Assassinato do jovem Carlos Alberto Júnior, de 22 anos, morto pela Polícia Militar da Bahia em 2013, segue sem solução na justiça

O caso aconteceu no Nordeste de Amaralina, em Salvador (BA); Após quase 10 anos, a primeira audiência acontece na próxima terça-feira (1)

Redação Odara

Carlos Alberto Conceição Júnior, jovem negro de 22 anos, foi mais uma vítima da letalidade da Polícia Militar da Bahia. O caso aconteceu em 13 de junho de 2013, na localidade conhecida como Olaria, no Complexo do Nordeste de Amaralina, em Salvador (BA).  De folga do trabalho, o rapaz estava indo jogar bola com um primo, quando se deparou com uma ação policial e tentou correr para se proteger dos tiros, mas foi cercado e executado no quintal de uma residência.

Júnior, como era carinhosamente chamado, era pai de um menino de apenas três anos, trabalhava no Gran Hotel da Barra e não tinha antecedentes criminais. Mas nem isso o livrou de ter uma morte precoce, violenta, e ainda a memória manchada pela narrativa policial racista que classifica todo e qualquer jovem negro como bandido.

Apesar da PM-BA registrar a morte do jovem como um Auto de Resistência, afirmando que os agentes foram recebidos a tiros quando chegaram à comunidade, inúmeras testemunhas relataram que não houve troca de tiros e que, inclusive, após atirar em Júnior, os soldados da 40ª CIPM chegaram a colocar uma arma junto ao corpo do rapaz.

Dona Rita de Cássia Souza, mãe de Júnior, conta que a dona de uma casa próxima ao local onde o jovem foi assassinado ouviu os disparos e, preocupada com seu próprio filho, tentou chegar até o corpo para ver de quem se tratava, mas foi impedida e ameaçada de morte pelos policiais.

Após a morte do rapaz, familiares, amigos e moradores do Nordeste de Amaralina realizaram inúmeros protestos para pedir justiça por Júnior e por seu primo Joel, de 10 anos, também baleado e morto dentro da própria casa em 2010, na mesma rua do Nordeste de Amaralina em que Júnior viria a ser morto pela mesma Polícia Militar, três anos depois.

“Até hoje, eles [os policiais] só chegam no bairro ameaçando a população e matam as pessoas  como se fossem bichos”, conta Rita de Cássia.

Demora no julgamento do caso

Embora o caso tenha acontecido em 2013, só se tornou um processo na justiça em 2015, ano em que o Ministério Público da Bahia denunciou os policiais Jefferson Silva França, Diego Luiz Rezende Silva e Iapuran Cerqueira de Souza Júnior por homicídio duplamente qualificado, cometido por motivo torpe e sem possibilidade de defesa da vítima.

Mesmo com a denúncia feita pelo Ministério Público da Bahia e a recepção na 1ª Vara do Tribunal do Júri em fevereiro de 2015, o processo só voltou a ser movimentado em 2019, com a notificação oficial dos policiais envolvidos no caso. A primeira audiência foi então marcada para maio de 2020, mas acabou sendo suspensa por conta da pandemia de Covid-19. Remarcada para o dia 21 de julho de 2022, houve um novo adiamento porque o oficial de justiça responsável não cumpriu a entrega dos mandados em tempo hábil. Outro fator que motivou esse último adiamento foi o não comparecimento de um dos policiais denunciados.

Só agora, o processo foi retomado e está em fase de produção de provas, onde as testemunhas começarão a depor para que seja decidido se os acusados serão levados a júri popular. Uma audiência de instrução será realizada na próxima terça-feira, dia 1º de novembro.

“Toda essa demora é uma falta de respeito. Meu filho era inocente! Eu espero que eles paguem pelo que fizeram, porque mesmo isso não trazendo meu filho de volta, talvez impeça que outras mães passem pelo mesmo que eu tô passando”, afirma Rita de Cássia.

A demora do sistema de justiça em encaminhar o caso, além de revitimizar a família que lida com a perda precoce do jovem, também atrapalha o andamento do processo, já que algumas das testemunhas não estão sendo encontradas para depor, porque não vivem mais na comunidade ou porque já faleceram. 

Ainda segundo o relato da mãe de Júnior, algumas outras testemunhas que foram convocadas para a audiência estão com medo de prestar depoimento e sofrer algum tipo de represália por parte da polícia.

Para o Estado, quanto vale a vida de um jovem negro?

Além do processo penal, foi movida uma ação indenizatória que condenou o Estado a pagar cerca de R$60.000,00 (sessenta mil reais) à família de Júnior. A sentença está sendo recorrida pelo advogado que cuida do caso, que pede o aumento desse valor.

Para Gabriela Ramos, advogada e técnica do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, do Odara – Instituto da Mulher Negra, além da reparação através da condenação dos acusados, as sentenças indenizatórias em casos como esse precisam compreender não apenas a compensação financeira, mas levar em conta que essas mortes causam dano às famílias em particular, mas também ao povo negro, já que o extermínio de jovens negros funciona como um dos mecanismos do genocídio, um crime contra a humanidade.

“Essas mortes causam impactos que, embora inestimáveis, precisam ser indenizadas de forma que possibilite que as famílias adotem cuidados psicossociais de longo prazo, se estabeleçam socialmente, ganhem autonomia econômica, reconstruam as vidas pelo menos no aspecto sócio-econômico, como forma de compensar o trauma que jamais será apagado”, explica Gabriela.

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