Ativistas denunciam o genocídio da população negra baiana em sessão especial na Câmara de Vereadores de Salvador
A Sessão Especial Pela Vida do Povo Negro foi organizada pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, em parceria com a mandata coletiva Pretas por Salvador
Jamile Novaes e Jessica Santos – Redação Odara
A Câmara de Vereadores de Salvador recebeu, na última quarta-feira (17), a Sessão Especial Pela Vida do Povo Negro na Bahia. A audiência, que foi convocada pela mandata coletiva Pretas por Salvador, a convite e em parceria com o Odara – Instituto da Mulher Negra, iniciou com a fala da co vereadora Laina Crisóstomo, que expressou a sua felicidade em ver a Câmara ocupada por mulheres negras e afirmou que “não dá para ocupar poder sem combater racismo estrutural”.
Após tocar o Hino à Independência da Bahia, como de costume em sessões realizadas na casa, houve uma intervenção artística feita por Vanessa Cerqueira que, em tom de protesto, declamou uma poesia em memória de pessoas negras que tiveram as suas vidas ceifadas de forma violenta.
Em seguida, a articuladora do Instituto Odara, Márcia Ministra, iniciou a sua fala também relembrando nomes de pessoas negras vítimas do Estado e reafirmando a necessidade de denunciar e atuar de forma direta para combater essas mortes, visto que existe uma omissão por parte do governo.
“Nós não podemos admitir mais isso! Devemos realmente culpabilizar o Estado por essas ações… Existe um projeto político de realmente acabar, exterminar a população negra… Não temos presidente, isso é real. O Estado que comunga com várias ações genocidas precisa ser barrado por nós”, afirmou ela.
Márcia denunciou a acão das bases comunitárias da polícia que geram conflitos nas favelas, coagem as famílias e aumentam o número de assassinatos de jovens negros, em especial no Nordeste de Amaralina que, segundo ela, é uma área de especulação imobiliária. Na continuação, falou ainda sobre o aumento no número de feminicídios de mulheres negras e a conivência do Estado para com essa realidade.
Janine Souza, co presidenta da Tamo Juntas – organização feminista composta por mulheres profissionais que atuam voluntariamente na assistência multidisciplinar a mulheres em situação de violência – falou sobre a importância de ocupar a Câmara por ser um espaço de tomada de decisões que afetam a vida de todes. Janine apontou que o Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo – sobretudo mulheres negras – apesar da existência da Lei Maria da Penha.
Para finalizar a sua participação, questionou a ausência de outros vereadores que compõem a atual gestão a Câmara e que deveriam estar envolvidos e debates importantes como é a questão do genocídio do povo negro.
Edvalda de Deus, moradora do bairro Nordeste de Amaralina e integrante do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, denunciou a violência na sua comunidade, os frequentes assassinatos de jovens e adolescentes, fechamento de escolas, falta de oportunidades para os jovens e falou sobre o preconceito vivenciado por morar num bairro periférico considerado perigoso.
Cláudia Gomes, moradora do Cabula, costureira, artesã, integrante da Associação Artístico Cultural Odeart e do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, denunciou a morte do seu irmão de 27 anos, assassinado por disparo de arma de fogo feito pela polícia e contou do medo sentido pela comunidade toda vez que a corporação adentra o bairro para realizar ações.
Cláudia destacou a importância da Odeart e do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, que tem lhe dado a oportunidade de se profissionalizar e viver de maneira digna, trabalhando com o que gosta. Falou sobre a ausência dos governantes no Cabula e afirmou que os mesmos não promovem programas para empregar os jovens do bairro e só aparecem em época de eleição para fazer promessas falsas. Finalizou fazendo um apelo para que a polícia não entre atirando aleatoriamente na comunidade, porque a maioria das pessoas são trabalhadoras e inocentes:
“Vocês estão destruindo toda uma família, toda uma comunidade toda vez que vocês entram no nosso bairro dessa forma… Parem de nos matar! Nós precisamos de oportunidades”, concluiu.
