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Coluna Beatriz Nascimento #11 – 2ª Temporada: Patrícia Santana Pinto

Desde maio, temos visto por aqui, a 2ª edição da Coluna Beatriz Nascimento: uma exposição de produtos e pensamentos das mulheres participantes da 4ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento. E o décimo primeiro produto desta temporada, é mais uma carta escrita para Beatriz Nascimento, desta vez, pelas mãos da Patrícia Santana Pinto.

Essa carta é também um relato pessoal de violência doméstica escrito pela Patrícia, que hoje se encontra livre desta relação. Todas as pessoas citadas aqui foram avisadas. 

Em caso de violência contra a mulher, denuncie. 

Lauro Freitas, 14 de novembro de 2022.

Saudosa Beatriz Nascimento,

Envio-te esta carta, para contar um pouco da minha história. Me chamo Patrícia Santana Pinto, sou mulher negra, heterossexual, cis, fora dos padrões imposto por uma sociedade patriarcal, machista e misógina.

Muita coisa continua da mesma forma: as desigualdades nas relações de gênero, do extermínio e resistência dos povos negros o mito da democracia racial. Mas por vocês que deixaram um legado, eu prometi pra mim mesma que os desafios vou enfrentar, nunca me calar e denunciar!

Chega de tantas mulheres morrendo pelo fato de não aguentar mais sofrer tantas formas de violências, por não aguentarem mais desculpar os agressores que colocam a culpa no álcool, na falta de dinheiro e no desemprego.

Chegou para mim, quando consegui sair de uma relação que não sabia que era abusiva, achando bonito quando ele dizia que minha roupa estava muito transparente ou curta, e que não cortasse o meu cabelo, pois para ele, mulher tinha que criar cabelo.

Chegou para mim, não saber que mesmo sendo o meu companheiro, eu sofri estupro marital, pelo simples fato de dizer não, ou simplesmente não estar a fim pelo dia cansativo que tive, e mesmo assim era obrigada a manter relações sexuais.

Chegou para mim, não poder mais sair com minhas antigas amigas e ainda ouvir que prefere que eu fique em casa, porque a Rita que conheceu juntamente comigo está pegando geral depois que separou do Carlos.

Chegou para mim, ter que deixar meu celular no silencioso, pois se tocasse, antes mesmo de atender, ele já queria saber quem era, e se fosse algum colega de trabalho ou qualquer outro homem, pior ainda. Era motivo de brigas, xingamentos e muito mais.

Chegou para mim, ser amante do chefe, dos colegas de trabalho, do padeiro, do baleiro, do motorista, do cobrador, pois era a única mulher no planeta terra.

Chegou para mim, ouvir que se ele me largar-se eu ficaria sozinha, porque só ele para aguentar uma mulher que não se arrumar mais, que parecia uma velha, que só vivia cansada e uma louca que via coisas onde não existia.

Chegou para mim, não ser assunto de família em todas as festas, porque Katia, minha irmã, fez um bom casamento e minha mãe sempre disse que Cláudio não prestava, mas mesmo assim, apaixonada, juntei as minhas coisas e saí de casa para viver com ele.

Chegou para mim, ir prestar uma queixa e a DEAM da cidade onde moro (e acredito na maioria dos municípios), não funcionam à noite e finais de semana, onde ocorre os maiores índices de violência contra as mulheres, pois já somos impedidas de exercer nossos direitos lá, imagina nas Delegacias Regionais que funcionam 24h de domingo a domingo?

Sabem quando chegou mais ainda para mim?

Quando comecei a participar da Rede de Mulheres Negras da Bahia, vi que existiam outras mulheres iguais a mim. Encontrei ali verdadeiras Irmãs, encontrei pertencimento, entendem? Meio clichê, verdade, mas com aquelas Irmãs, dei meu primeiro passo, talvez por elas, (não tenho certeza que foi por elas), para denunciar o meu agressor.

Só tenho a certeza que Elas me mostraram que não estava sozinha, que qualquer lugar que eu fosse ou estivesse, que toda comunidade negra estaria comigo, não fisicamente, mas toda a nossa ancestralidade das aguerridas Dandara dos Palmares, Maria Felipa e milhões de outras mulheres que foram apagadas ao longo da história.

Aí ninguém mais me segurou! Antes de sair escuto a música “Não mexe comigo” interpretada por Maria Bethânia e vou levando tudo que aprendo. Complementando com o curso de Direito, pois, para nós mulheres negras só fomos apresentadas aos Deveres da hora que levantamos até quando nos dão um momento de descanso.

