Diversidade e aproximação com a sociedade são as marcas das Pretas por Salvador
Eleita em 2020, a mandata é composta por três mulheres negras com diferentes bandeiras de luta que se complementam
Por Nádia Conceição
A luta por moradia digna, direito garantido pela Constituição Federal de 1988, é uma das lutas mais intensas no Brasil atual. A ineficiência dos governos em promover a reforma agrária, bem como as inexpressivas políticas públicas para a população vulnerabilizada, são um dos fatores centrais para o déficit habitacional em diversas regiões brasileiras.
No Nordeste, a Bahia é o Estado que apresenta o maior déficit habitacional. De acordo com a pesquisa realizada pela Ecconit Consultoria Econômica, a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), em 2018, faltavam 555.635 unidades habitacionais para atender à população do estado. O estudo afirma ainda que existe um quadro pior entre pessoas que recebem até um salário mínimo, em torno de 335,6 mil unidades.
Dando início à primeira entrevista da Série “Pretas no Poder: Desafios, Conquistas e Violência Política em Debate!”, entrevistei uma das covereadoras da Mandata Coletiva Pretas por Salvador, Cleide Coutinho, moradora de ocupação realizada pelo Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), do qual é dirigente, membra da Frente Mulheres de Cajazeiras e atua como conselheira municipal de Salvador. Ela também ocupa um cargo na Executiva Estadual do seu partido, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), além de ser membra do setorial de mulheres do partido.
Quando ela me recebeu em seu gabinete, na Câmara Municipal de Salvador, foram mantidos os protocolos de distanciamento. Através da máscara, pude perceber no olhar de Cleide o cansaço de uma mulher que passou toda vida lutando por direitos, mas também enxerguei o brilho, a esperança de que dias melhores virão.
Cleide Coutinho se define como uma mulher negra, evangélica, progressista, feminista, classista e mãe. Uma mãe resistente, que após ter dois filhos assassinados em decorrência da violência policial nas periferias do estado da Bahia, luta incansavelmente pela saúde e pela vida para seu, agora único filho, de 30 anos de idade, diagnosticado com esquizofrenia. Nesta entrevista, conversamos sobre sua trajetória política e também sobre os processos de violência sofridos na política por ser mulher negra e moradora de uma ocupação.
A Mandata Coletiva Pretas por Salvador também tem como integrantes a advogada Laina Crisóstomo, fundadora da ONG Tamo Juntas, que se descreve como feminista, lésbica, candomblecista, gorda, mãe e antiproibicionista. E também, Gleide Davis feminista, antirracista, socialista, candomblecista e suburbana, graduada em Administração, pesquisadora e colunista de gênero, raça, classe e saúde mental.
“Eu quero tá viva para poder continuar lutando, se a gente morrer, morreu enterrou, as pessoas podem até ficar tocadas, mas não estarei mais viva para fazer o enfrentamento. A gente não quer morrer, queremos permanecer vivas, construindo a luta e para isso, precisamos passar por um processo de segurança, o que o partido não apoia, não dá condição dessa segurança”.
O que é política para você?
Tem um ditado que eu costumo falar no meu linguajar popular que é: política é você viver a vida dos outros. É você construir uma política pautada nas lutas do dia a dia, por isso que eu falo que a gente inspira e expira política. Tem um outro ditado que diz que sobre política, religião e futebol ninguém discute, mas eu acho que tem que discutir sim, porque se a gente não fizer esse diálogo, a gente permite que outras pessoas façam isso por nós, então, precisamos discutir. Outras pessoas dizem que não dependem de política, mas eu insisto em dizer que: ‘você depende sim’, pois até a produção de um creme dental é articulada em política, então você depende de política para você viver e sobreviver neste Brasil, no mundo. Tudo é política.
Três mulheres negras, jovens e com perfis tão diferentes, mas um desejo: melhorar a vida das pessoas através da política. Como foi esse encontro?
Eu comecei a construir essa campanha logo no final de 2018, quando teve a eleição para a Câmara Federal e Estadual. Tanto eu quanto a Laina saímos candidatas a deputadas. Já tínhamos visto o resultado das Juntas, em Pernambuco, onde foi montada uma chapa com cinco mulheres e elas foram eleitas. Em 2018 não tivemos essa ideia, mas quando terminou a eleição, que eu vi a quantidade de votos que eu tive e a quantidade que Laina teve, eu pensei que se a gente tivesse montado uma chapa coletiva, hoje estaríamos eleitas. Quando a gente se encontrou, começamos a desenhar essa mandata coletiva.
