NOTA PÚBLICA DO ODARA – INSTITUTO DA MULHER NEGRA SOBRE O JÚRI POPULAR DO CASO “MENINO JOEL”

Salvador (BA), 16 de abril de 2024.

O Odara – Instituto da Mulher Negra, através da assessoria jurídica do Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, projeto da instituição responsável pela assistência de acusação do Ministério Público da Bahia (MP-Ba) referente ao caso de Joel Conceição Castro, o “Menino Joel”, garoto de 10 anos, morto no dia 21 de novembro de 2010, na Comunidade da Olaria, no Complexo Nordeste de Amaralina, em Salvador (BA), vem a público manifestar nosso posicionamento referente ao júri popular a que serão submetidos os policiais militares acusados do crime, Alexinaldo Santana e Eraldo Menezes, entre os dias 6 a 13 de maio.

Na ocasião do crime bárbaro, o menino Joel estava dentro de casa quando foi atingido por um tiro, durante uma operação policial. Desde que o crime aconteceu e no decorrer do processo criminal na Justiça na Bahia, os policiais Alexinaldo e Eraldo respondem em liberdade.

A data designada para a realização do júri popular, 6 de maio, é também a data em que acontecerá a audiência de instrução de outro caso acompanhado pelo Instituto Odara: o assassinato de Carlos Alberto Conceição dos Santos Junior. Junior, como era carinhosamente chamado pela família, tinha 21 anos, era primo de Joel e foi morto cerca de dois anos depois, também durante uma operação policial, na mesma rua em que Joel teve a vida ceifada. Três policiais estão respondendo a processo criminal sob acusação de terem executado Carlos Alberto.

É fundamental registrar que todos os processos criminais acompanhados pelo Odara, através do projeto  “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”, são de homicídios cometidos por agentes de segurança pública em territórios vulnerabilizados e alvo de policiamento ostensivo justificado pela política de “guerra às drogas”.

Ademais, tratam-se de processos em que as vítimas são crianças e jovens negros, pobres, oriundos destes territórios, e em todos os processos o argumento mobilizado pela defesa dos policiais é de ter havido um confronto prévio entre “homens armados” e a guarnição da Polícia Militar ou, até mesmo, que os agentes do Estado foram recebidos a tiros nesses territórios. As vítimas, no entanto, apresentam personalidade idônea, sem envolvimento com atividades ilícitas ou passagens pela polícia e não ofereceram resistência à atividade ou operação policial. 

O Odara destaca à imprensa e à sociedade baiana e brasileira a morosidade que permeia o desenrolar do caso, visto que o processo se arrasta por mais de 13 anos, mais tempo que o menino Joel teve de vida, todavia reconhece na ocorrência do julgamento a oportunidade de que a justiça seja efetivada e, consequentemente abrande a dor que acompanha esta família há mais de uma década.

Nesse sentido, em que pese o assassinato de qualquer criança/jovem, independente da raça ou circunstância, seja algo lamentável, faz-se necessário estabelecer alguns marcos comparativos, a fim de que seja possível avaliar, de modo objetivo, o quanto o racismo institucional permeia o sistema de justiça.

Aos 02 de agosto de 2022, também em Salvador, ocorreu o lamentável assassinato da adolescente de 15 anos, Cristal Rodrigues Pacheco, jovem branca, morta no Campo Grande, bairro nobre e tradicional da cidade. As acusadas pelo assassinato são negras  e foram presas antes mesmo do enterro da jovem, e em cerca de 1 ano, uma das acusadas foi processada e sentenciada a 24 anos de prisão, evidenciando que o judiciário baiano opera com “dois pesos, duas medidas”, uma vez que foram necessários 13 anos para que o júri de Joel fosse designado e quanto ao caso de Carlos Alberto, após 10 anos, ainda paira a incerteza se haverá.

O Instituto Odara que, além de assessoria jurídica, promove ações de acolhimento e incentivo à organização política coletiva de mães e familiares de vítimas do Estado, e formações políticas-cidadãs com juventudes de Salvador, também lançou no ano passado o dossiê intitulado “Quem vai contar os corpos?”: Dossiê sobre as mortes de crianças como consequência de operações policiais na Bahia. O documento tem embasado uma série de incidências junto a organizações internacionais, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Ressaltamos que nossa atuação enquanto movimento de mulheres negras é focado na responsabilização do Estado por essas violências contra a comunidade negra. Não temos o interesse de fazer exclusiva e prioritariamente a responsabilização individual de agentes policiais por entendermos que eles não são, pessoal e individualmente, os únicos e principais responsáveis por essas violências e sim que fazem parte de uma estrutura institucional fundada e fomentada por paradigmas racistas e truculentos, que encaram a maior parcela de sua população (a negra) como inimiga.

Entendemos que já passamos de todos os limites para a manutenção da militarização das polícias e é urgente o debate sobre um novo modelo de segurança pública, bem como mudanças severas na política de drogas no Brasil. 

Por fim, ao que se refere à sessão do júri popular previsto para iniciar no dia 6 de maio e que levará a julgamento os acusados do assassinato do menino Joel, ante ao vasto conjunto probatório que instrui o processo, espera-se que haja a condenação dos acusados, inclusive como modo de coibir a naturalização de operações desastrosas em bairros periféricos que garantem à polícia militar baiana o primeiro lugar em letalidade no país, e tem cotidianamente reduzido o assassínio da juventude negra a “efeitos colaterais”, o que não se pode mais tolerar. 

Atenciosamente,

Assessoria Jurídica | Odara – Instituto da Mulher Negra

contato@institutoodara.org.br

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