#OpiniãoOdara – Uadson Santana: Mais um negro morto após ser entregue por dono de mercado a grupos armados, por furtar um pacote de biscoito, em Salvador (BA)
O caso aconteceu na comunidade do Calabetão; Nome de estabelecimento e do proprietário não foram divulgados
Nos últimos dias, espectadores atentos às pautas da segurança pública na Bahia observaram uma notícia tímida e chocante nos portais de notícias do estado: Uadson Santos de Santana, um homem negro de 39 anos, foi espancado até a morte em Salvador (BA), após furtar um pacote de biscoito em um supermercado localizado no bairro do Calabetão, na última segunda-feira (9).
Em entrevistas, a mãe da vítima afirmou que ele teria comprado dois pacotes de biscoito e furtado um terceiro, no valor de R$ 3,50. O dono do estabelecimento percebeu a ação e entregou as imagens de segurança do estabelecimento a um grupo armado, que capturou a vítima e o torturou até que ele ficasse inconsciente. Todos os veículos que publicaram a notificação protegeram o nome do estabelecimento responsável pela morte do rapaz.
Uadson foi encontrado pelo padrastro jogado em uma rua com múltiplas fraturas nos braços e pernas, além de ferimentos pelo corpo e uma lesão grave na cabeça. Ele foi levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Santo Inácio, mas não sobreviveu aos ferimentos.
Nas redes sociais dos poucos sites que entenderam que a vida de Uadson merecia uma pauta, os comentários se dividiram entre a indignação com o descaso com a vida, e a denúncia do dono do estabelecimento (não revelado) como mandante do crime; outra grande parte de internautas, defensores da sanha racista genocida punitivista, defenderam que “bandido bom é bandido morto”, e que não importa o valor, roubo é roubo.
Este crime bárbaro, tão pouco visualizado, remonta o padrão de brutalidade que observamos no caso de Bruno e Ian, jovens negros torturados e mortos em 2021 após tentarem furtar carne no supermercado Atakarejo, na mesma Salvador, a Roma Negra em que o Genocídio antinegro é regra e pouco comove. Ambos os casos escancaram como a segurança privada de estabelecimentos comerciais da cidade se ancoram nos chamados “tribunais do crime”, reproduzindo a lógica de tortura e morte negra que impera na política de segurança pública do estado da Bahia.
A tragédia contra Uadson nos faz levantar questões inevitáveis: É aceitável que uma vida seja brutalmente ceifada por um pacote de biscoitos? Vamos naturalizar que pessoas morram por tentar se alimentar? Virou “normal” que a segurança privada de mercados de Salvador se vinculem a grupos armados para resolver problemas de pequenos furtos? A Secretaria de Segurança Pública do estado da Bahia não irá tomar medidas para uma prática de milícia que vem se estabelecendo nas periferias de Salvador? Por que a mídia carniceira que adora explorar a violência não repercutiu esta pauta? Por que o nome do mercado responsável pela morte de Uadson foi preservado?
A tragédia contra Uadson, assim como a de Bruno e Ian, é a tragédia contra toda população negra e pobre de Salvador. E para que isso não seja naturalizado num futuro próximo, é fundamental exigirmos que os responsáveis por essas mortes, tanto os donos dos estabelecimentos quanto os envolvidos nos espancamentos, sejam identificados e responsabilizados. As autoridades precisam investigar a fundo a relação entre o mercado e grupos civis armados. Quem é o dono do estabelecimento? Quem mandou matar Uadson?
É possível aceitar essa realidade? Podemos nos permitir conviver com uma sociedade onde vidas negras são descartadas por meros R$ 3,50? Esses episódios evidenciam o genocídio negro em curso no Brasil, onde a fome, pobreza e desigualdade são punidas com a morte negra, ao invés de políticas públicas.
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