E tenho várias inspirações como a Promotora Lívia Sant’anna Vaz com sua obra “A Justiça é uma mulher negra”, minhas professoras Rita Maria Brito Santos; Marcia Margarida Nunes da Silva Martins e Vanessa Vieira Pessanha mulheres negras incríveis e de responsabilidades humanitárias expressivas e utilitárias.

Chega de sermos só beneficiadas com políticas públicas que não condizem com as nossas necessidades, pois não foram criadas para a minoria de vulnerabilidade social: nós Mulheres Negras!

Chegou a hora de estarmos com as canetas e papéis nas mãos criando políticas públicas para nós mulheres negras, pois somos as que sofremos violência obstétrica, pelo fato de termos um fenótipo da nossa raça não nos tornar mais suscetíveis a suportar mais dores. 

Precisamos de mais mulheres negras no poder, comprometida com a causa e não algumas que estão caindo de paraquedas, como nessa última eleição, e que não têm as mesmas dores e nem tão pouco as mesmas lutas e vivências que a gente. 

Por isso resolvi escrever essa carta para você “Beatriz Nascimento”, que tive o prazer de ser contemplada para fazer parte da 4ª Turma que leva seu nome e saber da sua história e dedicação. Há uma fala sua que diz que as nossas histórias precisam ser escritas por nós. E que o Instituto Odara com toda sua equipe está levando conhecimentos e despertando para muitas mulheres negras que nem sabiam e nem desconfiavam dos saberes, memórias ricas e da força que tinham. 

Pode ter a certeza que pelos meus lábios seu nome vai ser sempre lembrado, na sua época era briga conjugal e foi assassinada por um homem que se achava dono da mulher, (e também sua amiga),  e você não aguentava mais ver o sofrimento daquela mulher lhe pedindo socorro.

Na minha época, foi violência doméstica e familiar, quase fui assassinada, pois o agressor de agora é aquele mesmo homem lá de traz. Mas de uma coisa tenho certeza, somos mulheres de épocas diferentes e com o mesmo lema: “em briga de marido e mulher a gente salva a mulher”. Uma tristeza que com você foi diferente, entrando para as estatísticas ou mais um caso noticiado naquele dia apenas.

O que venho engatilhando com todas e a nossa ancestralidade é uma força, é uma sabedoria, é um despertar de conhecimento e direcionamento e uma militância sem perder a esperança de que dias melhores estão por vir. DESISTIR não é o nosso lema e sim NÃO VAMOS MAIS DEIXAR AS BALAS PERDIDAS OU QUALQUER OUTRO TIPO DE OFENSA A NOSSA DIGNIDADE HUMANA QUE SÓ ENCONTRAM OS CORPOS NEGROS, independente de quem seja, o Estado ou o agressor. 

Já ia me esquecendo, assistir um filme chamado HARREIT, indicado pela profª Rita da disciplina Sociologia Jurídica, (citada anteriormente), para um Seminário de Psicologia Aplicada Ao Direito com base na Teoria Sócio-Histórico-Cultural, veja só a potência dessas mulheres negras militantes que estou tendo a sorte conhecer cada uma com suas histórias e experiências a serem seguidas.

Me vi na personagem do filme “Beatriz Nascimento”. “Escarrada e cuspida”, como dizia minha mãe, (em memória). Outra preta arretada e aguerrida que se separou de meu pai em 1977, ficando sozinha com seus seis filhos na cidade que seu marido tinha sido transferido.

Vou deixar aqui uma fala de HARREIT TUBMAN que vou levar para vida de agora em diante e que me marcou muito, muito mesmo, juntamente com seus ensinamentos. Agora pensando bem… Pra que? Se você estava do meu lado todo o tempo. Risos!!!!!!!

                                                  Patrícia Santana Pinto

Quem é Patrícia Santana Pinto?

“Eu me chamo Patrícia Santana Pinto, mas gosto de ser chamada Patrícia Santana. Sou filha de mãe solo, Liozete Santana Pinto, pois o primeiro homem escroto que conheci foi meu pai ao deixar eu, minha Mãe e meus cinco irmãos em uma cidade sozinha e sem nenhum parente.

Nasci no dia primeiro de agosto e atualmente moro em Lauro de Freitas com meu companheiro gato preto, Rangel Bispo, e passei agora para o décimo semestre do curso de Direito da UNEB Campus XIX.

Hoje sou de uma família muito maior, que é a Rede de Mulheres Negras da Bahia, a qual levou as minhas angústias, lutas e dificuldades. Elas me mostram a ancestralidade, resiliência, sabedoria, verdade e gratidão todos os dias.”

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