JUSTIÇA POR MARIELLE E ANDERSON: Após condenação de executores, movimentos sociais do Brasil defendem que mandantes também sejam julgados
Após seis anos de espera, na última quinta-feira (31), o Tribunal do Júri do Rio de Janeiro finalmente condenou os executores, parte dos responsáveis pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, emboscados e executados em março de 2018.
Ronnie Lessa, autor dos disparos, recebeu uma sentença de 78 anos e 9 meses de prisão, enquanto Élcio de Queiroz, que conduzia o carro utilizado no crime, foi condenado a 59 anos e 8 meses. Ambos são ex-policiais militares, condenados pelos crimes de duplo homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao ataque, e pela receptação do veículo utilizado no atentado.
Durante o julgamento, o ambiente foi marcado por fortes emoções. Na plateia, os familiares de Marielle e Anderson, emocionados, expressaram alívio e pesar. Os pais de Marielle, Marinete Silva e Antônio da Silva, sua filha, Luyara Franco, e as viúvas, Mônica Benício e Ágatha Reis, se abraçaram, compartilhando a dor e o luto em um momento de profundo significado.
No depoimento doloroso da mãe de Marielle, ficou evidente que, para ela, a verdadeira justiça ainda está distante. Embora o julgamento tenha condenado os executores, Marinete deixou claro que a ausência da filha e o vazio que ela deixou são marcas impossíveis de sanar apenas com sentenças. “É conviver com a falta de uma filha que podia hoje estar aqui. Uma mulher que se dedicava totalmente ao que a gente vive. Uma mulher que primava pelo bem-estar da família inteira. É um vazio”, desabafou Marinete.
SEGURANÇA DE ATIVISTAS NEGRAS
Joyce Souza, coordenadora do projeto Pretas no Poder – Participação Política, Representatividade e Segurança de Ativistas Negras, do Odara Instituto da Mulher Negra, destaca a complexidade da luta por justiça para mulheres negras. Para ela, essa luta vai além da punição legal dos responsáveis por crimes; exige uma transformação estrutural que assegure direitos e proteção para mulheres defensoras de direitos humanos. “Temos refletido bastante sobre o que é justiça para nós, mulheres negras. A cada júri que diz respeito ao tratamento de casos que impactam gravemente a vida da família da vítima e toda a comunidade negra, saímos com o sentimento de impunidade e impotência diante de crimes que são irreparáveis. A perda de Marielle é irreparável para o povo negro.”
Para a ativista do Odara, a justiça que buscamos vai muito além da condenação dos executores e mandantes do crime. “A condenação dos executores ou dos mandantes não é o limite de justiça pela qual lutamos; nós queremos a garantia do direito à moradia pelo qual Marielle lutava e foi assassinada; políticas afirmativas para ocupação paritária das cadeiras de tomada de decisão; condenação dos partidos que não cumprem essas políticas; indenização para famílias de vítimas assassinadas pelo braço armado do Estado ou pela negligência de suas instituições; nós queremos medidas reparatórias coletivas por cada crime contra nossa humanidade. Não há precedentes da justiça pela qual lutamos nesse país, o que a gente quer é a dignidade que nos é negada há séculos”, destaca Joyce.
AMANHECER POR MARIELLE E ANDERSON
Na quarta-feira (30), ativistas de direitos humanos e movimentos sociais se uniram em um ato chamado “Amanhecer por Marielle e Anderson”, que teve como objetivo somar coro e exigir das autoridades uma punição para o crime. Em Salvador, o ato aconteceu na Estação da Lapa, onde os participantes homenagearam a memória de Marielle Franco e Anderson Gomes, reafirmando o compromisso com a luta por justiça.
Sandra Munhoz, coordenadora da Casa Marielle Franco, e uma das mobilizadoras do ato, explicou que a escolha da Estação da Lapa, em Salvador, como ponto estratégico para as mobilizações pela possibilidade de diálogo com as diferentes pessoas: “As pessoas passavam, paravam, perguntavam o que estava acontecendo e nós explicamos sobre o júri. Fizemos falas, colocamos cartazes e faixas, e foi muito bom ver as pessoas interagindo, parando para saber o que era. Isso mostra que conseguimos nossa meta de envolver as entidades e chamar a atenção da população”, comentou.
Sandra também ressaltou que, mesmo com a condenação dos executores, a luta não termina. “Estamos na expectativa de que os mandantes também sejam responsabilizados. Sabemos quem são os assassinos, mas queremos que os verdadeiros mandantes, incluindo o delegado e o deputado envolvidos, também respondam por esse crime brutal”, finalizou.
MANDANTES SERÃO JULGADOS PELO STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) prepara-se para julgar os mandantes do crime. O julgamento ocorrerá no STF, devido ao foro privilegiado do deputado federal Chiquinho Brazão, um dos acusados. Os réus no processo incluem:
– Chiquinho e Domingos Brazão: irmãos apontados como mandantes do crime.
– Rivaldo Barbosa: delegado acusado de ser o mentor do assassinato.
– Robson Calixto (Peixe): ex-assessor de Domingos Brazão, suspeito de auxiliar no desaparecimento da arma do crime.
– Major Ronald Paulo Alves Pereira: acusado de monitorar a rotina de Marielle, conforme delação de Ronnie Lessa.
As audiências de instrução foram concluídas na última terça-feira, 29 de outubro, com todas as partes ouvidas. A defesa dos réus tem cinco dias para solicitar diligências ao ministro relator. Em seguida, o STF ouvirá as alegações finais da defesa e da acusação.
Inicialmente, o processo contra Lessa e Queiroz tramitou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Com a citação dos irmãos Brazão como supostos mandantes, a investigação foi transferida para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, posteriormente, para o STF.
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