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Das ruas para a Câmara Municipal de Fortaleza (CE): conheça a trajetória e as inspirações políticas da covereadora Lila M. Salú

Integrante da mandata coletiva Nossa Cara, a covereadora constrói participação política a partir da poesia e dos movimentos sociais

Por Nádia Conceição

Uma figura de riso fácil e com muita firmeza nas falas. Foi a percepção que eu tive durante as quase duas horas de conversa com a covereadora Lila M. Salú, da Mandata Coletiva Nossa Cara, de Fortaleza, capital do Ceará. Ela é uma mulher negra, educadora, estudante da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), rapper, artista e sapatão – como ela, e muitas outras lésbicas vem se afirmando enquanto lugar político, afetivo e existencial.

Lila conta que ao longo da vida passou por muitos processos  de desconstrução, já que, desde criança, carregava o “estereótipo de macho-fêmea”, além de ser considerada a “feia da família”. Dessa forma, como uma forma de proteção e ao mesmo tempo uma homenagem às mulheres de sua família, Marriete Bezerra da Silva criou a Lila M. Salu. 

A covereadora, que divide a mandata coletiva Nossa Cara, na Câmara Municipal de Vereadores de Fortaleza, com Adriana Geronimo e Louise Santana, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),  conta que o rap teve uma importância singular em sua vida pessoal e em sua participação política mais qualificada, sobretudo, a partir da participação no projeto Enxame, Organização Não Governamental que atua com jovens em vulnerabilidade social na área do Grande Mucuripe, comunidade de Fortaleza. “O rap veio me dizer que a periferia pode falar por si, a periferia conta a sua história e com isso, na adolescência, no projeto Enxame eu conheci outros elementos do hip hop, como a fotografia, o grafite, o break e também passei a compor e a cantar”.

Como educadora, no projeto Enxame, Lila M. Salú fortaleceu a sua identidade rapper e afirmou a sua identidade sapatão. Foi também nesse período que ela cumpriu medidas socioeducativas por dois meses, no Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota, no Ceará. Nesse tempo em que teve que superar suas fraquezas, conheceu o Coletivo de Jovens Feministas, fundamental para a construção da sua identidade de forma coletiva. “Esse coletivo tinha muita parceria e um diálogo muito bom com o INegra (Instituto Negras do Ceará), que também faço parte. É sobre isso: o coletivo de jovens feministas participando ativamente da parada da diversidade sexual e, a partir da parada, a gente passa a se organizar enquanto mulheres lésbicas e bissexuais”, afirma. 

Lila M. Salú se inspira nas mulheres da sua família para continuar transformando a vida dos moradores em seu município através da gestão Nossa Cara. | Foto: Elana Meireles.

Então, que tal mergulhar um pouco na história da covereadora Lila M. Salú, por meio desta entrevista? Vamos lá, vale a pena conhecer esse caminhar que transforma vidas por meio da vereança e por meio dos projetos sociais que participa. Boa leitura!!

Como se deu o processo de construção da candidatura da chapa Nossa Cara? 

Eu entrei no processo de construção da Chapa Nossa Cara na pré-campanha, onde nos juntamos com uma galera que estava construindo outros mandatos coletivos e formas de pensar ações institucionais, pensar as nossas pautas. Essas novas formas chegam em Fortaleza acionando a mulherada para fazer filiação de bonde no PSOL e também vai conversar com os movimentos. Vai chamar o Tambores de Safo, que eu também faço parte, que sempre esteve fortemente nesse processo de construção da chapa. A ideia era pensar a chapa para para esse ano [2022] e não naquele ano [2020], mas o movimento sugeriu que fosse em 2020, aí saiu a proposta da candidatura coletiva Nossa Cara. Saímos da reunião pensando na possibilidade de nome, formato, numa perspectiva de criação não de um projeto de uma candidatura de partido, mas uma proposta coletiva, em movimento, e também com uma referência muito forte na pauta das mães contra o cárcere.