Jeovane Marúsia Fernandes, da Rede de Mulheres Negras da Bahia – idealizadoras da campanha “Parem de Nos Matar!”, falou sobre a dor de uma mãe ver seu filho partir antes dela, parabenizou a mandata por trazer a discussão para a Câmara e as classificou como revolucionárias por promover esta ação. Denunciou a violência presente também em cidades do interior baiano, e citou como exemplo a cidade de Maragogipe. Questionou também a falta de aplicação de recursos governamentais para criar projetos que desenvolvam as comunidades periféricas.
Para terminar, Jeovane informou que, a partir do mês de janeiro de 2022, a campanha “Parem de nos Matar” passará a realizar atendimento psicossocial para mulheres em situação de vulnerabilidade.
O advogado Marlon Reis, que recentemente moveu uma ação civil pública contra o grupo Carrefour pela prática de racismo estrutural, participou da sessão de forma virtual. Em sua fala, afirmou a existência de um projeto de extermínio da população negra e contou sobre como tem se organizado para lutar judicialmente contra isso. Marlon relembrou a tortura e execução de dois jovens negros na rede de supermercados Atakarejo, em Salvador. Ele afirmou que , em parceria com o Instituto Odara, o Centro Santo Dias de Direitos Humanos e a Associação Educafro estão movendo uma ação judicial contra a rede de supermercados.
Em seguida, Dona Ana Suely, integrante do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar e do Coral Mulheres de Alagados, da Penísula de Itapagipe, trouxe a problemática da falta de posto de saúde da família em sua comunidade, falou sobre o desmonte da educação pública, extermínio do povo preto pelas mãos do Estado e invisibilização das comunidades negras. Denunciou o critério racial presente na abordagem da polícia, que invade e desrespeita comunidades negras, mas que age de forma diferente em bairros ricos de maioria branca. Criticou a negligência do governo federal em relação ao combate à pandemia de Covid-19 e como isso tem atingido principalmente a população negra. Na sequência, junto ao coral, cantou a canção “Cabô”, da cantora baiana Luedji Luna.
A assessora de articulação política da Iniciativa Negra Por uma nova Política sobre Drogas e cientista social, Belle Damasceno, participou da sessão de forma virtual e falou sobre como a política de combate às drogas tem tirado vidas e encarcerado homens e mulheres negras.
Belle apontou que, apesar da presenca majoritária de homens negros no sistema carcerário baiano, houve um aumento de 70% no encarceramento de mulheres negras ligadas ao tráfico de drogas devido à falta de recursos para prover as suas próprias famílias durante a pandemia. “Essas mulheres são jogadas de qualquer jeito no sistema prisional, sem ao menos ter acesso a visita, sem ao menos ter contato com algum advogado, alguma advogada”, afirmou.
Belle trouxe ainda a informação de que 90% das pessoas em situação de rua em Salvador são negras e que têm sofrido com o aumento da ação violenta da polícia e da guarda municipal de Salvador.
Finalizando a sessão, as co-vereadoras da mandata Pretas por Salvador agradeceram às pessoas que ajudaram a construir a sessão e abriram o espaço para intervenções artísticas. Algumas das pessoas que estavam presentes se apresentaram, recitando poemas que narram a situação do povo negro no Brasil.
A sessão está disponível para ser assistida através do canal do Instituto Odara no Youtube.
“Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”
Durante a audiência, as diversas falas em referência às preocupações de mães negras no estado da Bahia demonstram o quão atemporal são os versos do sambista Adoniran Barbosa, na música “Trem das Onze”. E foi justamente pensando nessas mulheres que o Instituto Odara, há sete anos, criou o projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, de onde partiu a proposta de realização da Sessão Especial pela Vida do Povo Negro. O projeto conta com a parceria do Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA), a Associação Artístico Cultural Odeart e o Coletivo Mulheres nas Lutas, e atua no fortalecimento psico-social e político de mulheres negras mães e vítimas do Estado no Nordeste de Amaralina, no Uruguai e no Cabula, bairros da periferia de Salvador.
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