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Ativista do Instituto Ayabás fala sobre o acesso à vacina e outras dificuldades enfrentadas pela população negra, durante a pandemia, no Piauí

Confira a primeira da série de entrevistas Mulheres Negras, Pandemia e Acesso à Vacina na Região Nordeste

Por Redação Odara

Não é novidade que os anos de 2020 e 2021 têm sido muito duros para a maioria da população brasileira. A peste da Covid-19 circulando no momento em que o Brasil segue gerido por um desgoverno eleito pelo ódio contra negros, pobres, nordestinos, mulheres, lgbtqi+s, quilombolas e indígenas, fez do país o 2º no ranking mundial de mortes por covid-19, nos colocou de volta no tenebroso mapa da fome, nos trouxe taxas muito elevadas de desemprego, boicotou o acesso à educação de milhões de crianças, adolescentes e jovens negros, indígenas e pobres em geral, entre outras mazelas.

São tempos difíceis!? Sem dúvidas! Mas nem de longe podemos dizer que estamos todos no mesmo barco. Para as populações que sofrem historicamente com o racismo, o sexismo e as desigualdades, viver, se alimentar e ter acesso à vacina contra a covid-19 tem sido uma tarefa ainda mais difícil. E para conversar um pouco sobre este cenário no estado Piauí, conversamos com Isabel Cristina, trabalhadora da secretaria de saúde do estado e integrante do Instituto da Mulher Negra do Piauí – Ayabás. Isabel trabalha no Hospital Getúlio Vargas e nos dá um panorama da situação das populações mais vulneráveis à Covid-19 no estado. Isabel, por ser profissional da saúde, já tomou as duas doses do imunizante contra o coronavírus, ela também já teve a doença, e em seu relato traz a necessidade da testagem em massa: “Quando tive, eu estava assintomática e só descobri graças a um teste de rotina feito no hospital onde trabalho”, conta Isabel.

O Instituto Ayabás, que Isabel faz parte, é uma organização parceira nossa na Rede de Mulheres Negras da Região Nordeste, na Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e em diversos outros espaços de luta contra racismo, o sexismo e pelo Bem Viver! Confira a entrevista.

Como vem sendo vivenciado o isolamento social no Piauí?

É público e notório que a população preta é a que mais vem sofrendo. Já não havia políticas públicas, e com a pandemia piorou bastante. As mulheres pretas, periféricas, em sua maioria chefes de família, têm sofrido muito com o isolamento, por não poder sair para buscar o seu sustento. Aqui na Vila Irmã Dulce, uma das maiores favelas de Teresina, nós das Ayabás fizemos um levantamento, e encontramos 800 mulheres que chefiavam famílias, e sabemos que conseguimos o mínimo, é desesperador ter que escolher quem está em uma situação pior, foi terrível pra gente, muito doloroso. A população que consegue trabalhar em casa é quem tem fonte de renda fixa, trabalhos estáveis, e em sua maioria são patrões. A população que vive à margem é formada por mulheres e homens pretos, principalmente mulheres periféricas. Eles não vivem esse isolamento porque é necessário buscar a sua renda, e passam a depender de políticas públicas, cestas básicas e ajuda dos outros.  Tem quem chame o auxílio emergencial (do governo federal) de auxílio preguiça, apesar de ser quase insignificante, mas algumas dessas pessoas, como ambulantes, viram sua renda diminuir, ou acabar. 

Quais ações as Ayabás – Instituto da Mulher Negra do Piauí tem realizado para reduzir o impacto da pandemia nas comunidades que vocês atuam?

Ficamos um pouco de mãos atadas, sem poder fazer muito. Nossa estratégia foi nos reunir digitalmente e conseguir alguns recursos para cestas básicas, que é o principal. O que mais afeta a população é a falta de alimentos, vinham também os tickets alimentação no valor de duas cestas básicas, que foram financiados pelo Fundo Baobá. O que conseguimos fazer foi isso. Tem também as situações de casos isolados, quando alguma mulher, acompanhada pelo instituto ou da comunidade, tem caso na família, de algum parente se infectar, ou a própria, a gente vai lá, se reúne e faz uma estratégia isolada para conseguir ajudar. Foi o que conseguimos, tínhamos vários projetos, mas não conseguimos fazer praticamente nada. E como estava muita coisa parada, o que podíamos era trabalhar com as mulheres negras da periferia, para ajudarmos a conseguir recursos básicos para sua sobrevivência e a sobrevivência de suas famílias.