Eu me aproximo da Nossa Cara a partir do Colar Velcro, um bloco de carnaval de lésbicas e bissexuais, onde eu vendia cerveja para fazer grana. Brincando lá com as manas, foi quando veio o convite. Eu comecei a fazer uma reflexão, pois eu tava na Unilab, num processo de responsabilidade direta com dois sobrinhos e depois de muito diálogo com a Sena [Francisca], uma companheira ativista do INegra, eu topei a ideia e passei a construir.

“É estratégico distanciar a política do povo. Tanto que é prevista a participação popular, mas ela nunca é pensada, nunca é incentivada. A nossa política é muito defasada, pois traz a ideia de participação popular, que a gente tanto lutou, como sendo apenas o votar”. 

Algumas mulheres pretas querem estar na política, mas são desestimuladas, as pessoas dizem que não é lugar para elas, violência também reforçada durante a campanha eleitoral. O que você acha disso?

E para que construir com o povo? Isso ia destruir totalmente a ideia de corrupção, porque ser corrupto para mim é trabalhar na surdina, sozinho, sem transparência. Então, para que ter o povo naquela casa? Na candidatura, a gente foi muito na energia de não construir promessas e de trabalhar com as mulheres, pois eu também acho que esse é o lugar de sermos nós construindo. A gente não pode chegar lá e dizer que quem tá propondo é a Lila M. Salu, não existe, não é a Lila M.Salú que vai fazer o processo. A gente precisa ouvir a galera, a gente tem muito isso. 

O nosso modelo de construção política é ouvir, é saber quem tá naquela quebrada que a gente chega, é  saber quem é que vai construir, inclusive nesse contratempo. O termo institucional é muito sugador, não cabe no tempo institucional o despejo, o assassinato. Então, como é que a gente vai, não só pensar, mas praticar e construir um diálogo com a população, fazer uma política que considere nosso luto, nossas emoções, inclusive, o nosso adoecimento mental, com todo histórico que a gente tem?

Eu acho que o desafio das mandatas coletivas e populares é propor outros corpos, outro jeito de pensar o poder, outro jeito de aproximar o poder de quem realmente precisa: a população. Quando é que a galera vai entender que ela só vai ter comida na mesa quando ela ocupar esse lugar? Como é que a gente aproxima essa gente dessa ideia de que não é só o outro, mas é a gente e o outro? É tanto que pra nós eles são o poder, eles que têm que ocupar. A gente  se acostumou a ver um branco fazendo política, que isso para mim é a melhor fotografia da colonização, a ideia de que vai vir alguém pra nos salvar, para nos dizer o que é melhor e é, inclusive, dentro de um processo de um país escravocrata, que viveu a escravidão, financiou, custeou e custa até hoje reconhecer o que foi a violência para essa população preta escravizada.

A Política não pode se distanciar de nós, não é de hoje que a gente tem pretas no poder nas periferias, mas é a partir da vivência e da perda de Marielle Franco que a gente também vai compreender esse outro modo de fazer a política negra. Eu tenho muito orgulho que cresci na quebrada e quando a comunidade precisa e pergunta o que eu vou fazer e eu digo “quem faz são vocês”, então [quando precisou] a galera foi para a Câmara, botou cartaz, reivindicou, conseguiram sair com uma agenda com o secretário e a gente fechou o ano com recurso para fazer o projeto do jeito que a galera queria. Mana para mim isso é fazer política.

“É pesado quando a gente pensa que a morte [de Marielle] é o que nos faz sementes”.

Existe uma resistência para aprovação de projetos dentro da Câmara por conta das identidades de vocês?

O que eu observo e avaliei nesse primeiro ano da casa é que existe muita sacanagem, como não votar os projetos, a galera assinar, depois tirar a assinatura. Eu também percebo que existe muito receio, muito medo da galera de não ser racista e machista. Ameaçam, dizem que a gente mobiliza o movimento, só que não, o movimento está na luta com a gente não é de hoje. Por exemplo, a gente encarou um vereador que foi no centro e arrancou uma placa que dizia que o banheiro era para mulheres cis, mas ele nunca se referiu a gente como sapatão, nunca se referiu a nossa mandata, nunca dirigiu palavras em plenário, o que era uma coisa que a gente tava muito preparada, digo assim, ninguém se prepara para apanhar (risos).

