Coluna Beatriz Nascimento #4 Mayara Eusebio e Railene Silva

Durante os meses de agosto e setembro, veremos por aqui, a escrita insubmissa de mulheres negras na Coluna Beatriz Nascimento, uma exposição dos produtos das mulheres participantes da 3ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento e o quarto produto é uma carta destinada à própria Beatriz Nascimento e escrita pelas mãos da cearense Mayara Eusebio e da baiana Railene Silva.

A seguir, leia a carta delas na íntegra.

Agosto de 2022

Querida Beatriz Nascimento,

Muitas coisas vem acontecendo nesse momento, nunca precisamos nos unir, e nos munir tanto de informação e conhecimento; e suas amigas do Odara nos deram essa oportunidade. Deixa eu te contar um pouco de nós, somos duas mulheres nordestinas, negras, mães e militantes.

Moramos em estados diferentes, uma no Ceará e outra na Bahia, e antes dessa formação, nossos pensamentos estavam muito ligados a localidade e limitadas ao senso comum da generalização do que é ser uma mulher preta no nosso país, em uma sociedade controlada pelo patriarcado e extremamente machista, racista e xenofóbica.

Sabíamos que em muitos pontos nossas dores e as lutas diárias são as mesmas de qualquer mulher nesse país, mas em muitos aspectos as mulheres negras têm um emaranhado de questões que mulheres brancas não vivenciam, dando a elas um lugar mais confortável na sociedade. 

Através das aulas, dos temas previamente propostos, foi possível enxergarmos alguns aspectos importantes que levantaram questões em nossas iguais, perpassando por sentimento de pertencimento e identidade coletiva a dores comuns e privilégios. Sim, entendemos que temos privilégios dentro da nossa negritude e é sobre isso que queremos te contar.

A temática dos módulos foram escolhidos pela equipe do Odara de forma assertiva e em cada aula houve uma troca de vivências incrível. As docentes nos traziam exemplos cotidianos lincados à aula e nós alunas íamos nos reconhecendo dentro do assunto abordado, e ali aconteciam as trocas entre as colegas, trazendo à tona que esses privilégios, alguns pequenos e outros grandes, estavam presentes também em grupo de mulheres “iguais”. Fazendo um grande rebuliço em como nos vemos na sociedade, como enxergamos umas as outras e em como demonstramos nessas demandas, identidade, escolhas e como fazemos militância. 

Algumas de nós tiveram acesso à educação básica e de qualidade, não passamos pelo trabalho infantil e nem pela fome, e é preciso entender que nem todas ocupavam desse lugar de cuidado.

Algumas de nós viveram em áreas urbanas com acesso à cultura e arte, se fazendo necessário reconhecer que esse é um importante atalho para a emancipação de pensamento. Algumas de nós tiveram ou têm acesso ao ensino superior, o que permitiu ocupar lugares que antes foram negados às nossas ancestrais.

Algumas de nós tiveram ou têm a oportunidade de expressar livremente sua fé,  o que é privilégio de poucas religiões. Algumas nós fomos encorajadas a ver beleza em nossos corpos e traços. Algumas de nós podem expressar e viver livremente sua forma de amar. 

Algumas de nós, pretas de pele menos retinta, sentiram o racismo de forma mais branda, ou não perceberam e não sentiram o preconceito no momento, o que deixa bem menos marcas no nosso eu interior.

Aprendemos no módulo III (História e trajetória das Organizações de Mulheres Negras), com a Profª Luciana Brito, sobre mulheres de um tempo não tão distante da atualidade, que precisaram lidar com muito mais frequência a guerra intelectual, estética, moral e humana, de ser, ocupar e existir enquanto mulheres negras onde até a lei estava contra nós. E disso sabemos que você entende bem, Beatriz. A Luta e a trajetória de Pretas como Angela Davis, bell hooks, Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez, Djamila Ribeiro, Mariele Franco e sua, Beatriz Nascimento, abriu caminhos para que hoje nós mulheres pretas ocupemos a pequenos passos, lugares, antes negados. O legado de vocês nos fortalece e orienta.

A luta é constante e pesada, nos parece interminável, mas chegamos até aqui. Conquistamos lugares antes não destinados a nós negras. Temos a liberdade de usarmos nossas cores, nossos adereços, nossos cabelos, nossa fé.  O direito de amar quem queremos, só foi possível porque em um passado vivo e presente, tivemos mulheres corajosas que foram e são resistência. Insubmissas ao patriarcado, ao racismo e à misoginia, abriram as portas e hoje sabemos que precisamos estar vigilantes e atentas para que as futuras gerações de meninas e mulheres pretas vivam em uma sociedade onde mulheres negras sejam e vivam toda a beleza de suas histórias e sejam as protagonistas de suas vidas. 

Nossa missão é deixar um legado não só de luta e resistência, mas também de força, empatia e beleza. E a Escola Beatriz Nascimento tem um impacto importantíssimo na vida dessas duas Pretas que lhe escrevem.

Com gratidão, luta e resistência,

 Mayara Eusebio e Railene Silva.

Sobre as autoras

Railene Silva é contadora, especialista em Direito Tributário, Gestão Administrativo/Financeiro de ONGs e Aluna Especial no Mestrado em Administração da UFBA.

Mayara Eusebio é uma mulher negra,  nordestina,  casada, mãe de João e Maria.  Formada em Recursos Humanos e Pós Graduada em Docência, Gestão de Projetos, e especialista em Empreendedorismo Feminino. Atuante na área de desenvolvimento de pessoas e capacitação de mulheres.

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