Eu e Laina já participamos de uma mesma força política dentro do partido, no setorial de mulheres. Já vínhamos de diversas lutas no processo coletivo. Depois, a Laina [Crisóstomo] me apresentou a Gleide [Davis], que também tem um processo histórico muito forte, aí começamos a dialogar e montamos essa chapa coletiva. Na campanha a gente trabalhou muito forte.
Eu sou evangélica, a Laina e a Gleide são do Candomblé. Eu sou hetero, a Laina é lésbica e a Gleide bissexual, então tem muita diversidade nessa chapa. Eu sou de Cajazeiras, Laina de Brotas e Gleide da Suburbana; eu tenho a pauta da moradia, a Laina a pauta das mulheres e a Gleide a pauta da juventude. A gente percebeu que nesse processo de construção a gente conseguia aglutinar muita coisa e íamos defender várias bandeiras nessa coletividade e tem dado certo. A gente conseguiu fazer a campanha toda nesse ritmo de várias pautas, várias bandeiras, conseguimos fazer um projeto no decorrer da campanha e hoje a gente consegue dar andamento a isso. É muito forte também a questão da diversidade religiosa, um marco dentro da nossa mandata.
Quais são os desafios para se fazer essa mandata dentro de uma estrutura que é majoritariamente machista, branca e onde o racismo institucional é fortemente presente?
Os desafios não acontecem só agora, eles acontecem desde a pré-campanha. Nessa campanha eu recebia muitas críticas e questionamentos como por ser uma mulher evangélica e ter lançado uma chapa com uma mulher do candomblé, ou por defender o aborto e a legalização da maconha. E por várias vezes eu me posicionei dizendo que sou uma mulher evangélica, mas eu fui forjada e tenho a minha militância de base social. Antes de ser evangélica eu era militante. Primeiro eu tive minha formação para depois entrar no evangelho. Eu consigo entender esse processo e estar nessa linha com muito equilíbrio.
Eu não defendo que uma mulher acorde num dia ensolarado e diga “eu vou abortar”, não é isso que eu defendo. Eu defendo que seja legalizado porque são as mulheres pretas que são vítimas desse aborto ilegal, pois uma mulher branca vai em uma dessas clinicas ilegais, faz seu aborto e não acontece nada. Já as mulheres pretas vão fazer aborto clandestino e, muitas vezes, acabam mortas, sendo presas ou passando por todas as maldades e maus tratos em um leito de hospital. Então, eu defendo a vida também. Quando eu faço a defesa da legalização e da descriminalização é para que essas mulheres não morram e não saiam presas.
“Mas, o espaço da Câmara é muito conservador e muito machista. A gente tem 43 vereadores e apenas oito são mulheres, em uma cidade que é formada em sua maioria por mulheres”.
Também não tem a representação da população preta de Salvador. Muitas vezes a companheira Laina está falando, ela tem que gritar para ser ouvida. Para a gente, é um espaço de muita perversidade. Os vereadores se levantam durante a fala das mulheres e querem se opor, no momento da fala da companheira, mas a gente segue fazendo resistência e, que bom, que a Laina tem uma voz potente, quando ela fala ela coloca mesmo para fora o que tem que falar, uma voz muito forte e que contribui muito para a nossa sobrevivência.
Vivemos um cenário de criminalização da política, dessa forma, você acredita que a participação feminina dentro da câmara federal, estadual ou municipal e mandatas como a sua tem contribuído para a qualificação da política?
Claro. Dizem que mulher não sabe fazer política, mas nós é que sabemos fazer política. Acho que os mandatos coletivos serão a bola da vez. Isso apareceu muito em 2016, em 2018 se afirmou e em 2020 elegemos várias mandatas coletivas formada por mulheres e também formatos mistos. Contudo, acredito que uma mandata coletiva formada por mulheres traz outro sentido, pauta questões que um mandato coletivo misto não vai pautar e que um mandato coletivo formado por homens não vai pautar. Por exemplo, aqui na Câmara Municipal de Salvador, duas sessões foram realizadas para falar sobre nós [mulheres]: primeiro, uma sobre a descriminalização e legalização do aborto, que o homem não vai pautar essa questão, precisa sair da gente; uma outra sessão foi em comemoração aos três anos do “Ele Não”, que foi um ato criado por mulheres e que teve uma repercussão muito grande no Brasil durante o processo eleitoral de 2018.