Mas, por outro lado, também há acolhimento por parte de quem a gente acredita que faz a bomba funcionar, parte da galera dos serviços gerais, o pessoal que cuida do cerimonial. A primeira vez que a gente pisou enquanto equipa na Câmara Municipal de Vereadores, a preta, a gorda, a sapatão, a trans, foi muito emocionante. E quando a gente entra, quem nos acolhe são as mulheres dos serviços gerais, porque é na gente que elas vão se ver. As pretas sendo recebidas pelas pretas e até hoje é muito isso. Eu entendo isso muito como um escudo também.

A Adriana Geronimo, que tá na vivência mais do plenário, tem cobranças diferentes das minhas, pois ela tem visibilidade mais ativa, cotidiana, porque tá ali na TV Câmara e tal, são outras realidades que ela traz para a gente. Ela não é reconhecida como vereadora, a gente não é reconhecida como vereadora, então isso é racismo também. Assim como na campanha, dizem que a gente não pode. A gente, enquanto mandatas coletivas, nos organizamos numa frente, a Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos e estamos muito firmes na ideia de que precisamos avançar nas leis, mas a gente também precisa avançar nas disputas de narrativas. Vamos disputar a confirmação de que a periferia deve ocupar este espaço, a confirmação de que cada vez mais mulheres pretas, trans, sapatão, indígenas precisam e devem ocupar este espaço.

A gente vive um momento de criminalização da política no Brasil. Você acredita que as mandatas formadas por mulheres pretas, periféricas e LGBTQIA+ são uma forma de mudar o pensamento de que a política é coisa para corruptos? 

A população está muito desacreditada. Percebemos isso porque com a vitória aqui da Nossa Cara, as pessoas chegavam na gente e diziam que estavam esperançosas da possibilidade de construir política. A gente tem um povo que está com a fé e a esperança muito desgastadas, pois de dois em dois anos elas confiam em pessoas que quando chegam lá, “neca de pitibiriba”. Então, a única forma de resgatar essa credibilidade é na ação. A gente precisa disputar e fazer a narrativa na ação. E quando o povo ver a possibilidade de construir um projeto político sem corrupção e totalmente integrado com os movimentos sociais, a galera vai ver que dá certo.

Existe a criminalização da política formal, mas existe também a criminalização e o preconceito contra essa política de movimentos sociais organizados, que é feita a partir de uma narrativa branca. O que tem de mídia para a gente? A luta do aborto, de forma totalmente preconceituosa e esteriotipada, a luta da descriminalização das drogas, que também nos coloca num lugar totalmente esteriotipado e a luta dos nossos corpos, da nossa sobrevivência, da nossa existência e contra o controle desses corpos. Metade do que se é pensado de política moral branca vai de encontro aos nossos corpos, que são justamente os mesmos corpo que são a força do trabalho. Então, a gente precisa garantir uma maior perspectiva de criação política junto com a sociedade e a frente coletiva é muito isso. A gente tem trocas e fortalece esse nosso fazer político.

A covereadora também semeia esperança através da sua arte.  | Crédito: Nerice Carioca.

Quem são suas principais referências? 

Minha construção de identidade se dá também primeiro pelo meu nome. Eu passei muito tempo me chamando de Lila B. Meu nome é Marriete Bezerra da Silva, então me chamava de Lila B, porque Bezerra é o sobrenome e aí, pensando sobre essa questão da maternidade, do matriarcado eu tirei o B e fiquei com o M do meu nome, Marriete, em seguida botei Lila M. Depois a minha primeira sobrinha, Laila, nasceu no dia 7 de novembro e uma semana depois eu perco a minha avó materna, então eu escolhi o nome da Laila e a minha irmã também colocou Salete, que era o nome da minha avó, que era conhecida como Salú e todo mundo da família é conhecido como Salú. 

