Ayomide Odara e a revolução de meninas e jovens negras que começa com Educação
O projeto reúne meninas de 9 a 18 anos da Bahia e Pernambuco para estimular a permanência na escola e o pensamento crítico social
Por Beatriz Sousa
Em mais de um ano de pandemia da Covid-19 no Brasil, tivemos que repensar toda nossa forma de viver, produzir, ensinar e aprender. Observando os campos da sociedade, já negligenciados, que foram atingidos por esse processo, entendemos a importância de dialogar com meninas e adolescentes negras sobre educação, potencializar seus olhares para a escola, para si mesmas e para o mundo como um todo. É a partir deste contexto que nasce o projeto Ayomide Odara – Meninas e Adolescentes Negras enfrentando a Covid-19 na Bahia e Pernambuco realizado pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, com apoio do Fundo Malala e parceria com o Renascer Mulher (BA), a Associação Odeart (BA), do Terreiro Ilê Axé Alafunbi (BA) e da organização Mulheres N’ativa (PE) com o objetivo de contribuir para o enfrentamento da violência racial e de gênero na comunidade e no ambiente escolar, a fim de possibilitar o acesso e permanência de meninas e adolescentes negras na escola no pós pandemia.
O projeto Ayomide Odara iniciou suas ações em novembro de 2020 através da mobilização e de reuniões de sensibilização e diagnóstico para revelar o acesso a internet, as mudanças no contexto escolar, das famílias e como tem sido o impacto da Covid -19 no cotidiano das participantes. Já a formação em Comunicação foi iniciada em janeiro deste ano e é nosso módulo fixo de formação, e nestas aulas as participantes têm oficinas para produção de vídeos-denuncia, fanzine, criação e alimentação de redes sociais, além de debates constantes em torno das questões de gênero e raça.
As reflexões acerca das escolas que estudam também são constantes: tanto no que diz respeito à estrutura física, mas também as questões que interferem nas vivências diárias dessas meninas no ambiente escolar; as conversas sempre caminham para reflexões sobre como reformular a escola para que essa se torne mais complacente para todas. As críticas vêm de lugares variados, começando com o desejo de receber mais atenção e serem ouvidas e chegando em pontos subjetivos com relação às suas experiências atravessadas pelo racismo, intolerância religiosa e pelo machismo. Todas as aulas no projeto Ayomide são construídas baseadas no que vem como demanda das vivências diárias e reais das alunas.
A evasão escolar é uma das questões que o projeto tenta enfrentar. Quando pensamos que muitas meninas não se viam enquanto parte da comunidade escolar e que o processo de pandemia é um facilitador para que se afastem de vez da escola, entendemos como nosso dever esclarecer a importância da educação na vida de todas, para que essas queiram estar nas escolas, para que queiram mudar a realidade que poderia afastá-las de um futuro iniciado com a educação.
Erika Francisca, coordenadora do Ayomide, explica a necessidade do reforço e incentivo no que diz respeito à permanência escolar: “Logo, o efeito é deixa-las curiosas a permanecer na escola para questionar o que incomoda, e permanecer nos estudos para construir e realizar sonhos que são muitos”, trazendo também a realidade da pandemia e seus efeitos sociais, há o desafio de consolidar as reuniões em meio ao momento de pandemia. “Mantê-las conectadas e atenciosas às temáticas trabalhadas tem sido um desafio gigante e desafios nos anima, nos energiza, revigora”, conta Erika, que nos motiva e incentiva a construir e reconstruir nossas expectativas para com essas meninas.
A afirmação de identidade e fortalecimento da autoestima são ferramentas de poder imenso quando pensamos na permanência escolar dessas meninas. Quando se sentem seguras e fortes elas mudam suas percepções de mundo, nesse sentido, a Comunicação é uma ferramenta fundamental. Naiara Leite, facilitadora do módulo no projeto e do Programa de Comunicação no Instituto Odara, entende a formação como “uma possibilidade delas se perceberem enquanto agentes sociais e agentes cidadãs”, ou seja, ampliar a visão das participantes para as ferramentas de revolução que elas detém, para que possam transformar suas realidades, e intensificar suas narrativas. São esses olhos apurados que desejamos que retornem às escolas, meninas que possam ser capazes de identificar e enfrentar as violências às quais estão expostas, afirmando seus direitos e entendendo a importância de ocupar aqueles espaços. Como Naiara também cita: “Fortalecer a idéia de um futuro baseado no Bem Viver”.
Contamos com uma equipe de mobilizadoras que trabalham para captar e manter as alunas participando do projeto, Joice Cleide, do Terreiro Ilê Axé Alafunbi, ressalta a importância da educação para a vida e formação das alunas“A importantância em dialogar educação é possibilitar desenvolvimentos sócio-educacional dessas meninas, fortalecendo sua identidade social e possibilitando a sua construção, lúdica e transversal frente ao campo Educacional.”, temos narrativas que fortalecem e ajudam na nossa estratégia de formação, como a de Cauane Moara (14 anos, Núcleo de Juventude ODEART) “O Ayomide permite nos reunir, nós meninas do projeto, assim temos uma melhor qualidade de vida, mais conhecimentos, troca de experiência que ajuda a ter perspectivas do futuro”, Alice Danyelle , do Mulheres N’ativa fala sobre suas expectativas para o fim do projeto “Que elas se fortaleçam enquanto mulher negra e ativista social, em busca de uma sociedade igualitária, onde a jovem mulher já chegue com seus direitos garantidos e respeitado”
Quando pensamos na nossa caminhada, a voz e opinião das alunas é o que nos direciona a compreender como estamos indo, para algumas a sensação de pertencimento é forte, construída graças a diálogos constantes e de escuta ativa. Andreza Gabriely (17 anos), aluna do projeto, entende o grupo como uma família, e ouvindo isso temos a sensação de que estamos indo na direção certa. Ana Victória (11 anos) nos lembra do significado da palavra Ayomide: “Minha alegria chegou”, na fala de Tais Assis (manicure e mãe de Ana Victória) entendemos que o projeto chega também no ambiente familiar, causa mudanças visíveis “tem sido muito proveitoso, fazendo com que ela se solte mais, se aceitando do jeitinho que ela é, aceitando seu cabelo, sua cor de pele”.
Indo na contramão das estatísticas e expectativas estatais para conosco, as alunas, professoras e mobilizadoras do Ayomide constroem uma visão de futuro mais ampla, criam ferramentas de poder para meninas e afirmam a importância de que se mantenham na escola, vivas, produzindo, mudando, se renovando e compartilhando saberes.
Confira publicação Sonhos Possíveis para Meninas Negras completa. A publicação é fruto das rodas de diálogos sobre a escola, o contexto da pandemia e os sonhos de vida das participantes do Projeto Ayomide Odara.
Desenho e sistematização – Annie Ganzala e Vetorização e Diagramação – Polyana Silva
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