Uma mandata coletiva tem outros objetivos: pautar sobre nossas vidas, falar sobre nós. Tem uma frase que eu costumo falar muito e que a companheira Marielle [Franco] falava muito que é: “Nada sobre nós, sem nós”, se a gente não tiver nos espaços para pautar, homem nenhum vai pautar. É igual a pauta das mulheres negras, as mulheres brancas não têm condições de pautar, assim com temas sobre a comunidade lésbica, que outras mulheres também não têm condição de pautar.
Quais são as suas referências dentro da Política?
Eu costumo trazer duas referências muito fortes. Primeiro é minha mãe [Maria José de Souza] que era uma mulher muito forte, aguerrida, batalhadora. Hoje ela não está mais entre nós, mas eu tenho muito da minha mãe, o comportamento, a forma de agir e como ela fazia os enfrentamentos, então ela é uma referência. E a outra, que o nosso mandato se inspira muito nela, até porque somos sementes, a Marielle Franco. A Marielle pra gente é uma semente que deixou muitos ensinamentos. Acredito que as sementes, que nasceram a partir de 2018, têm muito de Marielle. Tem muito da luta de Marielle na nossa política, na nossa mandata, na nossa luta.
Como você percebe a questão da violência política no processo eleitoral e pós eleitoral?
Nossa candidatura foi a que mais recebeu verba do partido no processo eleitoral e conseguimos ser eleitas, mas a gente sofre violência o tempo todo, inclusive dentro do partido. É preciso pontuar isso, pois, muitas vezes sofremos violências de gênero dentro do partido e acredito que isso seja em relação às mulheres em todos os partidos.
Nossa mandata é atacada por dirigentes e militantes do partido e por várias pessoas. Isso é um processo violento, porque quando nós temos um parlamentar homem, não é cobrado tanto. A gente tem uma cobrança excessiva e temos colocado isso em vários espaços, sobretudo dentro do partido, que também é um ambiente hostil e a gente tem combatido isso, através do setorial de mulheres. Temos tentado combater, dialogando através de reuniões internas e de campanhas. É preciso que haja desconstrução todos os dias. É preciso que esses machos sejam desconstruídos para que aprendam a conviver e entender o protagonismo das mulheres na luta.
“Eu fui forjada no movimento sindical e naquele momento eu era mãe de três garotos e apareceu a oportunidade de fazer um bico em um sindicato, aí eu fui e me interessei pela luta. Aí cada dia ia me aprofundando, me aprofundando, construindo uma luta e quando eu vi eu já fazia parte daquele mundo e foi dessa forma que eu comecei.”
A partir do seu relato, percebemos que são muitas as violências. Mas diante desse universo, quais são as mais gritantes?
São violências que vão desde um macho branco mandar você calar a boca, dizer que a gente tá vomitando, à negação do espaço da gente se colocar como candidata. Com a cota para a inserção dos nomes de mulheres para se candidatarem às urnas, as mulheres têm se colocado. Na última eleição [2020], até que não, mas a gente ver muito que não é dada a oportunidade dessas mulheres se colocarem nas eleições como é dada aos homens. A gente preenche [a ficha], mas temos um rendimento ruim, porque não teve as mesmas condições de igualdade para que essa mulher coloque a candidatura.
Na última eleição vimos violências extremas, desde ameaças de morte à candidata e também aos membros da família, agressão física e até assassinatos, nosso exemplo na Bahia foram as ameaças à prefeita de Cachoeira, Eliana. Em algum momento a mandata teve medo ou pensou em desistir?
É muito forte o que tá acontecendo com a prefeita Eliana, que já esteve aqui no nosso gabinete conversando com a gente, onde dialogamos com ela sobre o que ocorreu, pois embora ela seja de partido diferente, não importa se é de direita ou de esquerda, a opressão contra a mulher vem. E ela vem mais fortemente em mulheres pretas e de classe baixa, pobre, mas a gente precisa criar uma base para que consigamos fazer esses enfrentamentos para solucionar isso, porque não podemos ficar perdendo as companheiras sem fazer enfrentamento. Eu quero tá viva para poder continuar lutando, se a gente morrer, morreu e enterrou, as pessoas podem até ficar tocadas, mas não estarei mais viva para fazer o enfrentamento. A gente não quer morrer, queremos permanecer vivas, construindo a luta e, para isso, precisamos passar por um processo de segurança, o que o partido não apoia, não dá condição dessa segurança.
Sendo uma mulher negra, como você avalia a participação das mulheres negras no ambiente político?