Um dia, minha sobrinha, catando isso nas redes da família disse “titia, agora vou ser Laila Salú” e eu falei “então eu também vou ser”, e eu trago essa identidade Lila M Salú. A partir daí, eu passei a trazer esse nome comigo. O que, inclusive, me despertou a ideia de que eu não sabia o nome da minha vó, que eu só conhecia como Iaiá.  Fui conversar com minha mãe e nessas conversas me veio a lembrança que eu cresci muito com isso, eu sempre fui tida como uma criança curiosa, danada, como o povo chama, metida. Mas uma das coisas muito firmes é que eu cresci ouvindo a história da minha mãe e, consequentemente, ouvindo a minha história, porque ela sempre me falou do meu processo de nascimento.

O preconceito às vezes é tão pesado, que eu tinha muito receio e me prendi um tempo na minha sapatonice, achando que não iam gostar de mim. Nesse processo de conversar com a minha mãe, eu me descobri muito mais próxima, saber como ela é guerreira, como a Salú foi guerreira, como Iaiá foi guerreira, que Iaiá é Josefa, parteira, rezadeira e benzedeira. Minha mãe dizia que até o povo da cidade solicitava ela e os médicos davam muito respaldo.

Minhas referências muito fortes são as mulheres da minha família: minha irmã, minha mãe, minha sobrinha. Agora recentemente, depois de sarar a ideia de que eu não sou bem vinda por ser sapatão, eu voltei depois de 20 anos lá no Piauí [estado de onde vem sua família] e encontrei uma outra prima sapatão (risos), a gente se encontrou.

Uma outra referência muito firmeza para mim é a Elza Soares, fiquei sentida com a perda dela. Eu conheci a Elza bem na minha adolescência e tipo assim, eu comecei a gostar de música, eu gostava muito de festa. O Rap me chega como música, mas ele vai me chegar muito mais como verso e ouvir rap é trocar ideia, então eu passei a ser muito rap.

Os dois primeiros sons que eu curtia dela foi “A Carne” e “Haiti” e a galera me zoava dizendo que eu tava ouvindo música de “playba”. Mas eu não conhecia Elza Soares, eu conheci essa preta, primeiro o vocal, aí eu fui catar a história e outros sons dela. E ela virou minha referência política e de vocal. A música, a arte e a cultura são ferramentas de diálogo e a Elza se torna isso, ela vai ser a porta voz contra a violência doméstica para mulheres pretas, da força de trabalho das mulheres pretas. Uma das coisas que ela me ajudou muito foi a me olhar no espelho, porque era difícil e eu acho que isso para mim foi muito potente. 

A política sempre foi um lugar de violência e nos últimos anos tem sido mais ainda. Você acredita que o assassinato de Marielle Franco foi um marcador para que mais mulheres, pessoas da periferia e LGBTQIA+ entrassem na política? 

Mana, eu tenho certeza. Ela inaugurou esse novo jeito de fazer política, porque a Marielle ocupou esse espaço sendo uma mulher da favela. Sabemos o que a gente carrega no corpo, na fala e ela vai trazer isso. Ela levou a favela assumida, não aquela favela negociante, que vai fazer acordo, ela trouxe a favela de forma transparente, nítida, real. A favela que vai disputar mais do que projetos de leis, que vai fazer denuncias do que é a realidade. Os projetos políticos são muito voltados para o futuro e Marielle inaugurou os projetos do presente, do atual, não o que foi e o que vai ser. E ela ainda trouxe uma identidade muito forte das mulheres pretas: que é a certeza de que muitas vezes a gente precisa gritar, tanto que a frase dela mais famosa é “não vão nos influenciar”.

