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Dia do Trabalho: No país onde mais perdurou a escravidão, o racismo criou raiz nas relações trabalhistas

Nem mesmo as leis trabalhistas dão conta de garantir condições dignas de trabalho para a população negra brasileira

Por Jamile Novaes | Redação Odara

O dia 1º de Maio é mundialmente conhecido como o Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador. Isto porque, nesta data, em 1886, cerca de 80 mil trabalhadores de Chicago, nos Estados Unidos, iniciaram uma greve pela redução da jornada de trabalho que, na época, costumava chegar a 18 horas por dia. A greve rapidamente se espalhou pelo país, reunindo mais de 300 mil trabalhadores em protesto pelas ruas.

Como acontece com a maior parte das revoltas populares, a greve acabou sofrendo dura repressão que resultou em 11 pessoas mortas, mais de 100 feridas e 5 operários acusados de serem anarquistas condenados com pena de morte. No entanto, não demorou muito para que a data do início da greve fosse reconhecida como um marco histórico para a classe trabalhadora. No Brasil, comemora-se o Dia do Trabalho desde o ano de 1925.

Enquanto a classe trabalhadora (branca) ao redor do mundo lutava por seus direitos, aqui no Brasil, em 1886, os trabalhadores e trabalhadoras negras ainda viviam sob o regime da escravidão. A Lei Áurea só veio em 1888, mas sem uma legislação que garantisse direito à terra, trabalho digno e remunerado, moradia e cidadania para a população negra.

De lá para cá, nós, negras e negros, seguimos sendo maioria esmagadora dos trabalhadores em situações de subemprego, informalidade, baixos salários, empreendedorismo por necessidade de sobrevivência e, até mesmo, condições de trabalho análogas à escravidão. Além disso, o estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, revelou que em 2018, 64% das pessoas desempregadas no país eram negras.

Embora, em muitos casos, a problemática esteja relacionada à baixa escolaridade, o racismo nas relações de trabalho está muito mais enraizado. É estrutural e estruturante.

Segundo o IBGE, independente do nível de instrução, o salário das pessoas brancas no Brasil é superior, seja em ocupações formais ou informais. Enquanto o rendimento médio de pretos e pardos é de R$ 1.608, os brancos recebem R$ 2.796 ou 42,5% a mais. Mesmo para as pessoas negras que conseguem acessar a universidade, por exemplo, não há garantias de equiparação salarial com pessoas brancas que ocupem os mesmos cargos. O abismo é ainda maior quando se trata especificamente de mulheres negras. Recebemos, em média, 44,4% do total do salário de homens brancos. 

Também somos nós, mulheres negras, que ocupamos a maior parte das vagas de serviços domésticos no país. Segundo pesquisa de 2019 do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 68% de todas as trabalhadoras domésticas no Brasil são negras.

Embora não exista demérito algum em prestar serviços domésticos, a grande questão aqui é a precarização à qual as mulheres negras estão submetidas na área. Só em 2013 foi aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das domésticas que estabeleceu direitos iguais às demais categorias e, só em 2016, foi aprovada a Lei Complementar 150, que regulamenta direitos como FGTS, adicional noturno, seguro-desemprego e salário-família. Ainda assim, muitas profissionais domésticas negras continuam sendo tratadas como verdadeiras mucamas, com jornadas exaustivas de trabalho ou até mesmo dormindo num quartinho de empregada na casa de seus patrões, que insistem em dizer que elas são “quase da família”.

Apesar de no Brasil, o ato de submeter trabalhadores a condições de trabalho análogas à escravidão seja crime previsto no artigo 149 do Código Penal, em 2021, 1.911 trabalhadores foram resgatados nessas condições, segundo o Radar do Trabalho Escravo da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). Foi o caso de Madalena Gordiano, resgatada em Patos de Minas (MG), após 38 anos de trabalho doméstico sem salário ou direitos trabalhistas, reclusa na casa onde bateu aos 8 anos de idade apenas para pedir um pouco de comida e acabou ficando para trabalhar em troca de alimentação.

Madalena Gordiano | Foto: Reprodução.

Recentemente, outra Madalena foi resgatada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em Lauro de Freitas (BA). Madalena Santiago, mulher negra de 62 anos, trabalhava há mais de 50 como empregada doméstica sem receber salário, sofrendo maus tratos e sendo roubada por seus patrões. Em uma cena que chocou milhares de pessoas, Madalena aparece em uma reportagem da TV Bahia, chorando e dizendo que tem receio de tocar a mão da repórter branca. Questionada sobre o motivo de sua fala, Madalena responde:

“Porque ver a sua mão branca. Eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso”.

Madalena Santiago | Foto: TV Bahia

Hoje, 1° de maio, se comemora o Dia do Trabalho. Na sexta-feira, dia 13, a abolição da escravatura no Brasil completa 134 anos. Para muitas pessoas negras, como as Madalenas, esses marcos não querem dizer nada. A escravização e falta de acesso aos direitos humanos e trabalhistas, são a única realidade conhecida por elas.

Mesmo com as leis trabalhistas – ainda que estas sejam frágeis e controversas -, para a população negra, muitas vezes é difícil acessar até as condições básicas para exercer o seu trabalho com dignidade. Seja no campo ou na cidade, na indústria ou no comércio, as violações acontecem o tempo todo. A branquitude que detém os meios de produção parece não se conformar com o fim da escravidão e vive a fazer manobras para precarizar o trabalho das pessoas negras. Tudo isso com a conivência do Estado, com sua reforma trabalhista que retira direitos já garantidos e reforma previdenciária que mais parece atualização da Lei do Sexagenário.  

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