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Coluna Beatriz Nascimento #9 – 2ª Temporada: Beatriz dos Reis

Desde maio, temos visto por aqui, a 2ª edição da Coluna Beatriz Nascimento: uma exposição de produtos e pensamentos das mulheres participantes da 4ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política para Mulheres Negras – Beatriz Nascimento. E o nono produto desta temporada, é mais uma carta escrita para Beatriz Nascimento, pelas mãos da Beatriz dos Reis.

A seguir, leia a carta na íntegra.

Carta para Beatriz Nascimento

Agô e bença, Ancestralidade!

Agradeço ao divino e ao sagrado por esse presente. Está ancorada no aqui e no agora, ouvindo o seu chamado Beatriz Nascimento, pra mim é uma honra!

Consciente de que nossos passos vieram de longe, tenho buscado fazer o caminho de Sankofa: esse caminho de volta que nos situa no tempo, no espaço e nos ORIenta diante das encruzilhadas a fazer esse movimento de retomada para saber primeiro de onde a gente veio, para depois saber para onde a gente vai, já que por muito tempo essa sociedade considerada por muitos, moderna e civilizada, nos sequestrou, nos fragmentou e segue tentando nos exterminar a todo custo, assim como afirma nossa querida Conceição Evaristo: – Eles combinaram de nos matar e nós combinamos de não morrer!

Logo, nessa busca constante, a fim de subverter essa ordem da necropolítica impressa sobre os nossos corpos, encontrei as mulheres do Instituto Odara que com toda generosidade acolheu a mim e mais de 30 mulheres negras dos mais diversos lugares do Brasil, na 4ª Turma da Escola de Ativismo e Formação Política – que carrega o teu nome Beatriz Nascimento, e eu vejo como uma homenagem mais do que merecida ao legado que nos foi deixado por você para que juntas retomássemos a nossa potência, tendo como fio condutor a tua grandiosa existência e os seus fundamentos como a nossa referência, enquanto mulher negra produtora de conhecimento científico e de tecnologias ancestrais, capazes de restituírem em nós o sentimento de pertencimento ao território próspero e abundante dos quais os nossos orixás se manifestam e resguardam os nossos valores.

Nessa perspectiva, quando penso no sentido de pertencimento, lembro do documentário ORÍ, dirigido por Raquel Gerber, por exemplo, onde graças  a tecnologia digital podemos ver a tua beleza e a tua força eternizada na história cuja imagem e o som da tua voz, reverbera e nos diz que: “O quilombo surge do fato histórico que é a fuga, o ato primeiro de um homem que reconhece que não é propriedade do outro – Daí a importância da migração, da busca do território.”

Ou seja, independente dos pactos com requintes de crueldade feitos pela branquitude, o que nos traz até aqui, é o sonho daqueles e daquelas que vieram antes de nós e que nenhuma violência será capaz de nos apagar, visto que tanto na dimensão material, intelectual, emocional e espiritual, herdamos a realeza, a emancipação, a autonomia, a insubmissão e sobretudo a liberdade das nossas cabeças e dos nossos corações.

Confesso professora Beatriz Nascimento, que por diversas vezes tem sido difícil estabelecer estratégias de sobrevivência, como por exemplo, nos apropriar dos conhecimentos construídos por nós e para nós, e trago essa reflexão individual em relação às aulas promovidas pela Escola que leva o teu nome, porque muitas vezes não consegui garantir a frequência das aulas em todos os módulos oferecidos, como eu gostaria,  tão pouco garanti um bom rendimento ou um posicionamento contundente nas discussões promovidas pelos ricos debates acerca das problemáticas e das soluções que nos envolve enquanto povo, enquanto coletividade, por questões que  são atravessadas pelo próprio racismo estrutural, que nega a nossa humanidade e nos adoece ao ponto de destruir as nossas capacidades cognitivas, onde somos levadas a acreditar que não temos nenhum tipo de narrativa relevante mostrando o quanto o racismo é uma tecnologia eficiente no apagamento da nossa história, das nossas memórias, no controle das nossas mentes, dos nosso corpos, na disputa pelo nosso espaço onde somos constantemente colocadas umas contra as outras, involuntariamente atendendo aos interesses do Estado racista brasileiro. 

Além das batalhas travadas contra os mecanismos utilizados pelo poder hegemônico, batalhamos também contra as sequelas do racismo para que não sucumbamos a dor, a culpa, ao sentimento de impotência e o cansaço que é permanecer no fronte em defender  e impedir que mais injustiças recaiam sobre o nosso povo. Embora saibamos o quanto nosso tempo é precioso. Esse imaginário de que devemos ser fortes e resistentes o tempo todo, custa a nossa sanidade mental devido às duplas, triplas, infinitas jornadas de trabalho, sem falar nas violências domésticas sofridas por nós e praticadas pelas pessoas com as quais escolhemos dividir o que temos de mais precioso, a nossa vida. Como pode ver Professora, infelizmente vivemos as repetições de muitas opressões das quais você também conheceu, sofreu, enfrentou e lutou para transformar a nossa realidade com afeto, dignidade e responsabilidade. Peço desculpas pelas queixas, a você e a todas as pessoas que vão acessar essas palavras, mas aqui também aproveito para deixar registrado o que aprendi enquanto mulher negra em movimento: o nosso maior ato político é permanecermos radicalmente vivas.

E como canta Luedji Luna, em Um corpo no mundo: je suis ici (eu estou aqui), ainda que não queiram! Por isso aceito minha porção de amor, felicidade, prosperidade, conhecimento e fortuna boa!

A começar pelo nome, pelo axé, pela força da palavra que a ancestralidade achou por bem também me chamar, assim que cheguei do ORUM no AIÊ, em outro tempo, em outro espaço, em outra dimensão, mulher negra na mesma missão: Libertação! 

São muitos os mistérios e é no poder das forças invisíveis que eu acredito, nada acontece por acaso, de fato existe um chamado, Professora. Talvez, você aí de cima saiba melhor do que eu que sigo daqui pequenina, professora em formação de Geografia, diretamente do litoral sul da Bahia, aprendendo a ler para ensinar meus camaradinhas, como canta Betânia e quem sabe ser igual a você Rainha: referência, inspiração e transformação na luta por melhores dias. 

Te honro, te saúdo, te admiro… Máximo Respeito!

Carinhosamente, de Beatriz Dos Reis Nascimento, para Beatriz Nascimento.

Quem é Beatriz dos Reis?

“Beatriz Reis é mulher preta, brasileira, nordestina, cantora, educadora e artivista social, filha de Itabuna. Graduanda em Geografia/Licenciatura acredita no poder emancipador da arte, da comunicação e da educação como meio de autonomia e transformação do nosso tempo e do nosso espaço”.

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2 comentários

  1. São por honras , saudações e inspirações como essas que Resistimos! Te Honro , te saúdo, e te admiro! Bia Reis Nascimento. Resistir Liberta!

  2. Te honro, te saúdo, te admiro… Máximo Respeito, Bia Reis!
    Vc é potência e inspiração.

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