“O preconceito às vezes é tão pesado, que eu tinha muito receio e me prendi um tempo na minha sapatonice, achando que não iam gostar de mim. Nesse processo de conversar com a minha mãe, eu me descobri muito mais próxima”. 

O que é para você violência política? 

Para mim, violência política é repressão contra uma política democrática, porque não é qualquer política, porque o que a gente disputa é a democracia, e não existe democracia sem favela, sem popular, sem nós, que somos tidas como minorias. Para mim, a violência política vai recrudescer cada vez mais, à medida que a gente ocupa e ganha espaço de fala. Não é só a galera que tá batendo panela, é quem vai pra cima, quem tá perdendo sua casa há um tempo e que não consegue uma política básica, mesmo sabendo que o país tem dinheiro para construir uma estrutura todinha para receber um evento. Então, pra mim, a violência política é justamente isso, a força contra as democracias.

Desde a tomada de decisão de ser uma chapa coletiva, de múltiplas bandeiras, quais foram as violências mais gritantes que vocês sofreram? 

Na verdade, a gente teve um processo de violência mais direto durante a mandata. Por exemplo, a gente recebeu um chamado de apoio a uma ocupação, que estava sendo ameaçada por policiais civis e a mandata precisou depor como testemunha da ocupação. Nesse processo, foram Adriana Gerônimo, Nerice Carioca e a Julianne Melo, que é a nossa assessora jurídica e as três passaram a sofrer ameaças. A polícia batendo na porta e procurando na casa da Adriana. A gente mora na favela e ela mora numa favela muito conhecida aqui em Fortaleza como uma das quebradas principais dos jornais policiais. Teve um período que ela, mãe de duas meninas, não voltou para casa por medo, por conta da pressão que foi durante a audiência, as ameaças silenciosas. A Ju teve o carro perseguido, foi um momento muito tenso. As manas sofreram diretamente e eu fiquei muito abalada. Eu não tava no processo, foi uma coisa muito louca, eu deixei de ir porque a mensagem chegou na hora da minha terapia, só por isso eu não fui e para mim faz sentido, porque hoje eu tô amadurecendo melhor. E como eu tenho um histórico intenso de violência policial, a depender do rolê, mexe muito comigo.

Lila M. Salú em dia de ação nas ruas da cidade de Fortaleza. | Foto: Nerice Carioca.

Além disso, a pior violência que a gente sofreu foi o silenciar do nosso fazer político. Mas esse episódio da ocupação foi o que mais mexeu com a gente. A Ju teve que trocar de carro, o partido passou a pagar o carro blindado para ela. A gente avalia que esse ano vai ser ainda mais tenso. Em 2022, não só no Ceará, não vai ser fácil. A gente também vivencia muito as violências das facções e essa galera também assume um lugar nesse período eleitoral, tanto que o carro blindado da Adriana foi riscado, com a sigla do CV, Comando Vermelho. Tanto a Adriana, quanto a Juliana estão no programa de proteção a testemunhas. 

Qual a relação da mandata com o partido? 

Na campanha a gente tava bem longe da ideia de vitória do partido, tanto que foi muita disputa para conseguir o mínimo do fundo. A gente teve garantias maiores depois da proposta da Anielle Franco, que mais do que uma cota eleitoral, é uma cota no fundo partidário, então a gente engordou um pouco mais o nosso financeiro por sermos mulheres pretas, sapatão e bissexual. A gente entrou nessas cotas, mas não fomos contempladas. Contudo, quem conquistou a vitória [nas urnas] foram as duas candidaturas que o partido não estava apostando, a Nossa Cara e o companheiro Gabriel Aguiar, que também foi a primeira candidatura dele, um jovem da biologia, do meio ambiente.

Durante o início da mandata a gente firmou nosso lugar dentro do partido, o que para a gente foi algo muito bom, mas também construímos outros laços com os setoriais. Tínhamos o momento da Nossa Cara na Executiva, a relação das mandatas do PSOL, mas depois que mudou os membros da Executiva, a gente não conseguiu mais sentar e foi muito ruim, porque o nosso desafio é desconstruir a parada, só que ser coletivo é algo muito novo. Então o partido do meio do ano para cá, tem tido muito mais diálogo só com a Adriana [Geronimo].