O que o governo do Piauí tem feito para ajudar essas pessoas?

O prefeito aqui em Teresina prometeu cestas básicas, mas que não saíram do discurso, e o governador deveria ter disponibilizado um auxílio que também não saiu. Esse auxílio deveria sair inclusive para os artistas, mas é muito burocrático, muitas pessoas não conseguiram nem se cadastrar, por conta das várias documentações exigidas. Eles pediam, por exemplo, para quem cantava na noite que apresentasse a carteira de trabalho dada baixa. Eles não levaram em consideração que muitos artistas não têm carteira assinada, e ter que ir atrás de tantos papéis é uma ação para dificultar o acesso. Os requisitos têm que ser mínimos, se eu trabalho de malabares é claro que não vou ter carteira assinada. Nós também fomos pegas de surpresa, porque muitos artistas tinham contratos com empresas, com seus benefícios assegurados e às vezes até plano de saúde, mas o vice-prefeito resolveu acabar com esses contratos, apesar dessa dificuldade toda que estamos passando, ele disse não querer da continuidade porque era um projeto do prefeito anterior, e aí o prefeito acabou sendo sensível e estabeleceu que esses contratos ficarão até Dezembro, o que eu acho mais sensato, uma notícia menos ruim, dá tempo de todos se organizarem.

Como está sendo a campanha de vacinação no Piauí? E como vocês têm visto o acesso dos grupos mais vulneráveis à vacina?

Semana passada (10/05) começou a vacinação dos grupos com comorbidades, e também com deficiências físicas definitivas. Antes disso, aqui tinha dado uma parada, porque as vacinas simplesmente acabaram, alguns idosos não tomaram a segunda dose, porque não tinha chegado a vacina. Mas população de rua eu nem ouvi falar, não houve nenhuma estratégia para vacinar essa população, provavelmente vai ser em agosto. Aqui a vacinação está muito lenta, começou em janeiro, me vacinei no dia 28 de janeiro, a segunda dose tomei agora em abril, na minha opinião já deveria ter avançado mais um pouco. Meu companheiro com 48 anos não conseguiu se vacinar, apesar de ter sinusite crônica. 

Diante desse cenário tão grave, os movimentos sociais do Piauí têm se organizado para denunciar a falta de acesso à vacina aos grupos mais vulneráveis? Sobretudo negros, periféricos, mães solos, grávidas e lactantes, população carcerária, quilombolas e indígenas?

Na minha opinião faltou e falta organização dos movimentos sociais para pressionar as autoridades por mais celeridade na distribuição de vacinas para a população mais vulnerável. Não sei se essa falta de organização se deve ao fato de não podermos estar juntos presencialmente… enfim, a vacina para algumas pessoas continua sendo uma realidade distante. Dia 29 de maio aconteceu um ato para denunciar a falta de vacinas, e através de live são feitas algumas denúncias. Têm um grupo chamado Afronte, que é uma galera mais jovem, eles fazem muitas denúncias e protestos.

Qual mensagem você gostaria de deixar para as mulheres negras do Nordeste?

A nossa esperança é que a vacina chegue, principalmente pros grupos em situação mais vulnerável, há muitas pessoas passando fome, que perderam seus trabalhos, minha esperança é que até agosto boa parte da população esteja vacinada pras coisas começarem a caminhar, eu sigo acreditando, todo dia pedindo a meu pai Oxalá e aos Orixás para que as coisas melhorem. E nós enquanto Ayabás, estamos trabalhando para que todas nós mulheres negras voltem a viver com o mínimo de dignidade possível, é nossa esperança, estamos unidas para fazer isso acontecer, para fazer isso melhorar.

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