Houve um avanço, mas um avanço bem tímido. Ainda precisamos avançar, e muito. Mas acho também que as mulheres precisam se colocar para serem candidatas nesses espaços, sabemos porque isso não acontece. A falta de motivação dentro do partido, de verba para que elas se coloquem candidatas, de experiência para que isso aconteça, impedem que as mulheres consigam avançar na política.
Acredito que na eleição deste ano vai bombar de mulheres pretas na política. A eleição de 2020 foi a primeira experiência da resolução nacional que teve cotas para as mulheres negras e pessoas LGBTQIA+, mas acredito que nas eleições de 2022 vai avançar e muito e nós esperamos que avance mesmo. Precisaremos ter uma bancada que represente mesmo as mulheres pretas, a população negra, LGBTQIA+.
A minha batalha é na base, fazendo reunião na comunidade, no dia a dia, fazendo reunião nas ocupações. Construo essa luta desde sempre, para mim não tem feriado, não tem fim de semana, não tem folga, se tiver com uma dor de barriga e tiver uma ação para ir, eu vou. A Laina também fundou a organização Tamo Juntas e está presente em todo Brasil, ela tem uma vivência muito ativa nisso. A Gleide também. Mas a gente constrói isso todo dia e não caímos de paraquedas nisso, a gente constrói essa história e, agora, estamos tendo a condição de mostrar para Salvador.
Quando ganhamos e viemos fazer uma visita na Câmara Municipal, as pessoas que faziam limpeza e o pessoal servia água e café olhavam para a gente e os olhos enchiam de lágrimas, eu olhava para as pessoas e as pessoas estavam contentes de ver a gente lá. Eu virei para Laina e disse: Laina, que baita responsabilidade temos com a vida desse povo, precisamos dar conta do recado. E a gente tem feito isso. As pessoas nos dizem que nossa mandata é necessária na Câmara de Salvador.
Na eleição de 2020 algumas cidades do Brasil tiveram suas primeiras mulheres negras eleitas na história e o pleito que mais elegeu pessoas LGBTQIA+. Você acredita que o Brasil conseguiu olhar para 2018 e avaliar que a eleição de Bolsonaro foi péssima para o país e, em 2022, nas urnas, será o momento de dar continuidade à correção do descompasso que foi em 2018?
Eu costumo dizer que a eleição de 2022 será a eleição mais difícil do Brasil, pois vai ser a luta da democracia contra o fascismo. Uma luta muito difícil e que a gente sabe dos modus operandis do bolsonarismo. Mas eu acredito que nessa eleição as pessoas vão vir com um pouco de conscientização para as urnas, porque o povo está sofrendo. Quando eu era criança, na época do Sarney, o povo passava fome naquela época, com o tempo a gente conseguiu avançar e eliminar a fome no Brasil, mas agora ela voltou com força total. As pessoas estão indo no caminhão pegar osso no lixo, tá comprando pele de galinha para comer, quando tem dinheiro para comprar. Sendo assim, eu acredito que o bolsonarismo vai ter voto dos bolsonaristas, pessoal que faz ali uma disputa, pois o bolsonarismo é muito mais sério que o próprio Bolsonaro.
“Mulheres negras: não desistam de seus sonhos, porque a nossa vida precisa ser pautada, pois se não formos nós que pautamos, ninguém vai fazer isso pela gente. Todas as pautas que movem a nossa população preta e pobre a gente precisa pautar e quem que vai fazer isso somos nós.”
O Bolsonaro acabou sendo uma porta para legitimar a violência, os preconceitos, o machismo, a ameaça constante à democracia, entre outras coisas. Você vê a próxima eleição como um modo de fortalecimento da Democracia?
Levamos muito tempo para construir as nossas lutas, alcançar as nossas vitórias e a gente avançou naquela época e observamos que a gente teve várias perdas de direitos em um período de tempo muito curto, o que faz com que as pessoas desacreditem da luta, da democracia e perde o sentido de lutar, mas eu acredito que hoje a gente precisa ter uma representação nacional que mantenha isso.
Estão falando em várias chapas para o nacional, para presidente, onde as pessoas criaram uma grande visão com o Lula. A gente do PSOL, no primeiro momento, também entendia que precisaria ter uma unidade da esquerda para que a gente possa derrotar o Bolsonaro e o bolsonarismo na urna, mas entendemos também que a gente precisa pressionar com os atos fora bolsonaro nas ruas para enfraquecê-lo e para que que a gente consiga derrotar ele no primeiro turno.