Como vocês reagiram a não vinda da verba do fundo partidário?

A gente reagiu no estilo preta de ser. A gente foi muito com sangue no olho, inclusive, dizendo assim: não precisa, tá ligado? (risos). Foi ruim porque as candidaturas prioritárias eram de um homem branco e de uma mulher branca e para nós foi isso: “vamos fazer o nosso”, tanto que construímos a nossa candidatura todinha dialogando com os movimentos. Do partido, só colou com a gente uma organização que foi da juventude e  alguns companheiros da setorial de negros e negras. Mas os movimentos sociais, o que é uma coisa boa para nós, virou força, pois a gente vai fazer para os nossos, com os nossos e foi muito massa, pois deu legitimidade também para a gente ter esse modelo.

Eu me filiei agora e dentro dessa perspectiva de que quando o partido elege um mandato, o partido indica quem vai trabalhar, o partido vai pensar junto a equipa, mas a gente pensou nossa equipa entre nós. A gente é muito mais autônoma e dentro desse processo reivindica o partido. Depois que a executiva parou de dialogar com a gente, ficou muito ruim, porque ficou parecendo que a gente não consegue e a gente precisava dialogar, precisa no período eleitoral, as pessoas estão nos cobrando e a gente não tá conseguindo ter esse diálogo mais próximo.

Essa novidade do projeto político faz com que a gente dispute o institucional e dispute o partido também. O PSOL é um partido massa, é um partido diverso, mas ainda não muito perto do negro, do antirracismo, de um partido que reconheça dentro da sua atuação a diversidade de corpos LGBTQIA+, então é muito isso, a gente nesse processo de disputa.

Vocês vão finalizar a mandata ou vão disputar a eleição neste ano?

Dentro desse novo formato a gente tem pensado um pouco nesse processo de coletividade e esse período de 2022 a gente pensando muito individual mesmo, sabe? A Louise vai sair candidata, eu tenho a perspectiva, inclusive, que tem a ver com a minha ideia de projeto político, porque a gente sabe que a galera não pensa mais esses lugares como política pública, mas como lugar de construção de carreira. Então, para mim, não é positivo eu simplesmente conquistar uma coisa agora e depois procurar outro lugar que paga mais. Essa é a minha visão e imagino que é essa visão que a galera vai ter de mim. Além do mais, eu também não tenho interesse em sair candidata e quero fortalecer essa construção durante esses quatro anos e entender como é possível o jeito de pensar e fazer política. A Adriana, que é o CPF, colocou o nome à disposição do partido. Se ela, por acaso, sair e ganhar, a mandata coletiva Nossa Cara não existe mais, passa a ser ocupada por quem vem depois no número de votos. 

Como você avalia a participação da mulher negra na política? 
Há uma timidez que se dá muito nesse lugar, na ideia de que a gente não é capaz. Quais são as mulheres pretas que estão ocupando os partidos? A gente tem uma diversidade de mulheres pretas, desde a companheira que na academia até a companheira que tá fazendo a luta como diarista. Eu acho que a gente tem a realidade de muito alaranjamento das mulheres e das pretas, a ideia que não somos capazes, inclusive de conquistar votos. Eu acho que, a partir desse discurso, se constrói uma timidez, mas que o legado de Marielle provoca mais ousadias. Hoje a gente tem muito mais candidaturas de mulheres pretas, porque é muito isso, uma coisa é o partido dizer “bota teu nome, é o seu partido”, outra coisa é uma mulher preta chegar e dizer “eu vou me candidatar”. Isso para mim que é uma vitória, é a nossa autoestima e eu muito feliz de ir cada vez mais nessa trajetória de rua, de campanha, eu pude ouvir mais, não só as mulheres pretas, mas, ver outras mulheres, assanha esse desejo também.

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