Comunidades de terreiros de Salvador e Região Metropolitana denunciam racismo ambiental e religioso em atividade do Projeto Mulheres de Axé

O encontro aconteceu no terreiro Oya Matamba, no bairro Jardim Portão, em Lauro de Freitas

Por Jamile Novaes e Jéssica Almeida / Redação Odara

Representações de terreiros de candomblé de Salvador e Região Metropolitana se reuniram no último sábado, dia 13, para discutir racismo religioso e racismo ambiental. O encontro foi organizado pelo Odara – Instituto da Mulher Negra através do Projeto Mulheres de Axé e aconteceu no Terreiro Oya Matamba, no bairro Jardim Portão, em Lauro de Freitas.

A reunião foi proposta pela Ialorixá Thiffany Odara, que há cerca de dez anos vem sofrendo com constantes alagamentos que provocam prejuízos materiais e atingem espaços e símbolos sagrados dentro do seu terreiro. Os alagamentos são provocados pelas enchentes no Canal Dois Irmãos, que atravessam o terreno onde está localizado o terreiro.

Terreiro Oyá Matamba / Foto: Beatriz Sousa.

O problema já foi comunicado à Prefeitura e à Secretaria de Serviços Públicos (Sesp) de Lauro de Freitas. Em 2020, agentes da Sesp foram enviados ao local para fiscalizar a situação, mas se recusaram a entrar no local, por se tratar de um terreiro de candomblé. Na ocasião, a Ialorixá chegou a registrar uma denúncia de intolerância religiosa junto à Justiça.

Durante o evento, Thiffany destacou a importância de resistir frente a toda estrutura racista que lhe atravessa de variadas formas enquanto mulher transsexual negra e Ialorixá:

Ialorixá Thiffany Odara / Foto: Beatriz Sousa.

“Eu preciso criar estratégias de enfrentamento ao racismo, não só o racismo que atravessa o meu corpo, mas o racismo que atravessa a minha religiosidade e o racismo ambiental que está atravessando o terreiro neste momento. Temos resistido a isso e temos nos organizado através do aquilombamento e oficinas como essa do Mulheres de Axé, através do nosso fortalecimento enquanto comunidade e divulgação nas redes sociais”, explicou Thiffany.

Outra situação envolvendo alagamento é vivenciada pela comunidade do Ilê Asé Opó Alafunbí, no Parque São Paulo, em Itinga. Segundo Augusto César, Babaquequerê do terreiro, a prefeitura construiu um sistema de encanamento que passa por baixo do terreno e leva a água da chuva até um rio. Com a ocorrência de chuvas fortes, o sistema transborda, inundando todo o terreiro.

Augusto denunciou que o problema é causado pela negligência da prefeitura que não faz a manutenção do encanamento e também não cuida do rio, que já se transformou em um esgoto. “É um racismo que existe dessas pessoas, nesse ambiente, que é um ambiente afastado. E quando o governo não olha para esse povo, inviabiliza eles, fazendo com que a gente sofra cada vez mais. Entra prefeito, sai prefeito e o problema não se resolve”, afirma ele.

Babaquequerê Augusto César / Foto: Beatriz Sousa.

Frente ao descaso do poder público para lidar com a problemática, a própria comunidade do terreiro em Lauro de Freitas tem reunido esforços para construir muros e aumentar a altitude do terreno. Apesar das medidas tomadas, Augusto denunciou o racismo que se estabelece nessa relação e salientou a necessidade de chamar a responsabilidade para os órgãos competentes.

Mãe Alda Vieira, Ialorixá do terreiro Ilê Asé Opó Ajimuda, também localizado no Parque São Paulo, esteve presente no evento e relatou alguns problemas que vem enfrentando por conta das obras de construção da Via Metropolitana. Inaugurada em 2018, a via facilita o acesso entre Salvador e Litoral Norte. Com 11,2 quilômetros de extensão, onde passam mais de 15 mil veículos por dia e investimento de R$298 milhões, a via liga o Km 8 da BA-099 (Estrada do Coco), em Camaçari, ao Km 5 da BA-526 (CIA – Aeroporto).  

Segundo a Ialorixá, existe um trecho de pista que dá acesso ao terreiro e foi utilizado durante a construção da via, que ficou sem pavimentação ao final das obras e agora é utilizado para despejo de entulho e onde costumam acontecer emboscadas. Por conta do perigo, da lama e lixo que se acumulam no local, os carros de aplicativo se recusam a circular na região, as pessoas que frequentam ou vivem no terreiro precisam pegar um caminho muito mais distante para ter acesso ao local.

Mãe Alda Vieira / Foto: Beatriz Sousa.

A situação já foi comunicada aos órgãos competentes, mas até o momento nada foi feito para resolver. A Ialorixá conta que já utilizou recursos próprios na tentativa de amenizar a situação, mas não tem condição de fazer isso com frequência. “Espero que eles resolvam! Eu paguei uma máquina para reconstruir um pedaço da pista, porque caiu e não tinha como transitar. Mas ultimamente não tenho recurso para pagar e eu preciso transitar”, conta Mãe Alda.

Racismo ambiental

O termo “racismo ambiental” é utilizado para definir situações de degradação e injustiça ambiental praticadas contra territórios ocupados por comunidades racializadas. No Brasil, essa realidade faz parte do cotidiano, sobretudo de comunidades negras e indígenas, desde o período colonial e está associado a interesses capitalistas sobre os territórios.

“Aqui em Salvador observa-se essa questão interseccionada com a intolerância religiosa, por exemplo do Quilombo Rios dos Macacos, que é uma comunidade negra, rural e quilombola que ainda luta para ter acesso à abastecimento de água, energia elétrica e vias de transporte que ligue à comunidade as vias principais de São Tomé de Paripe”, explicou Lorena Cerqueira, geógrafa e educadora popular que esteve presente no evento.

Lorena Cerqueira / Foto: Beatriz Sousa.

Para além das interferências diretas realizadas nesses territórios, atualmente o racismo ambiental também é discutido em âmbito global, apontando para questões estruturais causadas no planeta pela exploração capitalista, como as mudanças climáticas, que atingem principalmente comunidades que vivem em contato direto com a natureza como parte de sua cultura e modo de sobrevivência.

Durante o encontro, as representações presentes realizaram uma discussão ampla sobre o tema, identificando inúmeras situações de racismo ambiental que têm vivenciado e pensando em ações possíveis para minimizar os seus efeitos devastadores. Por fim, destacaram a necessidade de continuar se organizando coletivamente para criar estratégias de enfrentamento diante das constantes investidas contra as comunidades de terreiro e seus territórios.

“Essa foi a primeira roda presencial do Mulheres de Axé depois de três anos, e seguiremos fazendo a roda girar, porque já estamos sendo acionadas a realizar outras rodas em outros terreiros e nos faremos presente com certeza em 2022, denunciando, dialogando e nos conectando cada vez mais com o nosso sagrado”, afirmou Erika Francisca, ativista do Instituto Odara e Coordenadora do Projeto Mulheres de Axé.

Participaram da atividade os seguintes coletivos e terreiros: Terreiro Oya Matamba, Ilê Asé Opo Alafunbí, Cozinha Solidária do Bairro da Paz, Ilê Axé Omi Obá Irê Omo, Ilê Asé Opo Ajimuda, Axé Abassa de Ogum, Onzó Tata Kavungo, Grupo Adorim e Grupo Étnico Cultural da Bahia.

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