Mas o difícil é que Lula tem se articulado com Alckmin e não dá para a gente se articular com quem vai colocar o pé na frente para a gente cair. Nesse caso, acho que a Democracia está ameaçada! Acredito que o Lula tem condição de fazer essa campanha sozinho, com alguém da esquerda, do PSOL, trazer uma indígena para o segundo turno, seria uma representação maravilhosa.
Como tem sido a perspectivas de vocês com relação às pautas da mandata, mesmo tendo pouco tempo de atuação na Câmara?
Quando a gente ganhou a eleição, fizemos um planejamento e montamos uma escala com tudo que pretendíamos fazer. A gente tinha uma programação de fazer uma avaliação do semestre e um segundo planejamento para o segundo semestre, mas por conta da pandemia, não conseguimos avançar. Quando chegamos no nono mês, nos concluímos que tínhamos uma gestação, já parimos ali, pois foi um processo de conhecimento, também foi feito com violência. Digo porque o PSOL já teve dois mandatos para vereador, primeiro foi Hilton Coelho, segundo Marcos Mendes e na transição de Hilton Coelho, ele [o partido] deixou um assessor aqui para passar as informações para Marcos, mas nós não tivemos isso, tivemos que pegar informações com vereadores da esquerda, com Marta [Rodrigues], com Silvio [Humberto], que já tinham experiência na casa. Até para marcar uma reunião com eles, a gente não conseguia. Foram esses mandatos [de Marta e de Silvio] que foram passando as informações para a gente.
Fizemos muita coisa, conseguimos avançar muito, tem muita coisa que não conseguimos fazer, mas a gente precisa remanejar para esse ano agora, sabendo que será um ano difícil, porque precisamos dar continuidade ao processo na Câmara de 2021. E será ano de eleição e de realização do Congresso das Mulheres do PSOL. Contudo, ainda não temos um projeto de lei aprovado, porque todos os nossos projetos foram rejeitados, inclusive, um que foi rejeitado por [Alexandre] Aleluia [vereador do DEM] que depois reescreveu e assinou o projeto como se fosse dele.
E ainda com relação ao processo eleitoral de 2022…
Eu estou montando uma chapa coletiva com várias companheiras mulheres pretas, falando aqui inédito para você, um mandato coletivo com várias pessoas das regiões do Estado, concorrendo para deputada estadual. Já Laina vem com um mandato só, concorrendo para federal.
O que você diria para as meninas e mulheres negras, foco do Odara – Instituto da Mulher Negra, para que elas passem a ter mais interesse, participem da Política como um espaço de transformação social?
Eu perdi meus dois filhos assassinados aos 17 anos. Um em 2010 e o outro em 2013. E hoje eu só tenho o mais velho, que tá com 30 anos e ficou esquizofrênico com a perda dos irmãos, então, a minha luta é todos os dias para eu sobreviver e me manter viva. Eu vivo na política para esquecer os meus problemas. Para mim é uma válvula de escape, porque quando eu estou cuidando dos problemas dos outros, eu consigo respirar e esquecer um pouco os meus.
Meus filhos eram dois jovens negros, com 17 anos, moradores da favela, e isso tudo são pautas que a gente precisa pensar. Se fossem jovens brancos, classe média talvez eles estariam aí… Precisamos dialogar sobre isso. Meu filho é esquizofrênico e eu preciso de todas as políticas para continuar tratando-o. Às vezes ele sai e eu preciso mantê-lo em segurança, segurança essa que a cidade de Salvador não oferece. Ele faz tratamento no CAPS [Centro de Atenção Psicossocial], que é uma política que a gente precisa denfeder, eu pego medicamento nos postos de saúde. Ele é um jovem negro, e por ele eu não tenho como me ausentar dessa política. Não dá para se esconder, mas a gente precisa se cuidar para que a gente não venha adoecer nesse processo.
Mas que a gente não venha a perder as esperanças na luta, porque sem a luta a gente não consegue nada. Quando eu me colocava candidata as pessoas falavam para mim que eu não ia conseguir e, às vezes, eu ficava abatida, pois realmente eu não tinha grana. Mulheres negras: não desistam de seus sonhos, porque a nossa vida precisa ser pautada, pois se não formos nós que pautamos, ninguém vai fazer isso pela gente. Todas as pautas que movem a nossa população preta e pobre a gente precisa pautar e quem que vai fazer isso somos nós. E às mulheres novas que estão chegando agora e que querem construir a política, não se ausentem dessa discussão. Façam esse enfrentamento, mas façam com coragem, com responsabilidade, com cuidado.
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