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Coluna Beatriz Nascimento #7 – 3ª Temporada: Deise Manueli

Eu, Deise Manueli, mulher negra, 43 anos, tenho uma ascendência no Recôncavo Baiano, o que demarcou muito a minha subjetividade, com idas ao candomblé com minha avó, pois era com quem eu passava minhas férias da escola, fato extremamente importante para a construção da minha humanidade afro-referenciada.

Poder conviver diariamente com os pescadores, com as mulheres que faziam panelas de barro, com os causos contados, com a maré, o mangue, com as moquecas, os pirões, mas também com a fome dos pescadores em tempos de águas doces e salobras, com aquelas pessoas que moravam em casas de taipas.

O patriarcado sempre foi um incômodo durante toda a minha infância e adolescência, observando a vida que minha mãe levava, da submissão, da dependência e da falta de recursos econômicos e emocionais.

As discussões acerca dos direitos da mulher chamaram-me atenção no ensino médio. Lembro-me bem da minha trajetória no Colégio Central, em Salvador, quando houve um debate acerca do aborto na aula de Língua Portuguesa, onde somente eu e uma colega fomos favoráveis ao aborto, construíndo argumento sonde tivemos que ir de encontro com a opinião de toda a turma.

A graduação em História na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) não tinha ainda as discussões de gênero e nem a discussão da mulher na História, quiçá as mulheres negras. Então, entrei no grupo de pesquisa, como voluntária, para discussão da temática de gênero e que acabou me encaminhando para o Curso de Especialização no Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Ufba, com a professora Ana Alice, já falecida.

A disciplina “Gênero e Raça”, ministrada pela Prof. Zelinda Barros, me instigou a conhecer mais sobre as escritas de mulheres negras, a partir dos textos de Nilma Lino Gomes. Eu tinha uma discussão acerca da temática racial limitada, por falta de leituras e interações com o movimento negro, mesmo sendo politicamente progressista e de esquerda. Diante dos incômodos, senti a necessidade de ter referências acerca das mulheres negras na História. A oportunidade de fazer um Curso de Formação para Professores com base na Lei 10.639/03 pelo Centro de Estudos Afro-Orientais – UFBA,  surgiu e foi então que a temática das Cotas Raciais na minha cabeça foi ampliada como uma proposta e intervenção na melhoria de vida do povo negro, uma exigência de Reparação histórica e confesso que foi um bálsamo para mim. Foi então que me aproximei de mulheres negras escritoras e suas poéticas que me tocavam e da Educação antirracista, posteriormente fui Tutora presencial deste mesmo curso no CEAO.

A minha prática política e pedagógica como professora de História sempre tento trazer sujeitos e sujeitas silenciadas e para fazer este trabalho preciso fazer pesquisas e nessa caminhada encontrei o Instituto Odara, fiz também o Curso de UBUNTU: Educação em Base Africana. Esses resgates ancestrais dos conhecimentos têm sido curativos para mim e para a minha formação profissional, pois sei que faço a diferença na vida dos meus iguais.

A Escola Beatriz Nascimento surgiu e eu me inscrevi como a possibilidade de ouvir mulheres negras, suas pesquisas e aprender estratégias políticas de enfrentamento do machismo e do sexismo, embora já seguisse o grupo nas redes sociais, mesmo sem conhecer as pessoas. Porém, Valdecir Nascimento foi uma das professoras formadoras do curso no CEAO e outras já conhecia pelas lives das redes sociais.

Os sábados agendados para a Escola Beatriz Nascimento são encontros maravilhosos de conexão, aprendizado e cura, por poder discutir e aprender com tantas mulheres negras e diversas. Eu sou atravessada por vários depoimentos desde o primeiro encontro. E para mim tem sido um espaço fortalecedor.

E para honrar o legado de Beatriz Nascimento, gostaria de dizer que os índices de feminicídios ainda estão altíssimos por aqui e o genocídio da população negra também, mas digo que a sua vida não foi em vão e que deixou um legado importante de quilombamento, com grupos de estudos, organizações, conexões, solidariedade e poder de mudanças para o bem viver.

Na Escola Beatriz Nascimento aprendi bastante sobre a Luta e Organização das Mulheres Negras e as temáticas interseccionais em que as mulheres negras estão imbricadas, na Saúde, na Educação, na Cultura, na Política, etc., e sobre a necessidade de ser aquilombamento. 

A Escola me encorajou a iniciar um Projeto na minha comunidade que já tinha interesse, mas pouca coragem e apoio. Aprendi a quilombar-me com a atividade do Julho das Pretas que desenvolvemos em nossa comunidade, foi bastante potente e importante para mim e minha comunidade pelo apoio recebido das irmãs, pela necessidade da comunidade e pelos pedidos de mais rodas de conversas para mulheres discutirem suas questões pessoais, que também são questões políticas.

Saliento a inteligência metodológica da EBN em articular a comunicação de Comunidade para Comunidades, saindo dos redutos universitários tão embranquecidos, coloniais e violentos, pois o curso foi ministrado numa Escola Municipal, no bairro do Alto das Pombas, no bairro da Federação, em Salvador,  mas que inicialmente tive receio e medo de ir, embora more em Pirajá, um bairro também periférico de Salvador. Depois percebi que estávamos assimilando o discurso midiático, pois foram sábados tranquilos e que o comércio do bairro estava intenso, as pessoas se movimentando e resolvendo suas vidas no sábado.

Os ensinamentos de Gênero e Raça têm me levado a refletir muito acerca da Educação da minha filha, desde o nascimento até o presente momento. Reflito acerca da felicidade e das coerções sociais sobre a mulher, bem como do excesso de sexualização e desumanização das nossas corpas e que o amor, o autocuidado, a amizade e a independência sejam marcas deixadas minhas deixadas em Dhara.

Finalizo agradecendo demais pela oportunidade a esta Escola e a todas mulheres negras que me antecederam e me mobilizam, me acolhem subjetivamente, como minha mãe e minha avó Zezé. Desejo vida longa às organizações de mulheres negras e que mais mulheres possam ser tocadas, influenciadas, projetadas e apoiadas para que um projeto político de nação tenha como parâmetro o bem viver das mulheres negras.

Que as águas fluam, se renovem e se encontrem.

Até mais!

*Deise Manueli – Mulher negra, filha de Rita e Manoel, neta de Zezé. Moradora de Pirajá há 42 anos e mãe de Dhara Manueli. Professora de História  do estado da Bahia. Formada em Licenciatura em História e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Especialista em Gênero – NEIM-UFBA. Formada pelo CEAO, Ubuntu e Escola Beatriz Nascimento. Mestranda da Uneb.

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