nada sobre ela, a única coisa que a mídia esfrega na nossa cara é o descaso, humilhação e violência. Não há memória desses sujeitos, que são reduzidos a vítimas e têm suas vidas narradas a partir do crime.

Cláudia Ferreira foi atingida em uma operação policial em 16 de março de 2014 e foi arrastada por mais de 300 metros no fundo de uma viatura policial. O caso repercutiu pelas imagens que denunciam o racismo escancarado e sistêmico organizado pelo Estado e executado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. Uma década se passou desde o crime e a vida de Cláudia, tal como sua morte, seguem não representando nada para o Estado e, para boa parte da sociedade, não gera nem sequer comoção.

Em março de 2014 ninguém nos contou quem era Cláudia Ferreira, apelidada carinhosamente de Cacau pela família. Há 10 anos nos apresentaram ao caso mórbido e absurdo de Claudia, a mulher negra favelada arrastada, sem direito a história ou humanidade. Claúdia poderia ser quase todas nós, mulheres negras brasileiras. Ela era mãe, filha, esposa, irmã e tia, mas pelos noticiários foi reduzida a vítima – mais uma efeito colateral do sistema social que insiste em nos matar como combustível preferencial de seu funcionamento. Morreu Cláudia antes da bala a atingir, quando sua existência enquanto mulher negra e favelada era sistematicamente violada com a negação a diversos direitos e políticas públicas. Morreu Cláudia após a bala, quando sequer recebeu um socorro em tempo hábil e as imagens do seu corpo sendo arrastado pelo asfalto preencheram nossas memórias. Morreu Cláudia em 2019 quando sua mãe recebeu atendimento de saúde negligente e veio a óbito. Morre Claudia há 10 anos com a revitimização de sua família na luta por justiça, com medo de retaliações e mais violências de Estado, assistindo às instituições jurídicas proteger os policiais acusados de tê-la assassinado. 

Não há segurança para corpos negros no Brasil, nunca houve. Para além de alvos, somos também as criaturas rejeitadas, somos a falha do movimento eugenista. Quando Cláudia é arrastada pelo asfalto como um corpo sem direito à humanidade, o Estado está nos dando um recado, aliás, há séculos temos recebido esses recados, estão apontando o dedo em nossas caras e nos dizendo que não importa se seguimos a cartilha do cidadão de bem brasileiro, não importa se fazemos dinheiro, não importa se moramos nas comunidades ou nos bairros nobres, somos alvos, viveremos fugindo, nos justificando, lamentando.

Vivermos sob o risco de sermos mais uma Cláudia é assombroso, amargo e difícil. Não estamos protegidas pela maternidade, pelo emprego, pelo estudo. O caso de Cláudia não é uma exclusividade, nem uma exceção, quantos casos diários de execução não são sequer notificados? Estamos cansadas de tanta dor, em nosso peito não cabe mais tanta revolta. Por isso gritamos ao quatro ventos que estamos por nossa própria conta, pela conta dos Orixás e Encantados, pela conta dos Ancestrais, e por isso mesmo, por aqui, seguiremos na radicalidade, sem risadinha, sem passar pano, sem repetir nomes de pessoas pretas interrompidas e gritando: PRESENTE!

Nesse caso, são as ausências que nos motivam, elas também nos empurram a seguir lutando.

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